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O Sinédrio intensifica sua oposição (5:17-42)

No documento A Mensagem de Atos - John-Stott (páginas 125-132)

O m inistério de cura dos apóstolos provocou o segundo ataque por parte das autoridades, da mesma forma que a cura do coxo havia provocado o primeiro. Irados pelo fracasso de sua primeira investida contra os apóstolos e perplexos ao verem que haviam menosprezado a proibição e as ameaças do tribunal, por inveja(v. 17) por causa do poder e da popularidade deles, o sumo sacerdote

e todos os que estavam com ele, isto é, a seita dos saduceus resolveram

agir novamente.

a. A prisão (vs. 18-25)

Prenderam os apóstolos e os recolheram à prisão pública. 19Mas de noite um anjo do Senhor abriu as portas do cárcere e, conduzindo-os para fora,

lhes disse: 20Ide e, apresentando-vos no templo, dizei ao povo todas as palavras desta Vida.

21Tendo ouvido isto, logo ao romper do dia, entraram no templo e ensinavam.

C hegando, porém , o sum o sacerdote e os que com ele estavam , convocaram o Sinédrio e todo o senado dos filhos de Israel, e mandaram buscá-los no cárcere. 22Mas os guardas, indo, não os acharam no cárcere; e, tendo voltado, relataram, 23dizendo: Achamos o cárcere fechado com toda a segurança e as sentinelas nos seus postos junto às portas; mas, abrindo-as, a ninguém encontramos dentro. 24Quando o capitão do templo e os principais sacerdotes ouviram estas informações, ficaram perplexos a respeito deles e do que viria a ser isto.

25Nesse ínterim, alguém chegou e lhes comunicou: Eis que os homens que recolhestes no cárcere, estão no templo, ensinando o povo.

Dessa v ez, eles não só prenderam Pedro e João, mas os apóstolos, a m aioria deles, se não todos (veja v. 29) e os recolheram à prisão

pública (v. 18). Mas, de noite, eles foram soltos por um anjo do Senhor.

W illiam Neil especula que este era simplesmente um "carcereiro sim pático" ou "um sim patizante secreto da guarda" que m ais tarde veio a ser visto com o um "anjo d isfarçad o".19 M as não podem os desmistificar o que Lucas evidentemente quer que seus leitores entendam, ou seja, que se tratava de um visitante celestial, o qu al não som ente abriu as portas do cárcere e con d u ziu os ap óstolos para fora (v. 19), m as tam bém os in stru iu a se apresentarem no tem plo, proclam ando publicam ente todas as

palavras desta Vida (v. 20). Logo ao romper do dia, entraram no templo e ensinavam (v. 21a). Vemos que eles desobedeceram ao Sinédrio,

que lhes havia ordenado que não falassem no nome de Jesus (4:17), para obedecer ao anjo, que lhes ordenara que falassem palavras da Vida.

Enquanto isso, o Sinédrio, que Lucas descreve com o todo o

senado dos filhos de Israel, foi convocado (v. 21). E foram humilhados

quando, tendo mandado buscar os apóstolos, descobriram que já não estavam no cárcere onde os haviam colocado, apesar de este ter e s ta d o fechado com toda a segurança e as sentinelas nos seus postos

jun tos às portas (vs. 22-24). Pelo contrário, estavam no tem plo, ensinando o povo (v. 25), fazendo exatamente o que lhes haviam

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b. O julgamento (vs. 26-39)

Nisto, indo o capitão e os guardas, os trouxeram sem violência, porque temiam ser apedrejados pelo povo.

27Trouxeram-nos, apresentando-os ao Sinédrio. E o sumo sacerdote in terrogou -os, 28dizendo: E xpressam en te vos orden am os que não ensinásseis nesse nome, contudo enchestes Jerusalém de vossa doutrina; e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem.

29Então Pedro e os dem ais apóstolos afirm aram : A n tes im porta obedecer a Deus do que aos homens. 30O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. 31Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependim ento e a rem issão dos pecados. 32Ora, nós som os testem unhas destes fa to s, e bem assim o E spírito Santo, que D eus outorgou aos que lhe obedecem.

33Eles, porém, ouvindo, se enfureceram e queriam matá-los. 34M as, levantando-se no Sinédrio um fariseu, chamado Gamaliel, mestre da lei, acatado por todo o povo, mandou retirar os homens, por um pouco, 35e lhes disse: Israelitas, atentai bem no que ides fazer a estes homens. 36Porque antes destes dias se levantou Teudas, insinuando ser ele alguma coisa, ao qual se agregaram cerca de quatrocentos homens; mas ele fo i morto, e todos quantos lhe prestavam obediência se dispersaram e deram em nada. 37Depois desse, levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou m uitos consigo; também este pereceu , e todos quantos lhe obedeciam foram dispersos.38Agora vos digo: Dai de mão a estes homens, deixai-os; porque se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; 39m as, se é de Deus, não podereis destru í-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus. E concordaram com ele.

