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Os sete são escolhidos e comissionados (6:1-7)

No documento A Mensagem de Atos - John-Stott (páginas 132-139)

O próximo ataque do diabo foi o mais inteligente dos três. Tendo fracassado na tentativa de vencer a igreja através da perseguição e da corru p ção, ele agora tenta a distração. Se con segu isse preocupar os apóstolos com a administração social, que, apesar de essencial, não fazia parte do chamado deles, negligenciariam as responsabilidades de orar e pregar, dadas por Deus, deixando assim a igreja sem defesa contra as falsas doutrinas.

a. O problema (v. 1)

A situação é clara. Por um lado, naqueles dias, m ultiplicou-se o

número dos discípulos. Por outro, a excitação do crescim ento da

igreja foi abafada por um lamentável goggysmos, uma "queixa ... exp ressa em m u rm u ração" (BAGD). O verbo cognato é em pregado na Septuaginta para expressar a "m urm uração" dos israelitas contra Moisés,31 e é evidente que os membros da igreja

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de Jeru salém estavam m urm urando contra os ap óstolos, que recebiam o dinheiro das contribuições (4:35, 37). Esperava-se, p o rtan to, que o d istribu íssem eq ü itativam en te. M as tal murmuração não é adequada para um cristão.32

A reclamação dizia respeito ao bem-estar das viúvas, cuja causa Deus prom etera defender no Antigo Testam ento.33 Percebendo que elas não eram capazes de ganhar o próprio sustento e que não tinham parentes que as sustentassem,34 a igreja assum iu essa responsabilidade, fazendo-se a distribuição diária de comida entre elas. Mas havia dois grupos na igreja de Jerusalém, um chamado

hellen istai e o outro hebraioi, e o prim eiro m urm urava contra o

segu nd o porqu e as viúvas deles estavam sendo esqu ecidas na

distribuição diária (v. 1). Nada indica que esse esquecimento fosse

proposital ("as viúvas hebréias estavam recebendo um tratamento p re fe re n c ia l", JB P ); a causa provável era um a falha na administração ou supervisão.

Qual a identidade exata desses dois grupos? N orm alm ente, supõe-se que o fator que diferenciava um grupo do outro era uma m istura de geografia e língua. Ou seja, os hellenistai vinham da dispersão, tinham se estabelecido na Palestina e falavam grego, enquanto que os hebraioi eram nativos da Palestina e falavam o aram aico. M as essa explicação é inadequada. Já que Paulo se cham ou de hebraios,35 apesar de ter vindo de Tarso e falar grego, a distinção deve estar na cultura, e não apenas na origem e língua.

Nesse caso, os hellenistai não só falavam o grego, mas pensavam e agiam como gregos, enquanto que os hebraioi não só falavam aram aico, m as estavam p rofu ndam en te im ersos na cu ltu ra h eb raica. A ssim send o, ju deu s gregos é uma boa tradu ção, enquanto que comunidade que fala aramaico não o é, pois se refere apenas à língua e não à cultura. Richard Longenecker escreve: "A q u i, é n ecessário uma tradução do tipo "ju d eu s g regos" e "ju d e u s aram aico s".36 Evidentem ente sem pre houve um a rivalidade entre esses grupos na cultura judaica; a tragédia é que ela continuou dentro da nova comunidade de Jesus que, através de sua m orte, tinha abolido tal tipo de distinção.37

A questão, porém, ia além de uma tensão cultural. Os apóstolos discerniram um problema mais profundo: a administração social (tanto a organização da distribuição como a resolução da disputa) estava am eaçando ocupar todo o tempo deles, im pedindo-os, assim, de fazer a obra específica que lhes fora confiada por Cristo:o ensino e a pregação.

b. A solução (vs. 2-6)

Os doze não im puseram uma solução à igreja, mas convocaram a comunidade dos discípulos e compartilharam o problema com eles.

Disseram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para

servir às mesas (v. 2). Não há aqui nenhuma sugestão de que os

apóstolos considerassem a obra social inferior à obra pastoral, ou de que a achassem pouco digna para eles. Era apenas uma questão de cham ado. Eles não podiam ser d esviados de sua tarefa prioritária. Assim, fizeram uma sugestão à igreja: Irmãos, escolhei

dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria

(JBP, "práticos e espirituais"), aos quais encarregaremos deste serviço (v. 3) e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da

palavra (v. 4). E digno de nota que agora os doze acrescentaram a

oração à pregação (provavelm ente pensando em in tercessão pública e particular) ao especificarem a essência do m inistério apostólico. Esses ingredientes formam uma dupla natural, já que 0 ministério da palavra, sem a oração para que o Espírito cuide da semente, certamente não produz frutos. Normalmente, pensa-se que essa delegação do trabalho social aos sete deu origem ao diaconato. Talvez, pois a palavra diakonia é usada nos versículos 1 e 2, como verem os mais tarde. Não obstante, os sete não são realmente chamados de diakonoi.3H

