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A importância da participação do Estado na regulação dos investimentos dos

A concepção de Estado Moderno se dá com o declínio dos regimes absolutistas e a ascensão dos regimes burgueses, tendo como princípios básicos a democracia representativa e a separação dos poderes.

O artigo 2º da Constituição brasileira dispõe a respeito da teoria da separação dos poderes, que se originou com as primeiras constituições liberais insurgindo como fonte de proteção dos direitos e liberdades fundamentais e instrumento de controle do poder.

Nas palavras de Montesquieu:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se um mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares28. Entretanto, essa independência entre os poderes nunca foi absoluta. Eventos como as duas Grandes Guerras e a crise econômica de 1929 nos EUA, bem como os problemas sociais decorrentes do processo de industrialização na Europa, demonstraram que certa intervenção estatal na atividade privada era necessária. Assim, ampliadas as funções do Estado, as funções do Poder Executivo também aumentaram, ampliando, portanto, o poder normativo deste último29.

Paulo Bonavides, em sua obra Teoria do Estado, apresenta as diferentes conceituações de Estado, passando pelos campos filosófico, sociológico e jurídico. Fixando a análise neste último ponto, a definição kantiana de Estado enquanto “a reunião de uma multidão de homens vivendo sob as Leis do Direito” foi considerada estreita. Del Vecchio, apesar de crítico ao conceito de Kant, não consegue avançar muito além do filósofo alemão, ao afirmar o Estado como “o sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo”.

28 O espírito das leis. Tradução de Cristina Muracho. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 172. 29 SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 80.

36 Bonavides afirma que a definição de Del Vecchio satisfaz, do ponto de vista exclusivamente jurídico, dada a sua separação do Estado e da Sociedade, colocando que o Estado é o laço jurídico ou político, já a Sociedade é uma pluralidade de laços. Por fim, os conceitos de Burdeau e Calvez focam no aspecto institucional do poder, uma vez que “o Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não num homem”30.

Os aspectos levantados nos conceitos acima acabam por sugerir uma clara separação entre a sociedade e o Estado, o público e o privado. O Direito terá um papel central nessa separação, ao garantir o acesso do indivíduo ao Estado a partir da ficção do “cidadão”, máscara utilizada para o indivíduo concreto participar de forma relativa das tomadas de decisão. Porém, a partir da análise sociológica, é capaz de se determinar que o Estado não se distingue da sociedade de forma absoluta, sendo fruto desta e com um vínculo insuperável, passando a determinar os rumos de sua atuação.

A consolidação do Estado Moderno concretiza a ideia da sociedade a partir de uma predominância do legal, do jurídico. Retira-se de um período histórico o poder coercitivo individual, para concentrar esse mesmo poder na figura do terceiro estatal. Mas não caberá ao Estado, nesse momento histórico, atuar de forma incisiva na economia; era este Estado Liberal apenas um espectador das relações sociais.

Somente com o Estado Contemporâneo que se entendeu possível atuar de forma positiva, patrocinando as políticas sociais, e, ao mesmo tempo, fiscalizando e regulamentando as atividades com impactos relevantes à coletividade. A ofensiva neoliberal considera que existe um exacerbamento do papel do Estado nas relações particulares, visando a readequar e diminuir as atividades estatais.

Adentrando o ponto específico do presente capítulo, tem-se que, para a intervenção do Estado no domínio econômico, exige-se necessariamente partir do artigo 170 da Constituição Federal:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

37 VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (grifos nossos).

O Brasil possui, enquanto fundamentos presentes no artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Deve-se ressaltar ainda o artigo 193, que estabelece que “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

O conteúdo jurídico determina que não existem direitos absolutos. Os princípios e fundamentos da Constituição Federal demonstram claramente uma tentativa de conciliação entre capital e trabalho, a livre iniciativa e o estabelecimento de patamares mínimos civilizatórios impostos pelo Estado. Este terceiro intervirá na economia em prol do bem-estar do cidadão e da justiça social, agindo enquanto agente normativo e regulador das atividades econômicas. Como afirma Celso Antonio Bandeira de Mello:

Também salta aos olhos [...] que qualquer política estatal enfatizadora dos benefícios ao capital, qual a do favorecimento aos juros ou mesmo ao do rendimento do capital em detrimento da satisfação dos interesses do trabalho, exibir-se-á, a toda evidência, como ostensivamente inconstitucional31.

