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Filipe, o evangelista, e o líder etíope (8:26-40)

No documento A Mensagem de Atos - John-Stott (páginas 177-185)

B O s Fundam entos Para A M issão M undial

3. Filipe, o evangelista, e o líder etíope (8:26-40)

Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para a banda do sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou efoi. 27Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém, 28estava de volta, e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías. 29Então disse o Espírito a Filipe: Aproxima- te desse carro, e acompanha-o.

30C orrendo F ilipe, ouviu-o ler o profeta Isaías, e pergu ntou: Compreendes o que vens lendo?

31Ele respondeu: Como poderei entender, se alguém não me explicar? E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele.

32Ora, a passagem da Escritura que estava lendo era esta:

Foi levado como ovelha ao matadouro; e como um cordeiro, mudo perante o seu tosquiador, assim ele não abre a sua boca. 33Na sua humilhação lhe negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração ? Porque da terra a sua vida é tirada.

34Então o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro? 3SEntão Filipe explicou; e, começando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus.

Logo depois que Pedro e João partiram da cidade de Sam aria, Filipe recebeu outro encargo evangelístico. Foi-lhe ordenado que fosse "para a banda do sul". A pessoa que lhe deu essa ordem é cham ada de um anjo do Senhor, apesar d e , em m om en tos posteriores, nesse mesmo episódio, ser o "Espírito do Senhor" quem o conduz até o etíope (v. 29) e quem o tira de lá (v. 39). Filipe foi enviado ao caminho (de cerca de cem quilômetros) que desce de

Jerusalém a Gaza, que, dentre as cinco cidades dos filisteus era a que

ficava mais ao sul, perto da costa mediterrânea- Não sabemos se a Gaza em questão era a "antiga Gaza", destruída em 93 a.C. ou a "nova G aza" construída ainda mais ao sul, uns trinta e cinco anos depois. Em todo o caso, a estrada era muito usada, pois, passando por Gaza, seguia até o Egito e, portanto, até o continente africano.

a. Filipe encontra o etíope (vs. 27-29)

A "Etiópia" daqueles dias correspondia ao que chamamos hoje de "N ilo Superior", indo aproximadamente de Assuã a Cartum. O hom em daquela região que Lucas nos apresenta não era apenas um eunuco (como a maioria dos que trabalhavain na corte naquela época) m as alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era

superintendente de todo o seu tesouro (v. 27). Sabe-se que "Candace"

não era um nome pessoal e, sim, um título dinástico da rainha- mãe que exercia certas funções em nome do rei- O oficial etíope a

quem Filipe foi enviado era tesoureiro ou ministro das finanças, provavelmente um negro africano. Mas viera adorar em Jerusalém, como um peregrino em uma das festas anuaiS/ e agora estava de

volta, e, assentado no seu carro, vinha lendo u m rolo do profeta Isaías (v. 28). Isso pode sign ificar que ele era de fato ju d eu por n ascim en to ou conversão, pois a dispersão ju d aica tinha alcançado pelo menos o Egito e, provavelmente, além. Talvez a promessa aos eunucos descrita em Isaías 56:3-4 já tivesse vencido a maldição de Deuteronômio 23:1. É pouco provável que ele fosse gentio, já que Lucas não o apresenta como o primeiro convertido gentio; essa d istin ção é reservada para C ornélio. Ele vê a

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conversão do etíope mais como outro exem plo da diluição dos laços com Jerusalém (prevista por Estêvão em sua defesa) e da libertação da palavra de Deus para ser o evangelho do mundo. É especialmente significativo que esse africano, que viera adorar em

Jeru salém , agora a estava deixando e p rov av elm en te nunca

retorn aria. Ao term inar a h istória, Lucas afirm a que ele "fo i seguindo o seu caminho; cheio de júbilo" (v. 39), afastando-se de Jerusalém, mas em companhia de Cristo.

b. Filipe compartilha as boas novas com o etíope (vs. 30-35)

Atendendo à ordem: Aproxima-te desse carro, e acompanha-o (v. 29), Filipe corre a seu lado, perto o suficiente para ouvir o hom em ler

o profeta Isaías (pois todos liam em voz alta naquela época), e perto

o suficiente para perguntar: Compreendes o que vens lendo? (v. 30). R esp on d en d o que não p oderia en tend er se algu ém não lhe explicasse, convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele, em sua carruagem (v. 31).

