• Nenhum resultado encontrado

Algumas reflexões sobre economia solidária: caminhos para a cidadania

No documento EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 122-128)

O que aproxima a educação popular e a economia solidária é o rompimento contra processos sociais hegemônicos. Esse elo ide- ológico tem seus princípios e bases formadas nos princípios da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Nasceram no mesmo berço e rompem com a lógica de que “o Norte tem que pensar o Sul”. (SANTOS, 2010)

Analisando os efeitos do capitalismo, Borba e demais autores (2010) nos faz refletir que a exclusão social gerada pelo sistema de produção capitalista é perceptível tanto no campo, quanto na cidade, por isso, torna-se crescente o número de sujeitos que têm seus di- reitos negados, enfraquecendo a sua condição social de cidadão. Exclusão esta que se apresenta como resultado de processos deri- vados das ações do sistema capitalista dentro das relações sociais, econômicas e culturais.

No vas f or mas de subjetiv açã o e or ganiza çã o c omunitár ia 121

Portanto, concordamos com Borba e demais autores (2010) , e perce- bemos ainda que o efeito do capitalismo e da propagação da cultura burguesa foi muito mais devastador no campo do que na cidade. Muitas pesquisas já comprovam isso. O campo e os sujeitos que lá constroem suas formas de vida e produzem a sua sobrevivência foram historicamente marginalizados e invisibilizados.

Falar de economia solidária é complexo e polêmico. Não há um conceito exato do que venha a ser, mas há diversas interpretações, diversos sentidos e significados. Borba e demais autores (2010) diz que enquanto uns afirmam se tratar de uma utopia relutante, outros procuram fazer desta utopia uma esperança por melhorias sig- nificativas na vida dos sujeitos. Conforme refletiu Gadotti (2009, p. 50), não podemos falar em apenas um conceito de economia solidária:

Não há uma única economia solidária. Partindo dos mesmos princípios, a economia solidária manifesta-se de muitas formas. Muitas dessas práticas traduzem concepções diferentes de eco- nomia solidária [...] Em todas elas, porém, alguns princípios são comuns, tais como, as relações solidárias de colaboração, a pro- priedade coletiva dos meios de produção, a igualdade de direitos e responsabilidades, a economia solidária como práxis pedagógi- ca e a luta contra a subordinação do trabalho pelo capital.

Quando Bertucci (2003) se refere à economia solidária como um “espaço de produção das comunidades pobres”, compreendemos o termo “produção” para além de atividades comerciais capazes de gerar renda, como a produção de outra forma de pensar, de se po- sicionar, a construção de outro sujeito que vê e se coloca no mundo de outra forma, ou seja, a produção da cidadania e da emancipação humana nesses espaços comunitários, a produção de espaços con- tra hegemônicos e de resistência.

Outra reflexão importante é que nem sempre esses sujeitos possuem a consciência que as práticas que eles e elas estão desenvol- vendo se constituem práticas de economia solidária. Isso porque essas práticas estão enraizadas na história da humanidade. Foram fomen- tadas mais adiante, com as ações dos movimentos mais progressistas

E duca çã o , Socieda de e Int er ven çã o 122

da igreja católica, que são as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e foram fragilizadas e contaminadas com a chegada do capitalismo, conforme mencionamos anteriormente.

Desse modo, percebe-se que as práticas de economia solidária são ferramentas relevantes para formação da consciência crítica dos sujeitos, e tornam-se capazes de desenvolver processos que ajudam na formação da emancipação e, concomitantemente, ajudam a cons- truir os processos de cidadania. Assim sendo, o sentido da economia solidária para nós vai muito mais além do que um conjunto de ferra- mentas, estratégias e metodologias para superar a crise gerada pelo sistema de produção capitalista, mas, envolve pensar um projeto de mundo mais justo, se constitui num modo de vida, tal como aborda França Filho (2007, p. 162):

[...] a visão da economia solidária aqui trabalhada insiste na ideia da economia como um meio a serviço de outras finalidades: sociais, políticas, culturais, ambientais, etc., e não como um fim em si mesmo. [...] Trata-se, evidentemente, do fomento a uma política do cotidiano nos bairros e comunidades, que in- cita os cidadãos a agir.

Na mesma direção do nosso entendimento e do supracitado autor, Singer (2012) compreende a economia solidária não apenas pelo viés econômico, mas, também, pelo viés político e ideológico. Trata-se de uma nova concepção de mudança da sociedade, conforme afirma- mos acima.

Um dos desafios da economia solidária, nesse sentido, é promover uma mudança estrutural na sociedade para combater o clientelismo, as políticas compensatórias e assistencialistas que já estão, de alguma forma, enraizadas, sobretudo nas comunidades rurais. Um dos cami- nhos para o rompimento das mazelas sociais é a tomada de consciência dos sujeitos e a construção de processos de cidadania. Na concepção de Demo (1995, p. 1) cidadania é:

No vas f or mas de subjetiv açã o e or ganiza çã o c omunitár ia 123

[...] competência humana de fazer-se sujeito, para fazer história própria e coletivamente organizada. Para o processo de forma- ção dessa competência alguns componentes são cruciais, como educação, organização política, identidade cultural, informação e comunicação, destacando-se, acima de tudo, o processo eman- cipatório. Este funda-se, de partida, na capacidade crítica, para, com base nesta, intervir na realidade de modo alternativo.