Na visão de George Stigler, o Estado pode, com seu poder, ajudar ou prejudicar, seletivamente, inúmeras empresas. A regulação tanto pode ser ativamente perseguida pela empresa, como também pode ser imposta a ela. Mas o autor defende, porém, que a regulação é, em regra, operada em benefício da empresa32.

São diversas as benesses concedidas pelo Estado, segundo Stigler, como a remessa direta de valores para empresas, como ocorre no Brasil com o Programa Universidade para Todos (Prouni), oportunidade na qual realiza o repasse de verbas para instituições privadas de ensino preencherem suas vagas ociosas. Além disso, acontece o controle sobre a entrada de novos concorrentes e a possibilidade de fixação de preços. Corretamente, o autor introduz o aspecto político na equação, estabelecendo uma conexão tênue do setor econômico e da política com seus grupos de pressão e partidos políticos33. Esse argumento é relevante ao se observar que a estrutura política de coalisão necessita de recursos constantes, conchavos e

31 Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 813.

32 The theory of economic regulation. Chicago: The University of Chicago Press, 1988, passim. 33 Ibidem, loc. cit.

38 acordos. Os interesses das empresas estão diretamente ligados ao interesse público resultante de cada relação singular. O financiamento privado de campanha é exemplo claro de como os tentáculos do setor financeiro necessitam garantir o projeto econômico a ser seguido.

Porém, a estrutura estatal é complexa e atua com pesos e contrapesos. O Direito e seus preceitos mais básicos de bem-estar, proteção ao meio ambiente, proteção ao consumidor, entre outros, buscará a autorregulamentação como forma de defesa e fair play.

O Estado intervém no domínio econômico de três formas diversas: através de seu poder de polícia, por meio de leis e atos administrativos; por ele mesmo, em casos excepcionais; ou estimulando com favores fiscais ou financiamentos34.

Estabelece o artigo 173 da Constituição Federal que “[...] a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Dessa feita, evita-se que o Estado possa colocar em risco a existência de outras empresas, dado todo o seu aparato e privilégios, colocando como foco de atuação a defesa dos interesses da coletividade. Logo, a forma de intervenção direta do Estado deve ser excepcional, ocorrendo por meio dos entes personificados, sejam autarquias, sociedades de economia mista ou empresas públicas. Nesse caso, as empresas serão submetidas, basicamente, ao mesmo regime aplicável às empresas privadas.

Nesse diapasão, qualquer forma de abuso ao poder econômico, como a eliminação da concorrência, será reprimida pela lei, como preceituado pelo artigo 173, § 4º, da Constituição Federal.

Já na intervenção das atividades privadas, como é o caso da previdência complementar, a função normativa do Estado é classificada como uma intervenção indireta. O poder de polícia é uma das principais formas de intervenção estatal na economia, se caracterizando pela imposição de abstenções aos particulares, exigindo um non facere, evitando que eles executem atividades perigosas ou nocivas. Previamente se assegura de que não resultará em um dano social como consequência da ação individual35.

No campo da previdência complementar, a atuação estatal concentra-se no exercício do poder de polícia, não somente com a fiscalização, mas também com algumas características de fomento, quando impulsiona a criação de planos de previdência complementar através de incentivos fiscais.

34 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 795. 35 Ibidem, p. 832-833.