C alvino ressalta a m odéstia do etíope, que "reco n h ece sua ignorância livre e abertamente", contrastando-o com uma pessoa "cheia de confiança em suas próprias capacidades". Ele continua: "É por isso que a leitura das Escrituras frutifica em tão poucas pessoas hoje, porque m al se pode encontrar um em cem que alegremente se submeta ao ensino."37 A verdade é que Deus nos concedeu duas dádivas: as Escrituras e os mestres (para abrirem, exp o rem e ap licarem as Escritu ras). E m aravilhoso v er a providência de Deus na vida do etíope, primeiro, permitindo-lhe obter uma cópia do rolo de Isaías e, depois, enviando-lhe Filipe para erisiná-lo a respeito. Como escreve H ow ard M arshall, "o modo como a história é narrada tem certas semelhanças, quanto à estrutura, com outra história na qual um Estranho acompanhou dois viajantes e abriu perante eles as Escrituras, participou de um ato sacramental, e depois desapareceu de vista (Lc 24:13-35)." 38

Im aginem os, portanto, o etíope com o rolo de Isaías 53 aberto sobre o colo, agora com Filipe sentado ao seu lado, enquanto a carruagem segue seu caminho aos solavancos, em direção ao sul. Os versículos que Lucas cita39 falam de um homem sofredor que

fo i levado como ovelha ao matadouro e ficou mudo como um cordeiro... perante o seu tosquiador. Ele experim enta profunda humilhação, negam -lhe justiça, e é m orto (vs. 32-33). O etíope pergunta se o

começando por esta passagem da Escritura, Filipe anunciou-lhe a Jesus

(v. 35). Não há nenhum a evidência de que alguém dentro do judaísm o do prim eiro século estivesse esperando um M essias sofredor, em vez de um Messias triunfante. Não, foi Jesus mesmo que aplicou Isaías 53 a si e entendeu sua m orte à luz dessa p assag em.40 Foi dele, portanto, que os cristãos p rim itivos aprenderam a ler Isaías 53 dessa forma. O coração do etíope estava tão bem preparado pelo Espírito Santo que ele parece ter crido imediatamente, pedindo que fosse batizado.

Crisóstomo contrasta a conversão do etíope com a de Saulo de Tarso, relatada em Atos 9. Diz ele: "V erdadeiram ente, tem os motivos para admirar esse eunuco." Pois, diferente de Saulo, ele não teve nenhuma visão sobrenatural de Cristo, mas creu. "Como é maravilhosa a leitura cuidadosa das Escrituras!"41

c. Filipe batiza o etíope (vs. 36-39a)

Seguindo eles caminho fora, chegando a certo lugar onde havia água,

provavelmente um rio intermitente ao longo da estrada, o etíope disse: Eis aqui água, que impede que seja eu batizado? (v. 36). O v ersícu lo segu inte (v. 37) é um acréscim o ocid en tal, não encontrado em manuscritos mais antigos: "Filipe respondeu: E lícito, se crês de todo o coração. E respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus". As duas frases parecem ter pertencido a uma liturgia primitiva do batismo. Provavelmente foram inseridas no texto por um escriba que não tinha dúvida de que Filipe, antes de batizar o etíope, se assegurou de que este cria de coração, ao contrário de Simão, o mágico, cujo coração não era "reto diante de Deus" (v. 21). De qualquer forma, o etíope mandou

parar o carro, ambos desceram à água, e Filipe batizou o eunuco (v. 38).

