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Aspectos teóricos evidenciados nas pesquisas

No documento EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 36-40)

Após leitura atenta das dissertações e artigos, destacamos as- pectos teóricos inerentes aos quatro trabalhos que culminaram na construção das seguintes categorias de análise Bardin (2002), a citar:

cordel como representação da cultura popular e cordel como força do povo nordestino.

Na categoria cordel como representação da cultura popular

destacamos as contribuições dos estudos de Galvão (2010) e Cascudo (1988) que consideraram o cordel fincado na oralidade, mas não restrito a esta forma de expressão, pois é reconhecido pelo formato impresso, o qual é tão propagado na Região Nordeste do Brasil. Outrossim, a impressão desses folhetos representa uma marca fun- dante deste gênero popular. Não obstante, é nevrálgico sinalizar a contribuição de Dussel (2016, p. 53), quando reitera a importância da cultura popular, pois esta

[...] como cultura popular, longe de ser uma cultura menor, é o centro menos contaminado e radiante da resistência do oprimido contra o opressor [...]. Para criar algo de novo, há de se ter uma palavra nova que irrompa a partir da exterioridade. Esta exterioridade é o próprio povo que, embora oprimido pelo sistema, é o mais distante em relação a este.

Essa exterioridade do próprio povo é evidente no âmbito dos trabalhos de Santos (2016) e Pereira (2018) quando externam que a concepção de cordel é explicitada sob a lógica a seguir: o cordel é empreendido como uma forma de comunicação direta, uma maneira de expor as opiniões das classes populares; compreende que este configura-se como livretos escritos em formas de rimas ou estrofes.

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Percebe-se que os autores convergem na questão da comunicação e do formato desse gênero popular tão difundido no Nordeste brasileiro como representação das classes populares e de suas opiniões, inter- pretações, vivências, através da poesia do cotidiano, denunciando as reações do oprimido e contra as relações com o opressor.

Vale ressaltar que Santos (2016) reconhece a importância de Cascudo na definição de cordel, mas defende a concepção com base em Silva (2014, p. 40) que afirma “[...] a classificação autêntica po- pular nasceu da boca dos próprios poetas”. Já Pereira (2018) reitera a perspectiva de Cascudo, quando ressalta que a origem dos cordéis está atrelada à origem portuguesa.

Na categoria Cordel como força do povo nordestino as autoras

Galvão (2010) e Lemarie (2010) nos referendam que este gênero popular, nascido de um povo que na sua maioria analfabeta, per- sistente, produtora de um folheto que ao mesmo tempo denuncia o cotidiano, traduz sonoridade, beleza, trabalho, dureza e força, aspectos que diferencia da poesia excludente e elitista oriundas da Europa.

Nos trabalhos de Santos (2016,) e Pereira (2018) a categoria o cordel como força do povo nordestino está presente nas expressões a seguir:

[...] a divulgação não está apenas no escrito da quarta capa, ela também é realizada pelo poeta quando este se comunica e interage com seu público. Por exemplo, existia uma associa- ção entre ser Nordestino e a qualidade do cordel. O cordelista faz questão de falar ao leitor que a originalidade do seu cor- del decorre de ser um poeta nordestino. (SANTOS, 2016, p. 24, grifo nosso)

[...] o cordel, particularmente o de Leandro Gomes de Barros, não tinha só a finalidade de diversão, havia em suas narrativas também a preocupação deste autor de informar, deixar os seus leitores em sintonia aos fatos que rondavam a região e o país. (PEREIRA, 2018, p. 32)

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Percebemos que Santos (2016) destaca a força do cordel na qua- lidade expressa na sua originalidade e identidade, assim como Pereira (2018) enfatiza no cordel de Leandro Gomes de Barros a peculiaridade dos seus versos expressarem nos fatos situados na região nordestina e no Brasil.

Essas narrativas de Santos (2016) e Pereira (2018) estão arrai- gadas na perspectiva de Lemarie (2010) e Abreu (2006) quando asseveram que é preciso problematizar a origem do cordel no con- texto da literatura europeia, mas é relevante destacar que quando este foi desenvolvido no âmago do Nordeste brasileiro ganhou ca- racterísticas peculiares de uma autoria poética de um povo que tem orgulho da sua identidade.

