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4. O corpo que sou versus O corpo que tenho

4.2 Sobre os corpos que habitam o CEFAR

No CEFAR não tem nenhum tipo de cobrança em relação à forma do corpo físico. Não existe esse tipo de cobrança (Priscilla Monteiro).

Aqui no CEFAR é exigido um corpo em forma! (Mateus Alves).

As citações acima refletem com precisão as duas realidades encontradas no CEFAR quando o assunto é o corpo dos artistas em formação. Visões opostas que habitam o mesmo espaço. De um lado “da rua”, encontro corpos uniformizados que vivem a exigência de serem “perfeitos”, que devem ser disciplinados e treinados para alcançar a forma ideal. Do outro lado, encontro corpos livres de padrões preestabelecidos que buscam o treinamento como forma de potencializar sua expressividade.

Do lado da dança, um descontentamento com o próprio corpo expresso em declarações como:

Domar meu corpo foi muito difícil. Essa questão de flexibilidade, essas coisas... Eu sempre fui muito técnica só que facilidade eu nunca tive nenhuma. Meu corpo é muito difícil de trabalhar! Não tenho perna em x, não tenho peito de pé, nada! (Bárbara Andrade).

(...) por eu já não estar na mesma idade das meninas, acaba que meu corpo sente um pouco mais. Aí eu estou com problema no joelho, estou com tendinite, aqui atrás, aqui na frente... E acaba que isso realmente me atrapalha um pouco. E uma coisa que também chegou a me atrapalhar no ano passado, mas eu consegui melhorar, foi questão de fraqueza no pé mesmo. (Júlia Alves).

Eu nunca tive um físico preparado ou um físico pré-disposto para atividade física. (...) fui aprendendo como usar o corpo. Então foi a partir daí que eu fui trabalhando, mas eu sempre tive dificuldade de trabalhar com meu corpo (Mateus Alves).

Eu era muito desengonçada. E eu era gordinha então era uma coisa muito horrorosa! Até antes de eu ter essa consciência corporal, de eu ter criado

mais força e conseguir controlar meu corpo, meus movimentos, eu era muito desengonçada! (Júlia Alves).

Declarações que refletem uma realidade vivida pela maioria dos estudantes de dança. O descontentamento com o próprio corpo é quase uma condição sine qua non para se tornar um bailarino. Especialmente um bailarino clássico. É esperado dos estudantes de dança que “a crítica a seus corpos torne-se um comportamento a ser adotado” (Taylor, 1994, p.80). Mesmo para os que estão mais próximos dos padrões de “corpo ideal”, sempre há algum tipo de descontentamento:

Eu sempre tive muita facilidade no clássico porque meu físico é muito bom para o clássico. Tenho boas linhas, tal. Só que eu sou muito pequena! E não sou longilínea. E isso às vezes me incomoda. Só que é algo que eu não posso trabalhar. Eu não posso querer que a minha perna fique grande. Eu não posso fazer uma cirurgia para ela ficar maior... Mas eu lido bem com isso. Antes me incomodava mais, agora me incomoda menos (Carolina Nogueira).

As memórias que grande parte dos professores de dança têm com relação a seus corpos na dança, também refletem essa espécie de luta que os bailarinos aprendem a estabelecer com seus corpos. Como ressalta Stinson (1998, p..80): “nas aulas tradicionais de dança o corpo é geralmente visto como um inimigo [...] tanto pelos homens como pelas mulheres, que fazem exercícios compulsiva e obsessivamente”.

Apesar de distantes no tempo, as memórias desses professores não diferem muito do que seus próprios alunos vivenciam hoje. Principalmente em relação às exigências do ballet clássico.

Bom, para o ballet clássico sempre houve exigências. Inclusive de altura. Um sujeito baixo como eu... (...) O pé também era um bocadinho feio, mas eu dei uma quebrada nele e foi! (Paulo Buarque)

(...) eu não era uma pessoa que tinha muitas facilidades físicas... Fiz aula de ballet muitos anos mas era uma luta, não era muito fácil pra mim (Marise Dinis).

Eu achava que eu tinha um péssimo físico. Que eu não tinha o físico para o ballet. Talvez porque eu era mais cheinha nessa fase. Eu não era tão magrinha como eu sou hoje. Eu tinha um corpo de uma menina normal. Eu achava que eu era muito baixinha, que eu não tinha físico. Eu era toda complexada. E minha família também achava que eu não poderia ser uma bailarina porque eu não tinha o físico para uma bailarina! (Cristiana Menezes)

Eu ouvi muito isso: Você não tem um físico para bailarina! (Joelma Barros)

E como é visível no depoimento do professor Paulo Buarque, as cobranças se mantêm ao longo da vida:

Aí vai criando alguns caroços na barriga e aí forma um estômago! [risos]. Já estou perdendo! Estou voltando a correr e vou voltar pra... Não posso permitir não, porque a decadência agora é visível. (...) Nós que trabalhamos fisicamente por muitos anos, a sintonia do cérebro com o corpo não muda. Você muda os seus hábitos, mas a cobrança é muito grande (Paulo Buarque). Atravesso novamente a rua e encontro estudantes que têm dificuldade para entender a pergunta sobre a existência de algum tipo de exigência quanto à forma física de seu corpo. Estudantes que acreditam que “você pode ter o corpo que você quiser” (Luiza Rodrigues). Eles nunca se sentiram cobrados em relação à forma de seus corpos e afirmam que “mesmo alguém mais magro pode ter alguma dificuldade que uma pessoa mais gordinha não vai ter” (Éder Reis).

