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A importância do espaço de escuta docente e o significado da atividade grupal

No documento EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 176-185)

As dimensões ético-políticas, teóricas e epistemológicas do proces- so educativo, que provocam tensões e contradições, têm se efetivado

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na formação e profissionalização docente, atreladas às contradições sociais. Para Charlot (1992), o docente tem sofrido os efeitos de con- tradição radical da sociedade capitalista contemporânea, em razão dos padrões de qualidade, competitividade, concorrência, criticidade e autonomia. Como analisa Charlot (1992, p. 19): “[...] até as práticas pedagógicas, cuja eficácia parecia comprovada pela tradição, são ques- tionadas e criticadas; começa a ser desprezado o professor tradicional”.

Segundo Líbâneo (1998), a diversidade de papéis sociais assumidos, as precárias condições de trabalho, a dificuldade de manter relações pessoais saudáveis em ambientes educativos, muitas vezes hostis, geram, entre outros fatores, mal-estar docente e desmotivação. Para isso, a formação docente inicial e continuada precisa ser condizente com as tantas diversidades pessoais.

Segundo Freire (1996), o significado atribuído por quem desem- penha a ação é necessário à multiplicidade de situações encontradas no dia a dia da sala de aula, construídas pelos saberes do ser, do co- nhecer e do ensinar. Já para Tardif (2002), a experiência vivida é a base das ações pedagógicas do professor. Deve ser um líder disposto a reconhecer e a compartilhar incertezas e erros próprios, no sentido de conhecer-se, em busca do autoconhecimento.

Conforme Martín-Baró (1989), o sentimento é que contribui para que um grupo de pessoas vivencie e atue como grupo, possibi- litando a sua identificação. “Esse poder de um grupo, o autor coloca que como aquele diferencial favorável de recursos que se estabelece quando se relaciona com outros grupos em função de alguns objetivos, e que permite fazer avançar seus interesses na convivência social”. (MARTÍN-BARÓ, 1989, p. 227) Em relação às atividades pedagógicas dos professores, Mattos (1994) mostra o quanto algumas são seguidas por variações desfavoráveis, que forçam uma mudança no trabalho, a exemplo da forte indisciplina em sala de aula, falta de compromisso e desinteresse acentuado dos alunos e o trabalho burocrático com diários de classe cada vez mais detalhados.

Considerando que a prática do docente envolve o trabalho com grupos, perpassando pela questão do poder, do estresse e do ado- ecimento, é importante entender o processo grupal baseado em

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Martín-Baró (1989), porque permite fazer a análise do papel do poder na vida cotidiana das pessoas, na compreensão das características grupais, bem como, dos aspectos pessoais e das vivências subjetivas e objetivas em caráter histórico, visto que, o autor destaca que os grupos que vivenciam essa mudança deslocam sua atividade grupal, anteriormente focada na satisfação de necessidades sistêmicas, para a satisfação de necessidades pessoais. Essa mudança pode ser verificada num grupo de docentes com objetivos comuns a todos, no qual, segundo Codo (1999), o significado atribuído por quem de- sempenha a ação contribui para o fortalecimento da autoestima e para a estruturação da identidade pessoal. Assim, os sintomas de mal-estar dos docentes manifestam-se na interface de problemas pessoais com os problemas escolares. Muitas vezes, aparecem junto com a incapacidade de lidar com as frustrações advindas da própria profissão. Nesse sentido, Martín-Baró (1989) traz uma compressão de que, a partir do grupo, torna-se possível identificar as diferenças e as semelhanças nas experiências individuais, que geram reflexão e a valorização dos indivíduos e os impulsionam para a ação. De acordo com o autor, é gerada uma afetividade positiva na experiência grupal. Esse processo estimula a reflexão individual e coletiva, no sentido de possibilitar que seus membros se conscientizem de sua identi- dade psicossocial.

