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A gestão dos riscos nas entidades fechadas de previdência complementar

As primeiras técnicas de gestão financeira surgiram em 1952, com o “Portfolio

Selection” de Harry Markowits, tendo, na diversificação dos investimentos, a chave da teoria

desenvolvida: “[...] é observada e sensata, uma regra de comportamento que não implique a superioridade da diversificação deve ser rejeitada tanto como hipótese quanto como máxima”74.

Jean-François Boulier e Dénis Dupré discorrem acerca da teoria de Markowits, introduzindo a previdência complementar:

- A teoria de Markowits permite definir a rentabilidade e o risco de um portfólio composto por diferentes ativos. Isso permite, por exemplo, encontrar a composição do portfólio que oferece melhor rentabilidade, limitando a 5%, a probabilidade de perda de capital em um ano. As ações oferecem uma rentabilidade importante que justifica às vezes a aceitação de um grau maior de risco.

- Este primeiro método necessita de um objetivo em termos de fixação de rentabilidade. Em muitos casos, porém, o investidor que acompanhar um índice que flutua no tempo. Nesse caso, a gestão indicial é utilizada: a pensão desejada poderá estar atrelada a esse índice, que os investimentos nos diferentes ativos do fundo de pensão irão acompanhar.

- O objetivo a ser alcançado é o de assegurar um pagamento mínimo de pensão com um nível de segurança a ser definido. O excedente com mais ou menos risco. A alocação dos ativos irá depender dos parâmetros próprios a cada categoria de aposentados75.

Tratando-se de gestão financeira de longo prazo, os gestores possuem a difícil missão de conciliar risco e segurança. Busca-se manter o equilíbrio entre contribuição e benefício, para, ao mesmo tempo, utilizar dos investimentos em prol desse mesmo equilíbrio. O desafio está na lógica financeira de quanto maior o risco, maior o rendimento, e, consequentemente, quanto mais seguro o investimento, menor o rendimento.

74 MOREAU, Pierre. Responsabilidade jurídica na previdência complementar. São Paulo: Quartier Latin, 2011,

p. 117.

58 Afirma Fernando Ceschin Rieche, é possível “[...] entender a gestão de riscos como o processo sistemático de identificar, classificar e mitigar os fatores de riscos que poderiam atrapalhar os objetivos estratégicos de uma organização. Não se trata simplesmente de reduzir o trade-off entre o risco e retorno, mas de otimizá-lo”76.

O Conselho de Gestão da Previdência Complementar editou a Recomendação nº 2, de 27 de abril de 2009, dispondo acerca da metodologia da supervisão baseada em risco, afirmando que compreende, entre outras atividades, “[...] a identificação, a avaliação, o controle e o monitoramento da exposição a riscos que possa comprometer a realização dos objetivos da entidade fechada de previdência complementar e de cada plano de benefícios por ela administrado”77.

Têm-se como fundamentos da gestão de risco de qualquer espécie: (i) redução de surpresas na gestão; (ii) aproveitamento de oportunidades para os negócios; (iii) melhora na estratégia de planejamento, desempenho e eficácia; (iv) economia e eficiência; (v) melhora nas relações com as partes do contrato; (vi) qualidade nas informações utilizadas para tomada de decisões; (vii) melhora na reputação e na imagem de dirigentes e da entidade; (viii) proteção ao ato regular de gestão; (ix) demonstração de responsabilidade e boas práticas de governança; e (x) bem-estar das pessoas envolvidas nos processos de governança78.

Portanto, a gestão eficiente dos riscos é a ferramenta pela qual são analisadas as condições de investimento, observando as variantes de determinada contratação, assim como as consequências e as decisões a serem tomadas a partir do descumprimento contratual ou normativo.

Flávio Martins Rodrigues indica três pontos centrais para o entendimento da concepção de risco: (i) qualquer investimento possui algum nível de risco; (ii) em uma economia saudável (ou seja, com moderadas taxas de juros básicos), maiores retornos estão associados a maiores riscos; e (iii) os fundos de pensão administram recursos que precisam ser investidos79. Prossegue o referido autor, destacando:

Deve-se apontar que a Moderna Teoria dos Portfólios indica que a diversificação dos investimentos de uma mesma carteira de ativos, por regra, é um dos elementos centrais de diminuição de riscos. Ou, utilizando-se da tradição oral de que “não se devem colocar todos os ovos numa mesma cesta”. Com isso, o fundo de pensão

76 Gestão de riscos em fundos de pensão no Brasil: situação atual da legislação e perspectivas. Revista do

BNDES, Rio de Janeiro, v. 12, n. 23, p. 219-242, jun. 2005, p. 221.

77 PAGLIARINI, Aparecida Ribeiro Garcia. Gestão do risco legal. In: AVENA, Lygia (Coord.). Fundamentos

jurídicos da previdência complementar fechada. São Paulo: Cejuprev, 2012, p. 91.