A água era um sinal visível da purificação dos seus pecados e do batism o com o Espírito. A propósito, as palavras "desceram à água", como comenta J. A. Alexander, "não afirmam nada sobre sua exten são ou p ro fu n d id ad e".42 Pode estar im p lícita um a imersão total, mas, nesse caso, o batizador e o batizando seriam submersos juntos, pois a afirmação se refere aos dois. Por isso a expressão deve significar, como sugerem as primeiras pinturas, que eles en traram na água até a cintura, e que Filip e então derramou água sobre o etíope.43 Vários manuscritos acrescentam que "o Espírito Santo veio sobre o eunuco", e alguns eruditos aceitam essas palavras como autênticas. Mas parece mais provável

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que elas tenham sido acrescentadas especificamente para "tom ar explícito o fato de que o batismo do etíope foi seguido pelo dom do Espírito Santo".44

d. Filipe é retirado da presença do etíope (vs. 390-40)

Lucas dá a entender que imediatamente depois de saírem da água,

o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe (v. 39) e ele veio a achar-se em Azoto (v. 40a). Alguns entendem essa viagem como um "passeio

supersônico",45 que se deu "num a velocidade m ilagrosa".46 De fato, o verbo grego para "arreb a ta r" (harpazo) n orm alm en te significa "agarrar" ou "apoderar-se" como num rapto.47 Mas eu creio que a opinião de Campbell Morgan seja a correta: "D e forma nenhum a é necessário que isso seja considerado um m ilagre. Nunca tento ver milagres onde não há, assim como nunca tento cancelar um milagre que está lá."48 Seja como for, o eunuco não o

viu mais, porém continuou a sua viagem cheio de alegria (v. 39b, BLH),

sem o evangelista, mas com o evangelho, sem a ajuda hum ana, m as com o E sp írito divino que não só lhe deu aleg ria, m as também, de acordo com Irineu, deu-lhe coragem e poder em seu país natal "para pregar aquilo em que ele mesmo crera".49 Filipe tam bém continuou a evangelizar; subindo para o norte pelo litoral, evangelizava todas as cidades até chegar a Cesaréia (v. 40b), onde, mais tarde (se não agora), fixou residência (2 1:8).

4. Algumas lições sobre evangelização

Lucas reuniu aqui dois exemplos do trabalho evangelístico de Filipe, e é instrutivo compará-los e contrastá-los. As semelhanças são claras. Em am bos os casos o m esm o espírito pioneiro foi apresentado por Filipe, que ganhou os primeiros samaritanos e o p rim eiro african o para Cristo. A am bos os p ú blico s foi apresentada a mesma mensagem, ou seja, as boas novas de Jesus Cristo (vs. 12,35), pois existe apenas um evangelho. Em ambas as situações houve a m esm a resposta, pois os ouvintes creram e foram batizados (vs. 12,36-38). E em ambos os casos é registrado o m esmo resultado, a alegria (vs. 8,39).

As d iferen ças tam bém são surpreen d en tes. N ão estou p en san d o na m aneira com o o E spírito foi recebid o ou na delegação apostólica enviada a Samaria, que não teve equivalente na con versão do etíope. Estou pensando m ais nas p essoas

evangelizadas e nos métodos empregados.

Analisem os as pessoas que foram evangelizadas. As pessoas com quem Filipe compartilhou as boas novas eram diferentes em raça, posição e religião. Os samaritanos eram de uma raça mista, meio-judeus, meio-gentios, e asiáticos, enquanto que o etíope era um n egro african o, em bora, provavelm ente fosse ju d eu por nascim ento ou um prosélito. Quanto ã posição, os samaritanos certamente eram cidadãos comuns, enquanto que o etíope era um funcionário público distinto, a serviço da coroa. Isso nos leva à religião. Os samaritanos reverenciavam Moisés, mas rejeitavam os p rofetas. R ecentem ente haviam sido ilud id os por Sim ão, o feiticeiro, e seus poderes ocultos. Eles davam ouvidos a ele (v. 10) antes de ouvirem a Filipe (v. 6). O etíope, por outro lado, tinha uma forte ligação com o judaísmo, talvez como convertido, e isso o levou a p eregrin ar para Jeru salém e a ler um dos profetas rejeitados pelos sam aritanos. Os sam aritanos eram instáveis e crédulos, enquanto que o etíope buscava sinceramente a verdade. Ainda assim, apesar das diferenças de origem racial, classe social e condição religiosa, Filipe apresentou a ambos as mesmas boas novas de Jesus.