39 Conforme mencionado anteriormente, o artigo 3º da Lei Complementar nº 109/2001 define o papel do Estado no sistema. O Estado tem a função de regular o sistema de previdência complementar, disciplinando, coordenando e supervisionando as atividades, com o fim de equilibrar o desenvolvimento econômico e o social, determinando padrões mínimos de segurança com vistas a preservar a liquidez e o pagamento do benefício futuro, supervisionando o risco do sistema e aplicando penalidades nas EFPC que não atendam aos padrões exigidos.

O sistema de administração da previdência complementar fechada pelo Estado é composto pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar, que é o órgão responsável pela regulação, e pela Câmara de Recursos, instância que julga os recursos dos processos administrativos.

Juntamente com a Câmara de Recursos, foi criada a agência reguladora dos fundos de pensão, chamada de PREVIC, Superintendência Nacional de Previdência Complementar, em 23 de dezembro de 2009, com a edição da Lei nº 12.154. Antes dela, tal responsabilidade pertencia à Secretaria de Pensão Complementar, subordinada ao Ministério da Previdência Social. A PREVIC possui autonomia, sendo também vinculada ao Ministério da Previdência Social, com sede e foro no Distrito Federal e atuação em todo o território nacional.

As agências reguladoras foram instituídas enquanto autarquias sob regime especial, considerando-se o regime especial como o conjunto de privilégios específicos que a lei outorga à entidade para a consecução de seus fins. Esses privilégios caracterizam-se, basicamente, pela independência administrativa, com estabilidade de seus dirigentes, autonomia financeira e poder normativo36. Essas autarquias foram criadas no contexto da política governamental de transferir certas atividades públicas para o ramo privado, cabendo ao Estado regulamentar, controlar e fiscalizar esses mesmos serviços.

De início, o poder normativo das agências regulamentadoras gerou discussões, ao se conhecer os limites de sua regulamentação sem prejudicar a competência legislativa. A própria especificidade da criação e atuação das agências auxilia a dissolver a problemática, uma vez que tais entidades deverão prover normas estritamente técnicas e especializadas, devendo estar amparadas em fundamento legal, não podendo ferir a ordem jurídica.

Quanto às aplicações dos recursos garantidores do pagamento de benefícios futuros, as entidades fechadas de previdência complementar se submetem à regulação editada pelo Conselho Monetário Nacional, especificamente a Resolução nº 3.792/2009.

36 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p.

40 A International Organization of Pension Supervisors (IOPS), Organização Internacional dos Supervisores de Fundos de Pensão, criada em julho de 2004, é fórum mundial para o diálogo político e o intercâmbio de informações, tendo como principal objetivo a supervisão da pensão privada, com a promoção da estabilidade, da segurança e da boa governança de planos e fundos de pensão, protegendo o interesse de seus membros. Ao trabalhar com outras organizações internacionais envolvidas na supervisão e no desenvolvimento de políticas, incluindo o Banco Mundial, a IOPS, em 2010, revisou os 10 princípios a serem seguidos na atividade de supervisão de fundos de pensão: Objectivies,

Independence, Adequate Resources, Adequate Powers, Risk-based Supervision, Proportionality and Consistency, Consulation and Cooperation, Confidentiality, Transparence, Governance37,38.

A IOPS esclarece como se dá a atuação com base em cada um desses princípios, conforme apresentado no Quadro 2, a seguir.

Os demais entes supervisores do mercado financeiro e de capital também adotam o sistema de supervisão baseado em risco: o Conselho Monetário Nacional, através do BACEN, e a Comissão de Valores Mobiliários.

37 MENINI, Lilian Castilho. Estrutura jurídica de controle e fiscalização dos investimentos realizados pelas

entidades fechadas de previdência complementar: preservação das reservas garantidores do benefício contratado. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014, p. 48.

38 Em Português: Objetivos, Independência, Recursos adequados, Poderes adequados, Orientação para o risco,

Proporcionalidade e consistência, Consulta e cooperação, Confidencialidade, Transparência e Governança (tradução nossa).

41 Quadro 2 - Princípios de supervisão da previdência privada.

Fonte: International Organization of Pension Supervisors39

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