A igreja entendeu o plano dos apóstolos: O parecer agradou a toda

a comunidade. Portanto, eles o puseram em ação. Elegeram Estêvão, homem cheio de f é e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, P árm en as e N icolau, prosélito (i.e ., um gentio co n v ertid o ao

judaísm o) de Antioquia (v. 5). Alguns salientam que todos os sete tinham nomes gregos. É possível que todos eles fossem hellmistai, escolhidos deliberadamente para satisfazer o grupo queixoso. Mas isso é especulativo. Parece mais provável a priori que "alguns, de am bos os grup os de ju d eu s, foram eleitos de m odo ju sto e apropriado".39 Sendo ou não diáconos, sendo ou não hellenistai,

apresentaram-nos perante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos (v. 6), com issionando e autorizando-os para exercerem esse ministério.

c. O princípio

Esse incidente ilustra um princípio vital, que é de im portância urgente para a igreja de hoje: Deus chama todo o seu povo para o

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m in istério , ele cham a pessoas d iferentes para m in istério s diferentes, e aqueles chamados para a "oração e m inistério da p a la v ra " não devem p erm itir que sejam d esviad os de suas prioridades.

A obra dos doze e a obra dos sete são igualmente chamadas de

diakonia (vs. 1,4 ), "m inistério" ou "serviço"; e isso certamente é deliberado. A prim eira é o "m inistério da p alav ra" (v. 4) ou o trabalho pastoral; a segunda, o "ministério junto às m esas" (v. 2) ou o trabalho social. Nenhum ministério é superior ao outro. Pelo contrário, ambos são ministérios cristãos, ou seja, meios de servir a Deus e ao seu povo. Ambos exigem pessoas espirituais, "cheias do E sp írito ", para exercê-los. E am bos podem ser m inistérios cristãos de tempo integral. A única diferença está na form a que cada ministério assume, exigindo dons e chamados diferentes.

Prestamos grande desserviço à igreja sempre que nos referimos ao pastorado como "o ministério", quando, por exemplo, falamos da ordenação em termos de "entrar para o ministério". O emprego do artigo definid o pressu põe que o pastorad o seja o ú nico ministério que existe. Mas diakonia é um termo geral para serviço; ele não é esp ecífico, a não ser que receba um ad jetivo com o "p a sto ra l", "so cia l", "p o lítico ", "m éd ico " ou outro. Todos os cristãos, sem exceção, sendo seguidores daquele que veio "não para ser servido, mas para servir", são chamados para ministrar, ou melhor, para darem suas vidas em ministério. Mas a expressão "m inistério cristão de tempo integral" não se restringe à obra da igreja e ao serviço missionário; ele também pode ser exercido no governo, na m ídia, nas profissões liberais, nos n egócios, nas indústrias e em casa. Precisamos recuperar essa visão da ampla diversidade dos ministérios para os quais Deus chama o seu povo.

Em específico, é vital para a saúde e para o crescimento da igreja que os pastores e as pessoas das congregações locais aprendam essa lição . É certo que p astores não são ap ó sto lo s, p ois aos ap ó sto lo s foi dada a au toridade de form u lar e en sin ar o ev an g elh o , en qu anto que os pastores são resp o n sáveis pela exposição da mensagem que os apóstolos nos deixaram no Novo Testamento. Não obstante, os pastores são chamados a dedicarem a vida a um verdadeiro "ministério da palavra". Os apóstolos não estav am ocu pados dem ais para m in istrar; eles estavam preocupados com o m inistério errado. O mesm o acontece com m uitos pastores. Em vez de se concentrarem no m inistério da p alavra (que inclui pregar para a congregação, aconselhar as

pessoas e treinar grupos), eles se tomam superatarefados com a administração. Às vezes, a culpa é do pastor (que quer segurar todas as rédeas em suas próprias mãos) e às vezes a culpa é do povo (que exige que o pastor seja um factótum). Em ambos os casos, as conseqüências são desastrosas. O nível da pregação e do ensino caem, já que o pastor tem pouco tempo para se dedicar ao estudo e à oração. E os leigos não exercem os papéis que Deus lhes deu, já que o pastor faz tudo sozinho. Por essas duas razões, a igreja é impedida de chegar à maturidade em Cristo. É necessário reconhecer a verdade bíblica básica de que Deus chama homens e m ulheres diferentes para m in istérios diferentes. E ntão, a congregação cuidará para que o seu pastor fique livre de encargos ad m in istrativ o s desnecessários, a fim de que se dedique ao m inistério da palavra, e o pastor cuidará para que os m embros descubram os seus dons e desenvolvam m inistérios que lhes sejam adequados.

d. O resultado (v. 7)