Considerem os agora os métodos empregados por Filipe. Sua m issão aos sam aritanos foi um exem plo p recoce de "evangelização em m assa", pois "as m ultidões" ouviram sua mensagem, viram seus sinais, deram-lhe atenção, creram e foram batizadas (vs. 6,12). A conversa de Filipe com o etíope, porém, foi um exemplo de "evangelização pessoal", pois aqui era um homem sentado ao lado de outro, falando em particular e com paciência sobre Jesus, a partir das Escrituras. E notável, tam bém , que o m esm o evangelista fosse m aleável o suficiente para em pregar ambos os métodos, ou seja, a proclamação pública e o testemunho particular. Mas, apesar de alterar seu método, ele não alterou sua mensagem bíblica.

É essa com binação de mudança (em relação aos contextos e m étod os) e im u tabilid ad e (em relação ao evangelho em si), juntamente com a capacidade de discernir esses dois elementos, que constitui um dos valiosos legados de Filipe à igreja.

Notas:

1. Hengel, p. 80. 2. Barclay, p. 64.

ATOS 8:1-40 3. Neil, p. 119; diaspríroé a palavra traduzida por "dispersos" nos versículos

1 e 4.

4. G reen, Evangelism,p. 180; cf. p. 208. 5. Bengel, p. 585.

6. Jo 4:9.

7. E.g. Lc 9:52-56; 10:30-37; 17:11-19; cf. Jo 4. A proibição de Jesus quanto à evangelização em qualquer cidade samaritana (Mt 10:5) restringia-se ao período de seu ministério público, e estava agora suspensa.

8. Cf. Jo 4:25. 9. H aenchen, p. 303.

10. Justino M ártir, Apologia,I. 26.

11. Irineu, Contra Heresias,1.23.1-5. Para um sumário completo das tradições e lendas posteriores sobre Simão, o mágico, veja nota de R. P. Casey em

BC,V, pp. 151-163. 12. Calvino, I, p. 233. 13. A lexander, I, p. 329. 14. Cf. Tg 2:19. 15. Lc 9:51-56. 16. M arshall, Atos,p. 152. 17. Bruce, English,p. 183. 18. Veja M etzger, pp. 358-359.

19. Cipriano, Cartas,73.9; de Early Latin Theology,traduzido e editado por S. L. G reenslade, vol. V da Library of Christian Classics (SCM, 1956). 20. The Teaching o f the Catholic Church,de George D. Smith (Burns and Oates,

segunda edição, 1953), p. 816.

21. Fundamentals o f Catholic Dogma,de Ludw ig O tt (M ercier Press, sexta edição, 1963), p. 362.

22. R ackham ,p. 117.

23. Knowing the Doctrines o f the Bible,de Myer Pearlm an (Gospel Publishing H ouse, Springfield, Missouri, edição revisada, 1981), p. 313.

24. M organ, p. 157.

25. Dunn, Baptism,pp. 63-68.

26. Calvino, I, p. 236. Semelhantemente, B. B. W arfield escreveu que aquilo que os sam aritanos receberam através do m inistério de Pedro e João foram "os dons extraordinários do Espírito" (Miracles Yesterday and Today

[1918; Eerdm ans, 1965], p. 22). 27. Rm 8:9; cf. Rm 8:14-16; 1 Co 6:19; G13:2,14; 4:6. 28. A lexander, I, p. 332. 29. Dunn, Baptism,p. 58. 30. Ibid.,p- 59. 31. Calvino, I, p. 225. 32. Ibid., p. 235.

33. The Seal o f the Spirit,de G. W . H. Lam pe (SPC K , segu n d a ed ição , 1967), p .70.

34. Ibid,pp. 69-70.

35. Keep in Step with the Spirit,de J. I. Packer (IVP, 1984), p. 204. 36. Green, I Believe in the Holy Spirit,p. 168.

37. Calvino, I, p. 247. 38. M arshall, Atos, p. 156. 39. Is 53:7-8.

40. E.g. Mc 10:45; 14:24:ss.; Lc 22:37. 41. Crisóstomo, Hom ilia XIX, p. 126. 42. Alexander, I, p. 350. 43. Veja Hanson, pp. 107, 111. 44. M etzger, pp. 360-361. 45. Horton, p. 112. 46. Bengel, p. 592. 47. 1 T s4:17. 48. M organ, p. 171.

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