Conforme Martín-Baró (1989), o grupo problematiza o cotidiano para desencadear novas relações e vínculos afetivos, expressos em opiniões e sentimentos que, além do caráter informativo, há um ca- ráter formativo, possibilitando que a experiência pessoal, a história de vida de cada participante, passe a ser um elemento aglutinador e definidor de identificações, assim como, a articulação da histó- ria individual com a história social de seus membros. Desse modo, outros componentes vão caracterizando o grupo e vão se forman- do vínculos afetivos, tendo como consequência a mudança da sua atividade principal e, consequentemente mudança da identidade grupal, passando os membros a se preocuparem com a satisfação de suas necessidades pessoais.

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Dessa forma, é necessário criar um espaço de escuta, em que a necessidade de expressarem, de ouvirem e serem ouvidos seja ati- vidade essencial no processo de crescimento grupal, pois, conforme Kupfer (2007), não se fala em outra coisa a não ser na ruína do sistema educacional, na desvalorização do professor, na perda de sentido dos conteúdos escolares por meio de um discurso social rein- cidente que aposta no fracasso e na desvalorização da educação e da profissão docente. Segundo a autora, esses discursos têm am- pla relação com a autoridade docente percebida como fracassada, desrespeitada, desvalorizada e fragilizada. No entanto, Martín-Baró (1997) ressalta que o trabalho constitui a atividade humana mais relevante na definição do sentido da existência humana, uma vez que nossas vidas se articulam ao redor do trabalho, sendo ele um processo grupal com quem nós convivemos e nos organizamos no tempo e na distribuição de outras atividades grupais. Sendo assim, Esteve (1999) destaca que a maneira como o professor percebe os acontecimentos em si mesmos, a crença acerca de suas competências profissionais, pessoais e interpessoais, permitem um autoconheci- mento no sentido de um maior bem-estar e realização profissional.

Segundo Libâneo (1998), o docente possuirá um bom nível de auto- conhecimento se tornar-se capaz de identificar os seus pensamentos, atitudes, expectativas e atribuições, no sentido de orientar o seu fun- cionamento e enfrentamento de exigências colocadas pelo mundo contemporâneo, em que são exigidos dos docentes novos objetivos, novas habilidades cognitivas, pensamento abstrato, flexibilidade de raciocínio e a capacidade de percepção de mudanças. Isso leva o profissional a repensar as formas do aprender a aprender, os processos de aprendizagem, a familiarização com os meios de comunicação, bem como, o desenvolvimento de competências cria- tivas para análise de situações contemporâneas.

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Conclusão

O adoecimento decorrente de profundas modificações no pro- cesso produtivo e nas relações de trabalho vem se acentuando desde a década de 1990. A adoção de novas tecnologias e métodos gerenciais, a precarização das relações de trabalho — desregula- mentação e perda de direitos trabalhistas e sociais, legalização dos trabalhos temporários, informalização do trabalho — e a fragilização das organizações sindicais trazem como consequência o aumento de número de trabalhadores autônomos e subempregados, tudo isso as- sociado à exclusão social.

Gatti (2008) e Oliveira (2013) afirmam que o desenvolvimento profissional compreende as condições salariais, a estrutura e condi- ções de trabalho, a carreira, o clima organizacional, dentre outros. A associação desses fatores faz surgir novas formas de adoecimento e manifestações de sofrimento relacionadas ao trabalho, que exigem mais pesquisas e conhecimentos, para que se possam elaborar formas coerentes e efetivas de intervenção para cada um, possibilitando dar vida a novas formas de identidade pessoal e de relações sociais no enten- dimento do fenômeno humano, concepções contrastantes, relativas à temas delicados, como comportamento e atitude, saúde e doença, qualidade de vida, normalidade e anormalidade. Nesse sentido, é necessário ter uma visão contextualizada de ações que envolvam a compreensão da identidade profissional dos docentes em relação ao adoecimento e estresse.

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