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Além de contextos: almejando uma consciência cultural crítica

O ensino de língua estrangeira não pode limitar-se à transmissão de um conteúdo, ao contexto lingüístico. É preciso ir além, o que natu- ralmente acontece ao incluirmos cultura no currículo. Porém, especial- mente no momento atual, é preciso explorar o aspecto cultural de uma maneira que viabilize o seu potencial de comunicação com outras áreas do saber e convide o aprendiz a interagir criticamente com elas. Pouco vale ter materiais autênticos, interdisciplinares e ricos, culturalmente

falando, se o professor não criar atividades que realmente explorem es- tas características e promovam a sua interação com o aluno. Como com qualquer outro tipo de material didático, não basta procurar, selecionar e adotar. É preciso também saber utilizar apropriadamente.1

Nelly Novaes Coelho (2000, p. 19) acredita que o ensino deve estar “sintonizado com o contexto cultural a que pertence”. No caso do ensino de línguas – e culturas – estrangeiras, esta sintonia deve tomar lugar também a partir do novo contexto cultural a ser apresentado e discutido, cujas relações com o contexto cultural local possibilitarão não somente um avanço na compreensão da cultura-alvo, um melhor entendimento da cultura local e da sua interação com a estrangeira, como também promoverão um posicionamento mais crítico do aluno como ser social e político perante estas duas realidades. Entretanto, este contato com a cultura estrangeira não deve nem pode ser de uma maneira simplesmente expositiva, como em uma exibição de slides onde as imagens são apenas passadas, nomeadas, mas não discutidas com profundidade.

George H. Hughes (1986) oferece um resumo de técnicas para o ensino de consciência cultural que enfocam a percepção e compreensão crítica do aluno.2 Há o método comparativo, onde o professor introduz um ou mais itens da cultura estrangeira que são bem diferentes da cul- tura do aluno e discutem porque estas diferenças podem causar proble- mas. Uma outra opção chama-se assimiladores culturais. Ela consiste em uma descrição breve de um incidente crítico de interação intercultural que provavelmente seria mal-entendido pela comunidade local. Os alu- nos recebem quatro explicações possíveis e devem escolher a que pen- sam ser correta. Se erram, eles são orientados a pesquisarem mais sobre o tópico até descobrirem a razão. Uma técnica parecida chama-se cápsula cultural, diferindo apenas porque não pode ser um exercício de leitura. Com o auxílio de visuais, o professor deve apresentar oralmente uma diferença de costumes entre a cultura local e a estrangeira e fornecer

uma série de perguntas para motivar a discussão. Hughes propõe tam- bém o uso de drama para envolver alunos em situações de equívoco cul- tural. Um grupo de seletos alunos encena pequenas situações onde a cul- tura-alvo é mal-interpretada. A causa do problema normalmente é esclarecida no final. Pode-se também aplicar o método conhecido como TPR (Total Physical Response) para causar uma experiência cultural, e buscar insight em jornais e filmes.3 A última sugestão que Hughes (ibidem, p. 167-168) faz é a “ilha cultural”, onde o professor cria um ambiente de “ilha cultural” através de posters, fotos e gravuras para atrair a atenção e eliciar perguntas dos alunos. Como as técnicas de Hughes demonstram, a discussão é uma etapa essencial para se desenvolver uma consciência cultural, onde alunos (e professores) atinjam um entendimento mais crítico do assunto e do material.

A exposição a fatos, informações e até o próprio contraste cultural devem formar o primeiro momento no processo de compreensão cultu- ral. Mas será um exercício intelectualmente vazio, se não tiver como meta o desenvolvimento de uma consciência cultural crítica no aluno. Informações do tipo “os ingleses gostam de chá e os americanos de Coca- cola” não passarão de simples generalizações factuais que reforçam este- reótipos e têm pouco valor intelectual, se não forem acompanhadas de dados históricos ou econômicos, por exemplo, e gerarem discussões so- bre costumes dessas culturas e, possívelmente, da própria cultura dos alunos. Não esqueçamos também que os rótulos são, além de perigosos, não representativos da maioria. A dimensão cultural de uma aula de língua estrangeira não pode funcionar como uma reprise de uma agên- cia de turismo, onde, a princípio, são listados lugares e eventos para a escolha de um cliente que, muitas vezes, deseja e terá um contato ape- nas superficial e descompromissado com esses lugares e eventos. Cabe ao educador não só criar este elo entre culturas, como também a impor- tante tarefa de escolher materiais e propor discussões que ajudarão o estudante a querer investigar esta nova realidade sob um olhar crítico

que seja capaz de fugir do conhecimento óbvio e superficial, destruir estereótipos e redesenhá-la a partir de pontos de vista diversos, incluindo a sua própria cultura. Afinal de contas, como diz Robert Lado, (1986, p.53) “não podemos esperar que vamos conseguir comparar duas cultu- ras se não tivermos uma compreensão precisa de cada uma delas”.