Assim, nas palavras do autor citado, pensar o sentido da cidada- nia significa pensar em como cada sujeito se posiciona e se coloca em relação às questões sociais que se apresentam no seu dia a dia. A partir do momento que o sujeito sai de sua condição passiva, e começa a assumir uma condição de sujeito ativo, protagonista de sua própria história, esse sujeito torna-se livre das amarras, da opressão, tornando-se autor e coautor da transformação social. Claro que a construção da consciência crítica não acontece de forma instantânea. É algo processual e contínuo. Dallari (1998, p. 14) aborda outros ele- mentos em sua reflexão para pensarmos o sentido da cidadania:

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social.

Nesse contexto, a cidadania também está vinculada à liberdade e à participação política, isso é possível quando o sujeito é conhe- cedor de seus direitos, compreende as estruturas sociais e passa a questioná-las. É por meio da compreensão e da vivência da cidadania que se torna possível a recriação do sentido de coletividade e dos processos coletivos, que é um dos elementos norteadores das práti- cas de economia solidária.

A cidadania compreende, ainda, o despertar para a luta por con- dições dignas de vida, saúde, moradia, educação, trabalho, lazer, etc., visando a democratização das oportunidades. Para que ela seja efeti- vada, deve contar com a participação de toda sociedade, que precisa ser cada vez mais articulada e ativa em seus processos organizativos.

E duca çã o , Socieda de e Int er ven çã o 124

Nesse sentido, conforme observou Oliveira e Drumond (2010), a cidadania é vista como um processo, ou seja, a participação social dos sujeitos junto ao Poder Público instituído faz com que o esta- belecido na Constituição Federal de 1988 seja efetivado mediante ações que possam promover o acesso aos direitos estabelecidos. No entanto, nem todos os direitos assegurados na Constituição de 1998 são, de fato, garantidos a todos os sujeitos.

É nesse contexto que os movimentos sociais, por meio de suas lutas, buscam estabelecer princípios igualitários e justos, os quais possam ga- rantir ao máximo possível aos sujeitos caminhos para o acesso aos bens de consumo, ao direito de poder consumir e, de modo geral, acesso ao bem viver.

Desse modo, faz-se necessário desenvolver práticas que tornem possíveis a emancipação, a autonomia e a reinserção dos grupos historicamente marginalizados, para que estes reencontrem na ci- dadania a possibilidade de transformarem seus contextos e suas realidades e, assim, se constituam atores sociais. Esse exercício de diagnóstico, identificação e análise dos problemas da comunidade, fomentam a discussão, a democracia e aumenta o senso crítico dos sujeitos, que é um meio de exercício de cidadania.

Segundo Vinagre (2011, p. 111), na concepção marxista, a eman- cipação se desdobra em duas categorias: emancipação política e emancipação humana: “a emancipação política diz respeito à possi- bilidade de satisfação de parte ou de grande parte das necessidades particulares das classes e dos grupos presentes na sociedade”, ou seja, ela é viável de ser conquistada na sociedade capitalista, por meio das lutas sociais das classes trabalhadoras e dos diversos coletivos organizados.

Por outro lado, a emancipação humana se refere à plena realiza- ção e expansão dos indivíduos sociais, o que implica e autonomia e liberdade. Nesse sentido, conforme analisou Vinagre (2011), a eman- cipação humana implica na superação total da propriedade privada e dos processos de alienação, dominação e exploração a que estão sub- metidos os indivíduos na sociedade do capital, quer dizer, somente se realizará com a liquidação total do capitalismo.

No vas f or mas de subjetiv açã o e or ganiza çã o c omunitár ia 125

Portanto, compreendemos que, tanto a cidadania quanto a emancipação política são resultantes das práticas de educação popular e economia solidária. A partir disso, compreendemos a economia solidária como um processo plural, pois tal como afirma Peixoto (2013), quando a economia solidária é trabalhada e discute apenas a lógica da reprodução, visando somente a sobrevivência, acaba por sustentar o capitalismo, fazendo com que os sujeitos possam, por meio dela, alcançar a cidadania, buscar o desenvolvi- mento local de suas comunidades e territórios e construir, assim, um novo modelo de sociedade, mais humana e mais justa.

Segundo Buarque (2002), o desenvolvimento local é um pro- cesso endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos, capaz de promover o dinamismo econô- mico e a melhoria da qualidade de vida da população. Representa uma singular transformação nas bases econômicas e na organiza- ção social em nível local, resultante da mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades e potencialidades específicas. Para ser um processo consistente e sustentável, o de- senvolvimento deve elevar as oportunidades sociais, a viabilidade e competitividade da economia local, aumentando a renda e as for- mas de riqueza, ao mesmo tempo em que assegura a conservação dos recursos naturais.

Quando falamos em desenvolvimento local, estamos nos refe- rindo não só ao desenvolvimento econômico, mas também ao desen- volvimento social, ambiental, cultural, político e humano. Por isso, é preciso realizar investimentos em capital humano, capital social e capital natural, além dos correspondentes ao capital econômico e financeiro. O enfoque do desenvolvimento local possui uma visão integrada de todas essas dimensões, já que não é possível separar a interdependência existente entre elas.

E duca çã o , Socieda de e Int er ven çã o 126

As experiências de economia solidária no

No documento EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 122-128)

Documentos relacionados