Como resultado direto da ação dos apóstolos de delegar a obra social, a fim de se concentrarem na prioridade pastoral, crescia a

palavra de Deus (v. 7a). Mas é claro! A palavra não pode se espalhar

quando o m inistério da palavra está sendo neglicenciado. Por outro lado, quando os pastores se dedicam à p alavra, ela se espalha. Então, como outro resultado, em Jerusalém, se multiplicava

0 número dos discípulos; e (um desenvolvimento notável) também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé (v. 7b). Os dois verbos "crescia"

e "m u ltip licav a" estão no tempo im perfeito, indicando que o crescimento da palavra e a multiplicação da igreja eram contínuos. Este versículo é o primeiro de seis sumários sobre crescimento, que entremeiam a narrativa de Lucas. Eles aparecem em pontos cruciais da história: após a decisão dos apóstolos de se dedicarem à oração e à pregação (6:7);40 após a dramática conversão de Saulo de Tarso (9:31); depois da igualmente maravilhosa conversão do primeiro gentio, Comélio, seguido pela queda de Herodes Agripa 1 (12:24); após a primeira viagem missionária de Paulo e o Concüio de Jeru salém (16:5); após a segunda e a terceira viagem missionária (19:20); e no fim de livro, após a chegada de Paulo a Roma, onde pregou com "intrepidez e sem impedimento" (28:30­ 31). Em cada um desses versículos, lemos que a palavra estava se espalh and o e /o u que a igreja estava crescendo. Deus estava

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agindo e nem hom ens nem demônios conseguiam fechar-lhe o caminho.

A cabam os de ver as três táticas que o diabo usou em sua estratégia para destruir a igreja. Primeiro, ele tentou suprimi-la pela força das autoridades judaicas; segundo, tentou corrompê-la com a hipocrisia, através do casal Ananias e Safira; e, terceiro, tentou distrair seus líderes da oração e da pregação através de algumas viúvas murmuradoras, para expor a igreja a erros e ao m al. Se ele tivesse obtido sucesso em qu alquer um a d essas tentativas, a nova comunidade de Jesus teria sido aniquilada em sua infância. Mas os apóstolos estavam alertas o suficiente para detectar "as ciladas do diabo".41 Precisamos desse discernimento espiritual hoje, para reconhecer a atividade do Espírito Santo e a do espírito maligno (cf. 5:3). Precisamos também da fé que eles tinham no poderoso nome de Jesus, pois os poderes das trevas só podem ser vencidos através dessa autoridade.42

Notas: 1. Calvino, l,p. 130. 2. Josefo, Antiguidades,XV.10.4. 3. E.g. Lc 4:18; 6:20; 7:22. 4. Bengel, p. 556. 5. Bruce, English,p.110. 6. Js 7:1. 7. Tt2:10.

8. W. L. Knox, citado por Haenchen, p. 237. 9. E.g. Lc 6:42; 12:1,56; 13:15. 10. Cf. ekklesiaem 7:38 e na LXX, e.g. Js 8:35. 11. 1 Jo 1:7. 12. E.g. 1 Co 11:22,30. 13. E.g. 1 Co 5:5; 1 Tm 1:20. 14. M t 18:15ss. 15. Longenecker, Acts,p. 316. 16. N eil, p. 95. 17. Haenchen, p. 244. 18. Lc 1:35; 9: 34. 19. N eil, pp. 96,97. 20. M t 27:25. 21. E.g. Rm 13:lss.; Tt 3:1; 1 Pe 2:13ss. 22. Cf. Jo 15:26. 23. Josefo, Antiguidades,XX.5.1.

24. Josefo, Guerras,II.8.1; cf. Antiguidades,X VIII.1.1. 25. K now ling, p. 158.

27. A ntiguidades, X V II.10.4; cf. Guerras, II.4.1. 28. Alexander, I, p. 239.

29. Mt 5:10-12; Lc 6:22-23.

30. Tertuliano, Apologia, capítulo 50. 31. E.g. Êx 16:7; Nm 14:27; 1 Co 10:10. 32. E.g. Fp 2:14; I P e 4:9.

33. E.g. Êx 22:22ss.; Dt 10:18. 34. Cf. 1 Tm 5:3-16.

35. 2 Co 11:22; Fp 3:5.

36. A cts, p. 323. Dr. Longenecker apresenta uma profunda discussão das opções às pp. 326-329. 37. E.g. G1 3:28; Ef2:14ss.; Cl 3:11. 38. Cf. Rm 16:1; Fp 1:1; 1 Tm 3:8,12; 4:6. 39. Lenski, p. 246. 40. Cf. At. 2:47; 4:4; 5:14; 6:1. 41. E f 6:11. 42. Cf. A t 3:6,16; 4 :7 ,1 0 ,1 2 ,1 8 .

B .O s Fundam entos Para

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