O capitão do templo e os seus guardas prenderam novamente os apóstolos, porém sem violência porque temiam ser apedrejados pelo

povo (v. 26). Trouxeram-nos, apresentando-os ao Sinédrio pela segunda

vez, para que fossem interrogados (v. 27). A maneira como o sumo sacerdote se dirigiu a eles era, na verdade, uma admissão de que o tribunal não tinha nenhum poder diante do propósito de Deus. Pois o Sinédrio havia condenado e crucificado Jesus, ordenado aos apóstolos expressamente, para que não ensinassem nesse nome (nome que ainda preferiram não pronunciar), e os havia prendido no cárcere. Todo o poder e autoridade pareciam estar claramente do lado deles. Ainda assim, desacatando o tribunal e desafiando a sua autoridade, os apóstolos foram bem sucedidos, enchendo Jerusalém

com seu ensino, e (na opinião do tribunal) estavam determinados a lançar sobre eles a culpa pelo sangue daquele homem (v. 28), que, h av ia algum tem po (com o pareciam ter esqu ecid o), tinham instigado o povo a clamar que caísse sobre eles e seus próprios filhos.20

A resposta dos apóstolos assum iu a form a de um pequeno serm ão, pois eles ainda não estavam preocu p ad os em se defenderem , m as em exaltar o nom e de Cristo. A ntes im porta

obedecer a Deus do que aos homens! disseram eles (v. 29), e, fazendo

isso , criaram o princípio da d esobed iência civil e eclesiástica.Vamos esclarecer que os cristãos são chamados para serem cidadãos conscientes e, em term os gerais, devem se submeter à autoridade humana.21 Mas, se a autoridade em questão em prega erroneam en te o poder que Deus lhe con ced eu , ordenando o que ele proíbe e proibindo o que ele ordena, o dever dos cristãos é desobedecer a autoridade humana a fim de obedecer a Deus.

Tendo afirmado que a responsabilidade primordial deles era obedecer a Deus, os apóstolos enfatizaram três verdades a seu respeito. Em primeiro lugar, o Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem os líderes judeus mataram, pendurando-o num madeiro (v. 30). Eis aqu i o con traste fam iliar: vocês o m ataram , m as D eus o ressuscitou; vocês o rejeitaram, mas Deus o vindicou. Em segundo lu gar, D eus, com a sua destra, o exaltou a P rín cipe (arc h eg o s, novamente, como em 3:15) e Salvador, de modo que, dessa posição suprem a de honra e poder, ele é capaz de con ceder a Israel o

arrependimento e a remissão de pecados (que são, ambos, dádivas de

Deus) (v. 31). E mais, os apóstolos eram testemunhas da m orte e ressurreição de Jesus, não apenas testem unhas oculares, m as tam bém testem unhas verbais, pois eles foram cham ados para testem u n h ar daquilo que haviam visto. M as a p rin cip al testemunha de Jesus Cristo é o Espírito Santo,22 que Deus outorgou

aos que lhe obedecem (v. 32). Essa é a terceira afirm ação dos

apóstolos sobre Deus. Ele ressuscitou Jesus dentre os m ortos, o exalto u com o Salvador e deu o Espírito Santo ao seu povo obed ien te. A ssim , o serm ão com eçou e term inou com um a referência à obediência a Deus. O povo de Deus tem a obrigação de obedecer-lhe e se o fizerem, ainda que sofram quando têm de d esobed ecer a autoridades hum anas, serão reco m p en sad o s ricamente através do ministério do Espírito Santo.

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conselho se enfureceram ("ficaram com raiva", BLH), e, não fosse a in terven ção diplom ática de G am aliel, p rovavelm ente teriam cum prido seu desejo de matá-los (v. 33). Gam aliel era fariseu e, como tal, possuía um espírito mais tolerante do que o seu partido riv al, os saduceus. N eto e seguidor de H illel, fam oso rabino lib era l, foi-lh e concedido o título h on orífico e carin h o so de "rabban", "nosso mestre", e Saulo de Tarso foi um dos seus alunos (22:3). Ele possuía uma boa reputação por causa de sua erudição, sab ed o ria e m od eração, e era acatado por todo o povo. O seu comportamento nesta ocasião foi completamente coerente com a sua imagem pública. Ele se levantou e ordenou que os apóstolos fossem retirados, por um pouco, para que o Sinédrio pudesse debater em sessão particular (v. 34). Então, começou a refrear-lhes a ira, recomendando cuidado (v. 35), tendo em vista certos precedentes históricos. Ele citou dois exemplos: Teudas e Judas, o galileu.