As autoras ainda asseveram uma crítica à hegemonia da elite li- terária ao relatarem que diante de “um mecanismo de dominação” o termo “verso/folheto” nordestino, cultura popular e a posteriori lite- ratura de cordel está impregnado de preconceito direcionado a um povo visto como analfabeto, rude, com duras condições ambientais de sobrevivência, o qual não poderia ter a capacidade de escre- ver um gênero literário. Contudo, “[...] é tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente, distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não somos”. (QUIJANO, 2005, p. 19) Isso implica romper com co-

lonialidade do poder, que através da imposição e do poder reiterou “[...] uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir co- nhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocêntrico”. (QUIJANO, 2005, p. 8)

Destarte, o cordel denota, de fato, a força do povo nordestino, traduzida em texto que foge dessa versão de colonialidade de pen- samento, pois os versos dos cordéis são impregnados do cotidiano dos rostos insurgentes de uma gente de fibra que rompe com epistemi- cídio declarado ou camuflado de diferentes formas. Ou como traduz Santos (2010, p. 52)

[...] um epistemicídio maciço tem vindo a decorrer nos últimos cinco séculos, e uma riqueza imensa de experiências cogni- tivas tem vindo a ser desperdiçada. Para recuperar algumas

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destas experiências, a ecologia de saberes recorre ao seu atri- buto pós-abissal mais característico, a tradução intercultural. Embebidas em diferentes culturas ocidentais e não-ociden- tais, estas experiências não só usam linguagens diferentes, mas também distintas categorias, diferentes universos simbó- licos e aspirações a uma vida melhor.

Essa visão preconceituosa e excludente pode ser contextualizada, ainda mais, pela negação de uma Epistemologia do Sul, destacada pelas linhas

[...] cartográficas ‘abissais’ que demarcavam o Velho e o Novo Mundo na era colonial subsistem estruturalmente no pensa- mento moderno ocidental e permanecem constitutivas das relações políticas e culturais excludentes mantidas no siste- ma mundial contemporâneo. A injustiça social global estaria, portanto, estritamente associada à injustiça cognitiva global, de modo que a luta por uma justiça social global requer a construção de um pensamento ‘pós-abissal’, cujos princípios são apresentados [...] como premissas programáticas de uma ‘ecologia de saberes’.(SANTOS, 2007, p. 3, grifo do autor)

Com base na lógica defendida por Santos (2007), o epistemicídio gera irreparáveis perdas, pois a lógica de uma epistemologia global nega importantes conhecimentos e experiências plurais, e para recu- perar essas experiências, o autor salienta que a ecologia de saberes representa uma possibilidade imprescindível para a diálogo com di- ferentes e múltiplas narrativas, com vistas conhecer a existência de outros saberes, outras linguagens, instituindo campos de possibili- dades culturais. Assim, ele destaca que a ecologia de saberes

[...] é uma epistemologia destabilizadora no sentido em que se empenha numa crítica radical da política do possível, sem ceder a uma política impossível. Central a uma ecologia de saberes não é a distinção entre estrutura e acção, mas antes a distinção entre acção conformista e aquilo que designo por acção-com— com-clinamen. (SANTOS, 2007, p. 32)

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Essa compreensão de Santos nos estimula, ainda mais, a defender a relevância da valorização da cultura popular no/do cordel, pois além da marca identitária, da riqueza cultural, da linguagem, mostra resis- tência e comunica universo simbólico de um povo, que persiste em mostrar suas lutas, suas vivências e resistência, rompendo com con- formismo, buscando desvios necessários. Com efeito, desestabiliza a lógica hegemônica, pois permite agir num contínuo impregnado de significados, aberto e dialogal. Assim, o pensamento pós-abissal “pode ser sumariado como um aprender com o Sul usando uma epistemologia do Sul. Confronta a monocultura da ciência moderna com uma ecologia de saberes”. (SANTOS, 2007, p. 22) Ou seja, rompe com as perspectivas hegemônicas, reconhecendo as concepções vincadas na pluralidade e na heterogeneidade.

No documento EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 36-40)

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