78 Ibidem, p. 99.

79 Riscos jurídicos nos investimentos das EFPC. Rio de Janeiro, jul. 2009, p. 3. Disponível em:

59 possuirá cestas com investimentos de maior risco-retorno e cestas com a equação oposta, com vistas à formação de um resultado geral capaz de atingir a meta atuarial de seus planos na modalidade de benefício definido ou de contribuição variável, ou com a meta de investimentos de seus planos na modalidade de contribuição definida80.

O nível de exposição aos riscos deve ser discutido por cada entidade fechada de previdência complementar, levando-se em consideração o seu tamanho e a sua complexidade. É essencial que haja um corpo técnico especializado e uma gestão transparente, contendo um plano de investimento definido para a preservação da rentabilidade do fundo.

Essa é a base para a chamada decisão prudente, capaz de diminuir as possibilidades de fracasso no investimento, mas nunca afastar a possibilidade por completo. É a decisão tomada a partir de elementos técnicos, dentro de um processo de investimento.

Ressalta-se que a decisão prudente não se trata de uma obrigação de resultado, dada a imprevisibilidade do mercado, mas sim de uma obrigação de meio dos gestores, em que o objetivo final não está juridicamente vinculado à conduta previamente executada.

A Resolução CMN nº 3.921/2009 determina, em seu artigo 9º, que, na aplicação dos recursos, a EFPC deve identificar, avaliar, controlar e monitorar os riscos, incluídos os riscos de crédito, de mercado, de liquidez, operacional, legal e sistêmico, e a segregação das funções de gestão, administração e custódia. Mais adiante, no artigo 11, estabelece que a entidade fechada de previdência privada deve adotar regras, procedimentos e controles internos, observados o porte, a complexidade, a modalidade e a forma de gestão de cada plano por ela administrado, que possibilitem que limites, requisitos, condições e demais disposições presentes na referida Resolução sejam observadas.

Dessa forma, visa o Conselho Monetário Nacional a proteger os recursos que garantem os planos de benefícios, através da fiscalização e da melhoria das gestões internas. Ao lado da gestão baseada em riscos, outra forma de controle é igualmente necessária, como afirma Adacir Reis: “A gestão baseada no controle de riscos, a cargo dos gestores da entidade de previdência complementar, e a supervisão baseada em riscos por parte do órgão oficial, são dois lados de uma mesma moeda”81.

A supervisão baseada em riscos é definida pela Recomendação nº 2, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, em seus artigos 1º e 2º, como:

Atividade do órgão fiscalizador, em todas as suas atribuições, supervisionar de forma direta e indireta o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar quanto a sua exposição a riscos, tendo como metodologia que compreenda, dentre outros, a identificação, a

80 Riscos jurídicos nos investimentos das EFPC, p. 3.

60 avaliação, o controle e o monitoramento da exposição a e riscos que possa comprometer a realização dos objetivos da entidade fechada de previdência complementar e de cada plano de benefícios por ela administrado.

Segundo Ricardo Pena Pinheiro e Geraldo Galuzzi, as atividades de supervisão dos fundos de pensão se dão segundo uma abordagem tradicional, que verifica a conformidade com as leis e regulamentos, tendo como foco mais perceptível os fatos presentes e passados; e uma abordagem baseada em riscos, configurada enquanto um avanço em relação à tradicional, centrando-se em aspectos do supervisionado que serão verificados mais intensa e detalhadamente, e tem nos eventos futuros o seu foco82.

Em outras palavras, a abordagem tradicional age apenas após as consequências serem postas, atacando sobre os sintomas, enquanto a abordagem baseada em riscos é proativa, buscando a origem dos problemas que se apresentam.

Quadro 3 - Características gerais das abordagens de supervisão aplicadas aos fundos de pensão.

Fonte: Ricardo Pena Pinheiro e Geraldo Galuzzi83.

Cumpre notar que um dos aspectos importantes a serem destacados é a gestão específica do risco legal. Até recentemente, o seu perfil de avaliação era o de uma espécie do risco operacional. O artigo 2º e § 1º da Resolução Bacen nº 3.380/2006 define o risco operacional como a possibilidade de ocorrência de perdas resultantes de falha, deficiência ou

82 A supervisão baseada em riscos na previdência complementar no Brasil. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA

DAS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. Avaliação de riscos: manual de boas práticas. São Paulo: ABRAPP/ICSS/Sindapp, 2008. p. 157-173, p. 162.