O relato de G am aliel sobre as carreiras dos d ois é breve. Quando Teudas se levantou, insinuando ser alguma coisa, a ele se

agregaram cerca de quatrocentos homens. Mas ele mesmo fo i morto e todos quantos lhe prestavam obediên cia se dispersaram , e seu

movimento deu em nada (v. 36). Em seguida, surgiu judas, o galileu,

nos dias do recen seam ento (sem pre um evento in flam ató rio , a

taxação, um sím bolo do reinado rom ano), e "consegu iu levar m uita gente com ele" (BLH). Mas ele também pereceu, "e todos quantos lhe obedeciam foram dispersos" (v. 37). Assim, Gamaliel esboçou am bas as histórias paralelam ente. Os dois líderes se

levantaram, lançaram apelos e ganharam seguidores. Mas, então,

cada um fo i morto, e todos os seus seguidores foram dispersos, e seus movim entos desapareceram.

Os comentaristas compreensivelmente têm consultado Josefo para confirm ar e estudar m elhor essas revoltas, encontrando referências a dois rebeldes com os mesmos nomes. Segundo ele, quando Fado era procurador da Judéia, havia "um certo m ágico" cham ado Teudas que convenceu m uitos a "seg u i-lo até o rio Jordão, pois lhes falou que era profeta e que dividiria o rio com um a o rd em ". M as ele foi capturado e d ecap itad o.23 E Josefo tam bém descreve "certo galileu" chamado Judas, que incentivou seus con terrâneos a se revoltarem , d izen do-lh es que seriam "co v ard es se continuassem pagando im postos aos rom anos", subm etendo-se assim a "hom ens mortais como seus senhores", quando só se deveria pagar tributo a Deus.24 Ele foi o precursor dos zelotes.

Até agora, então, existem certas semelhanças entre Gamaliel e Jo sefo . O problem a surge quando v erificam os as datas. O recenseamento contra o qual Judas se revoltou foi introduzido por Quirino, quando este veio de Roma para a Judéia, mais ou menos em 6 d.C. O Teudas de Josefo, porém, não se rebelou antes de Judas (como Lucas registra como palavras de Gamaliel, vs. 36-37) mas, sim, durante o tempo em que Fado era procurador (44-46 d.C.), o que aconteceu cerca de quarenta anos depois dele, e, de fato, mais ou menos uma década após Gamaliel ter falado!

A reação que teremos frente a essa divergência dependerá de nossas pressuposições básicas. Os comentaristas liberais concluem rapidamente que Lucas cometeu um anacronismo desencadeador de um erro ainda m aior, o qual, fatalmente, deve abalar nossa confiança nele como historiador fidedigno. Os conservadores, por outro lado, chegam à conclusão oposta: "Não podemos pressupor que Lucas pode ter cometido o erro grosseiro atribuído a ele, haja vista sua costumeira exatidão".25 Se houve algum equívoco, é bem mais provável que tenha sido cometido por Josefo (o qual estava "m uito longe de ser um historiador infalível"26) do que Lucas. Uma explicação alternativa melhor é que Josefo e Lucas estavam se referindo a dois Teudas diferentes. As histórias que os dois con tam d ivergem (Josefo não m enciona os qu atro cen tos seguidores nem , tam pouco, Lucas diz que ele os levou ao rio Jord ão). As únicas sem elhanças são que am bos os hom ens chamavam-se Teudas e lideraram uma revolta que foi aniquilada. Mas Josefo nos conta que após a morte de H erodes, o Grande, "h ou v e outras dez m il desordens na Ju déia que foram com o tumultos",27 e Teudas não era um nome incomum. Assim, talvez nem Lucas nem Josefo tinham cometido um equívoco, e Gamaliel tenha se referido a um Teudas que Josefo não m enciona, que liderou uma revolta cerca de 4 a.C., e que foi, de fato, seguido, entre outros, por Judas, o galileu, em 6 d.C.