A falta de compreensão crítica do professor pode gerar conse- qüências negativas. Tomemos o caso dos professores de inglês como lín- gua estrangeira no Brasil. Em muitas aulas em cursos de inglês e até em programas de Letras em universidades, a cultura estrangeira é apenas apresentada e não discutida seriamente. Além disso, com a intenção de motivar o aluno, às vezes o professor acaba super-valorizando-a; em mui- tos casos, até em detrimento da cultura local.4 Deste modo, perde-se uma boa oportunidade de encorajar a compreensão e interação crítica dos alu- nos com essas culturas estrangeiras, até, por exemplo, como forma de resistência ao imperialismo cultural propagado internacionalmente pelas poderosas mídias americana e britânica, de certa forma ideologicamente presente no Brasil em instituições como as “Culturas Inglesas”, que têm o apoio do Conselho Britânico e dos Centros Binacionais, que são apoiados pelo Department of State, antes chamado de USIA/USIS (United States Information Agency/Service). O ensino de Português como língua estrangei- ra no exterior corre o mesmo risco. Em uma aula onde tópicos culturais são somente apresentados e não acontece um contato crítico com a cultu- ra brasileira, o aluno estrangeiro pode ver reforçados estereótipos negati- vos sobre o Brasil.5 Por isso, o professor de línguas precisa evitar a superfi- cialidade no trato com a cultura estrangeira, sempre insistindo que não se pode julgar uma cultura como melhor ou pior que outra, nem levar este- reótipos muito a sério sem uma investigação mais profunda.

Mary Louise Pratt (2002, p. 4) propõe que a sala de aula pode ser uma “zona de contato”. Segundo Pratt, uma “zona de contato é um espaço social onde culturas se encontram, colidem e lutam entre si”. Em Professing in the Contact Zone, autores como Paul Jude Beauvais, Mary R. Bootstraps

e Janice M. Wolff basearam seus trabalhos no conceito de Pratt e tam- bém escreveram sobre a experiência escolar como uma zona de contato. Outros como Patricia Bizzell e Jeanne Weiland Herrick enfocaram a ex- periência multicultural nas escolas e universidades americanas pelo pon- to de vista das zonas de contato. Contudo, aplicar a noção de zona de contato para uma aula de língua estrangeira parece ser uma idéia nova. Em uma sociedade multicultural como a dos Estados Unidos, onde alu- nos de diferentes backgrounds culturais, raciais e lingüísticos freqüentam as mesmas aulas, leêm os mesmos livros e discutem os mesmos assuntos, não é difícil de entender a preocupação com a relação entre estas cultu- ras que estão sempre lutando por representatividade, representação, di- reitos e participação. Mas em qualquer aula de língua estrangeira, mes- mo em uma sociedade onde a composição cultural do corpo discente seja mais homogênea, um contato cultural existirá e esta experiência nunca será simples, neutra e apolítica. Ao se deslocar uma língua de sua comunidade e colocá-la em contato com uma outra comunidade, tanto a língua como a nova comunidade sofrem mudanças. Como Joyce Merrill Valdes (1986, vii) sugere,

quando uma pessoa que foi criada e educada por uma cultura é colocada em justaposição com outra, sua reação pode ser rai- va, frustração, medo, curiosidade, encantamento, repulsa, con- fusão. Se o encontro é causado através do estudo de outra lín- gua, a reação pode vir a ser ainda mais forte, porque ela está lidando com duas coisas desconhecidas ao mesmo tempo.

Valdes acredita que o contato com a cultura estrangeira pode até bloquear a aprendizagem da língua, motivo pelo qual os professores de segundas línguas e línguas estrangeiras devem auxiliar os seus alunos de maneira que a cultura seja uma ajuda e não um obstáculo. Há no Brasil, por exemplo, pessoas que se recusam a aprender a língua inglesa porque

discordam da política exterior do governo dos Estados Unidos. Quando pessoas que possuem sentimentos antiamericanos se encontram força- dos a estudar a língua inglesa, elas resistirão ao aprendizado lingüístico como se estivessem resistindo à imposição da cultura.

Pratt (2002, p. 4) explica que o encontro de culturas na zona de contato dá-se “freqüentemente em contextos de relações de poder alta- mente assimétricas, como em colonialismo, escravidão, ou suas conse- qüências como são vividas em muitas partes do mundo hoje”. Ela sugere também que pessoas em diferentes posições da zona de contato têm per- cepções diferentes da experiência de contato. Sob esta visão, um aluno brasileiro aprendendo inglês terá uma experiência diferente da de um aluno estadunidense aprendendo português, visto que o estadunidense, membro da classe dominante e imperialista, está estudando uma língua que representa menor poder econômico e político, e o brasileiro, repre- sentante nesta relação da classe minoritária, está lidando com a língua franca de maior poder global atualmente. Deve o professor estar atento também a estas relações não apenas culturais, como também político- ideológicas para que possa melhor preparar seus alunos durante este pro- cesso de compreensão e integração cultural e ajudá-los a rever valores, apagar estereótipos e destruir preconceitos. Coelho (2000, p. 25) enfatiza que “adquirir cultura [...] não significa acumular conhecimentos, mas sim organizá-los em torno de eixos de idéias, num determinado contexto que seja significativo para o sujeito”. Similarmente, H. Douglas Brown (2000, p. 7) explica que aprender não é simplesmente adquirir, obter, reter, focalizar, ou guardar informações ou habilidades, mas também mudar um comportamento. Educadores de qualquer área que limitam- se à exposição de conhecimentos, sem propor e viabilizar ao mesmo tem- po uma reflexão crítica, estão falhando imensamente no desempenho de seu papel profissional, social e político, visto que dificilmente possibilita- rão uma mudança de comportamento ou crescimento intelectual dos seus alunos. Como bem sugere Byrnes, (1998, p. 266).

o objetivo da educação pode ser cultivar qualidades intelectu- ais, morais e imaginativas nos homens e mulheres que lhes capacitem a tornarem-se pessoas competentes, visionárias, e sábias, que possam liderar vidas prósperas e gratificantes ao responder com compaixão e comprometimento às exigências por sociedades justas em todo o mundo. Neste caso, a aprendi- zagem de línguas estrangeiras deve ser conceptualizada para contribuir para este propósito, de preferência fazendo sua con- tribuição explícita, em teoria e na prática, e de modo ímpar.

Além de textos: propondo a literatura