• Nenhum resultado encontrado

A influência de Freire no ensino de inglês como segunda língua

A partir da década de 80, com a crescente onda migratória prove- niente da América Latina e do Sudeste Asiático, as escolas norte-ameri- canas passaram a conviver com uma população acentuadamente multilíngüe e multicultural. Diversos projetos pedagógicos fundamen- tam-se, então, na Pedagogia Radical, através do seu representante má- ximo, Henry Giroux, o qual se propõe a desenvolver uma política cultu- ral baseada nas idéias de Bakhtin e de Freire. Giroux acredita que a es- cola deve analisar criticamente a produção e transformação dos proces- sos culturais a partir de três discursos essenciais: o da produção, o do texto e o das culturas vivas. No primeiro, é necessário que se compreen- da a inserção da escola na realidade social e que se veja criticamente como a sociedade determina e controla a atuação da escola para que

esta sirva aos interesses da classe dominante. No discurso do texto, os educadores devem, durante todo o processo educacional, estar atentos para os significados das formas culturais que circulam nas atividades escolares; outras vozes necessitam ser ouvidas para que os alunos tenham maior diversidade de formas de conhecimento. E, finalmente, é no dis- curso das culturas vivas que o educador e o educando conseguem refletir sobre suas histórias, seus relatos pessoais, a multiplicidade de identida- des, suas possibilidades de transformação social (GIROUX, 1986). Rela- to, a seguir, exemplos de caminhos freireanos adotados por três experi- ências pedagógicas aqui selecionadas.

Peterson (1991) descreve o projeto de alfabetização em inglês como segunda língua, em uma escola bilíngüe de Milwaukee (Estado de Wisconsin), no qual os alunos são encorajados a falar dos seus conflitos, das suas condições de opressão social. O autor relata, por exemplo, que diante da fala de um aluno sobre a ocorrência de uma greve geral local, toda a classe se interessou em discutir a questão da greve. Foi sugerido, então, na aula de inglês, que se fizessem entrevistas com os trabalhadores para co- nhecer suas reivindicações. No momento em que um trabalhador fala so- bre seu salário, uma aluna se manifesta dizendo: – That’s more money than my mom makes.6 Diante da voz da estudante, a turma se posicionou contrá- ria à greve e foi proposto, então, um projeto pedagógico sobre as condições reais de trabalho das famílias dos estudantes. Nessa abordagem, ressalta- se a importância política da voz do estudante, além de mostrar como o enfoque de um conflito local traz a oportunidade de o aluno querer inves- tigar sua própria realidade de vida. Esse mesmo projeto trabalha com a produção da escrita em inglês, em uma perspectiva interdisciplinar, pro- pondo, por exemplo, a reescrita de textos do livro de Ciências Sociais, a partir da inserção de novos conteúdos pesquisados pela turma. As ativida- des de leitura em inglês, muitas vezes, passam a ser baseadas em pequenos textos autênticos, considerados altamente polêmicos, como, por exemplo, um trecho de um discurso do Bispo Desmond Tu Tu, que diz:

When the missionaries first came to Africa they had bibles and we had the land. They said, ‘Let us pray’. We closed our eyes. When we opened them we had the bibles and they had the land.7

Uma outra experiência interessante é a análise de livros didáticos de inglês, em uma classe de imigrantes trabalhadores de baixa renda, apre- sentada por Auerbach & Burgess (1987), na qual identificam vários textos com uma forte imposição de valores culturais distantes da realidade social dos alunos, tais como: a) um diálogo que descreve um dia livre do estudan- te em um clube de golfe; b) um texto que ilustra, como uma das vanta- gens do telefone, a busca de informação sobre as condições climáticas para se praticar esqui; c) uma conversa no telefone com um médico particular sobre um problema de saúde; d) um texto sobre aluguel de imóveis que descreve uma lista de deveres do inquilino, sem mencionar qualquer refe- rência sobre seus direitos. Nessa mesma pesquisa, os autores apontam que as diferenças culturais são, muitas vezes, usadas como pretextos para si- tuações de humor, de forma desrespeitosa à condição de vida do imigran- te, como acontece, por exemplo, no seguinte diálogo que mostra um imi- grante asiático em uma agência de empregos.

– What did you do in Laos?

– I taught College for 15 years. I was Deputy, Minister of Education for 10 years, and then…

– I see. Can you cook Chinese food?8

Uma terceira experiência de ensino de inglês se passa com alunos imigrantes trabalhadores rurais, na qual Thomas Graman (1988) questi- ona também o conteúdo dos textos didáticos, mas critica principalmente o uso de estratégias mecânicas que reforçam a pura automatização de estruturas formais da língua, sem enfatizar a produção de significados.

Seguindo a postura de Freire, o autor acredita que a sala de aula não deveria ser palco de treinamento de vozes prescritas para enfrentar a realidade exterior do mundo, mas, ao contrário, deveria ser considerada como o microcosmo do próprio mundo real, no qual os estudantes e pro- fessores fossem estimulados a compartilhar suas questões e procurar possíveis soluções. O autor acredita que a principal contribuição da pe- dagogia de Freire para o ensino de inglês como segunda língua é a ênfase dada no aprender a pensar por si próprio e a expressar suas idéias em linguagem autêntica. O aluno deve perder o medo de falar dos seus con- flitos, das suas opiniões, fazendo com que a sala de aula se torne um ambiente favorável à livre expressão de pensamento, como assegura Graman (1988, p. 448), ao dizer

[...] by applying Freire’s pedagogy to learning, students and teachers have the opportunity and the means to do more than learn language: they can win the freedom to think and act as critically conscious beings. This is the humanizing process of education.9

Ensino de LE, inserindo a multiculturalidade