Em todo o caso, Gam aliel tirou uma lição dos fracassos de am bas as revoltas, ju stificand o a p olítica do laissez-faire. Seu conselho ao Sinédrio é relatado nos versículos 38 e 39: Dai de mão

a estes homens, deixai-os; porque se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas, se é de Deus, m o podereis destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus. Não devemos nos

precipitar em conceder a Gamaliel o crédito de ter pronunciado um princípio absoluto. É verdade que, afinal de contas, o que vem de Deus triunfará, e o que é meramente humano (e quanto mais

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diabólico) perecerá. Todavia, a curto prazo, planos m alignos às vezes obtêm sucesso, enquanto que bons planos, concebidos de acordo com a vontade de Deus às vezes fracassam . Por isso, o conselho de Gamaliel não é princípio confiável para se verificar se algo vem ou não de Deus.

c. A conclusão (vs. 40-42)

O C on selh o , porém , aceitou o raciocín io de G am aliel. E

concordaram com ele (v.39). Chamando os apóstolos, eles prim eiro açoitaram-nos (provavelmente com os terríveis "quarenta açoites

menos um ") e, ordenando-lhes (pela segunda vez) que não falassem

em o nome de Jesus, os soltaram (v. 40).

A reação dos apóstolos desperta nossa adm iração. E les se

retiraram do Sinédrio, com as costas bru talm ente lacerad as e

san g ran d o , m as, ainda assim , regozijan do-se por terem sido

con siderados dignos de sofrer afrontas por esse N om e (v. 41). A

exp ressão de Lucas é um a "lin d a an títese (a h on ra de ser desonrado, a graça de ser desgraçado)".28 Eles, de fato, estavam fazendo o que, no Sermão do Monte, Jesus lhes havia ordenado que fizessem: isto é, estavam contentes na perseguição.29 E, muito m ais, co rajosam en te p assaram m ais um a vez p or cim a da p ro ib ição do tribu n al, pois todos os dias, em p ú blico e em particular, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar, e de

pregar Jesus, o Cristo (v. 42).

Lucas conclui assim o seu relato das duas ondas de perseguição que caíram sobre a igreja recém-nascida. Na primeira, o conselho prom ulgou uma proibição e uma ameaça, que levou os apóstolos a p ed irem ao D eus soberano intrepidez para con tin u arem pregando; na segunda, eles receberam proibição e açoites que os levou a adorar a Deus pela honra de sofrer por Cristo.

O diabo nunca desistiu da tentativa de destruir a igreja pela força. Sob Nero (54-68 d.C.), os cristãos foram presos e executados, incluindo provavelmente Pedro e Paulo. Domiciano (81-96 d.C.) oprim iu os cristãos que se recusaram a lhe p restar as honras divinas exigidas; sob seu mandado, João foi exilado na ilha de Patmos. Marco Aurélio (161-180 d.C.), crendo que o cristianismo era perigoso e imoral, fechou os olhos a sérias explosões locais de v io lên cia popu lar. Então, no século III, o que h av ia sido esp orád ico tornou -se sistem ático. Sob D écio (249-251 d .C .), m orreram m ilhares, incluindo Fabiano, bispo de Rom a, que se

recu sou a oferecer sacrifício ao nom e im perial. O últim o im p erad or que persegu iu os cristãos antes da con versão de Constantino foi Diocleciano (284-305 d.C.). Ele promulgou quatro decretos que pretendiam acabar com o cristianismo de uma vez por todas. Ele ordenou que as igrejas fossem queimadas, que as Escrituras fossem confiscadas, que os clérigos fossem torturados e que confiscassem a cidadania dos servos civis cristãos e, se obstinados, não se arrependessem, que fossem executados. Ainda h oje, esp ecialm en te em alguns países m arxistas, h ind u s e m u çu lm an os, m uitas vezes a igreja é p ersegu id a. M as não precisam os recear que ela não sobreviva. Tertuliano, falando às au torid ad es do Im pério Rom ano, exclam ou: "M atem -n o s, torturem -nos, condenem -nos, façam de nós pó ... Quanto mais vocês nos oprimirem, tanto mais cresceremos; a semente é o sangue

dos cristãos" .30 O u, com o disse o bispo Festo K iv engere, em

fev ereiro de 1979, no segundo aniversário do m artírio do arcebispo Janani Luwum da Uganda: "Sem sangue, a igreja não consegue abençoar". A perseguição refina a igreja, m as não a d estrói. Se a p ersegu ição levar à adoração e à oração, ao reconhecim ento da soberania de Deus e da solidariedade com Cristo em seus sofrimentos, então — por mais dolorosa que seja — ela pode até ser bem-vinda.

No documento A Mensagem de Atos - John-Stott (páginas 125-132)