83 Ibidem, loc. cit.

TRADICIONAL BASEADA EM RISCOS

Reativa (sintomas, fatos presentes e

passados) Proativa (causas, riscos e controles)

Prescritiva Prudencial

Conformidade Escopo ampliado

Uniformidade Diferenciação

Induz a evitar riscos Induz à gestão de riscos Maior relação esforço/resultado Menor relação esforço/resultado

Visão mais pontual Visão sistêmica e pontual

61 inadequação de processos internos, pessoas e sistemas, ou de eventos externos, incluindo o risco legal associado à inadequação ou deficiência em contratos firmados pela instituição, bem como a sanções em razão de descumprimento de dispositivos legais e a indenizações por danos a terceiros decorrentes das atividades desenvolvidas pela instituição.

Confirmam a tendência de destaque do risco legal, separando-o do risco operacional, a Resolução CMN nº 3.456/2007 e a Resolução CMN nº 3.792/2009, colocando a necessidade de avaliação e controle dos riscos de crédito, de mercado, de liquidez, operacional, legal e sistêmico. Cabendo, portanto, ser gerido pelos administradores das entidades fechadas de previdência complementar, como os demais tipos de risco.

A gestão do risco legal não pode limitar-se ao arcabouço jurídico positivado, devendo- se ampliar o entendimento para conteúdos principiológicos que determinam novas condutas, antecipando as possíveis mudanças e preenchendo as lacunas da anomia a seu favor.

Aparecida Ribeiro Garcia Pagliarini ressalta que:

A gestão do risco legal faz com que o foco reativo dos advogados mude para uma abordagem preventiva, agindo como facilitador de negócios ao invés de saírem correndo para apagar incêndios, como bombeiros sem sirene, em razão de transações inadequadas, contratos mal elaborados, falhas na cobrança de garantias, documentação insuficiente, alterações na legislação, decisões mal fundamentadas, falhas no registro de atas ou elaboração de pautas, dentre outras causas que resultam em sanções administrativas e, muitas vezes implicam em indenizações civis, podendo resvalar para o campo do direito penal econômico84.

A efetividade da gestão baseada em riscos necessita da integração de todos os integrantes da entidade fechada de previdência, não somente do advogado da empresa. O comprometimento com a prevenção é um trabalho de longo prazo e deve, aos poucos, ir se fortalecendo e atingindo os agentes em sua totalidade, de forma a criar a prática preventiva em todos os níveis. Caberá também ao conselho deliberativo criar e divulgar a política adequada, a partir das escolhas da diretoria executiva. Nesse sentido, a importante Resolução CGPC nº 13/2004 assevera:

Art. 2º. Compete à diretoria-executiva, ao conselho deliberativo, ao conselho fiscal e demais órgãos de governança eventualmente existentes o desenvolvimento de uma

cultura interna que enfatize e demonstre a importância dos controles internos a todos os níveis hierárquicos (grifo nosso).

É de extrema relevância a constituição de comitês de assessoramento, cujas funções são de auxílio e fornecimento de subsídios para que o gestor possa escolher o melhor caminho

62 na aplicação dos recursos financeiros de sua entidade. A governança e as boas práticas necessitam do preparo técnico, caso contrário podem ser consideradas temerárias, como informa o artigo 4º da Resolução CGPC nº 13/2004:

Art. 4º. É imprescindível a competência técnica e gerencial, compatível com a exigência legal e estatutária e com a complexidade das funções exercidas, em todos os níveis da administração da EFPC, mantendo-se os conselheiros, diretores e empregados permanentemente atualizados em todas as matérias pertinentes às suas responsabilidades.

Desse modo, comprova-se a centralidade da gestão de riscos para o funcionamento dos fundos de investimentos, e seus respectivos participantes. Aparecida Pagliarini comenta o motivo de a gestão do risco legal ter uma relevância tão significativa no mercado, levantando aspectos gerenciais, e até mesmo financeiros:

Aumenta a chance de o negócio dar certo; porque inibe litígios; porque agrega maior confiança ao negócio; porque a gestão de conflitos jurisdicionados é cara, demorada e de resultado incerto; porque demonstra diligencia e prudência do gestor (lembrando aqui mais uma vez que o que se avalia são os meios empregados); porque previne o conflito de interesses; porque o resultado é avaliado holisticamente e a longo prazo; porque dá suporte à administração da entidade para buscar soluções estratégicas; porque previne a responsabilização dos dirigentes e conselheiros nas esferas civil, administrativa e penal; E, se isso não fosse suficiente, a má gestão do risco legal demanda o provisionamento de prováveis perdas nas áreas trabalhista, tributária, civil, o que pode gerar a necessidade de aportes adicionais às reservas dos planos operados pelas entidades, criando dificuldade de toda ordem85.

Cumpre observar que, recentemente, o número de autos de infração lavrados pela PREVIC contra dirigentes e responsáveis de setores técnicos das entidades fechadas de previdência complementar pode ser considerado expressivo. Diante disso, a PREVIC aprimorou seus mecanismos de acompanhamento, dando um maior suporte para que os auditores fiscais pudessem exercer seu poder de polícia.