Encontro também professores que fazem questão de enfatizar que “o teatro consegue abarcar todos os tipos de corpos dos alunos” (Letícia Castilho); “todos os corpos são bem-vindos”

(Odilon Esteves). Ou depoimentos como o do professor Lenine Martins que evidencia o quanto a forma física pode ser irrelevante para o teatro:

Eu já fui surpreendido por vários corpos, por ator que não põe a mão no pé, mas quando entra em cena é um furor. Tem um domínio do que faz, uma consciência, um estado de presença, um estado de escuta, uma condição de relação que é muito interessante (Lenine Martins).

A relação direta que os bailarinos aprendem a fazer entre boa performance e corpo ideal parece mesmo não fazer parte da formação em teatro. Essa percepção me lembra novamente Klauss Vianna, que em seu trabalho com atores constatou: “para mim ficou claro

que, no teatro, as coisas são bem mais objetivas” (VIANNA, 1990, p.41). E alguns deste lado até se arriscam a imaginar como são as coisas do lado de lá:

Engraçado isso!! [risos]. Eu imagino que deve todo mundo cobrar isso [corpo em “forma”] de vocês que fazem dança, que estudam dança... (Éder Reis). A gente [artistas do teatro] envelhece, limita, mas acho que não deve ser mesmo como é a dança, não (Letícia Castilho).

Volto mais uma vez para o lado da dança (não só no CEFAR) e encontro a frustração com o próprio corpo refletida nas palavras de quem começa a perceber que existe uma forma ideal e que seu corpo não se encaixa nela...

Senti muita dificuldade quando, dos 10 para 11 anos, engordei bem mais que o esperado para uma bailarina e acabei sentindo vergonha muitas vezes ao olhar-me no espelho da sala, sentindo-me o "patinho feio" dentre os "cisnes brancos". O "patinho feio" esforçava-se para seguir o modelo do "cisne", mas isso quase sempre era em vão: não era possível alcançar a leveza e mesmo a agilidade da professora (Amaral, 2009, p.2).

(...) tem uma aluna nossa, que é uma aluna bem querida e bem talentosa, que no início do ano voltou um pouco mais gordinha das férias, e aí ela esteva aqui com a mãe dela, as duas nessa sala, a gente conversou... Porque eu acho que ela percebeu que deu uma engordada, e eu acho que ela percebeu como

os professores estavam percebendo e comentando. Então ela achava que ela não era mais bonita como antes, que ela não iria mais dançar como antes, e não sei o quê... esses dilemas! Inclusive pensando na possibilidade de parar de dançar (Joana Wanner).

A neurose criada em torno do peso do corpo pode gerar consequências sérias na vida dos estudantes de dança. Principalmente das meninas. Para Stinson (1995, p.79), “além de reforçar a ideia da mulher passiva e quieta (ou da ‘menina boazinha’), o treinamento em dança também intensifica as expectativas culturais em relação à imagem da mulher. O corpo das bailarinas está completamente sujeito à autoridade de professores, coreógrafos, diretores, enfim, daqueles que regulam e sustentam o sistema da dança. O depoimento da professora Cristiana Menezes ilustra muito bem essa questão:

Eu lembro que quando eu tinha 15 anos eu fui para um curso nos EUA, e eu estava cheinha. Estava gordinha. Estava naquela fase.... Estava cheinha. Não estava gorda. Eu nunca fui gorda. E o professor que era um americano, mas falava um pouco de português, chegou na frente de todo mundo e pegou minha barriga e apertou, falando: “um barriga de sapo, dois barriga de sapo, três barriga de sapo! Pizza!!” Isso resultou em uma pessoa que foi anoréxica. Dois anos depois eu entrei em um processo de anorexia que eu levei uns 10 anos para me curar. Eu fiquei dos 19 aos 23 anos sem menstruar. Cheguei a pesar 34 quilos. (Cristiana Menezes).

Volto ao lado do teatro e, em uma das entrevistas, um fato inesperado acontece. Uma estudante do primeiro ano afirma estar descontente com seu desempenho físico e associa isso ao fato de estar “um pouco acima do peso”. Em suas palavras: “Eu sinto que meu desempenho não está tão legal, poderia ser muito maior. Em tudo. E eu associo à falta de força, ou de flexibilidade ou ao peso maior mesmo... talvez nem me atrapalhe tanto, mas para mim, eu sinto”.

O que me chama a atenção não é o fato de uma atriz em formação estar descontente com seu corpo. Deve haver outras tantas em outras escolas. O que me chama a atenção (e até assusta um pouco), é o fato dessa atriz ser também bailarina. Ela se mostra tão preocupada com sua forma física que, nem mesmo em um lugar onde não lhe é exigida nenhuma forma – como ela mesma disse na citação que abre essa secção –, ela consegue estar à vontade com seu corpo. Ela acredita que é uma cobrança interna: “talvez isso esteja tão interiorizado em mim, tão enraizado, que eu me sinto mal fazendo algumas coisas”.

Por isso insisto que não me importa, hoje (...) qual a idade, o tipo de musculatura, altura ou peso do bailarino: o que me importa é a cabeça. Não tenho qualquer idealização a nível físico sobre o bailarino ou a bailarina com quem quero trabalhar. Quero só que tenha uma boa cabeça. Porque, ainda que difícil, é possível modificar um corpo. Mas mudar a mentalidade de um adulto é um trabalho quase impossível (VIANNA, 1990, p.33).

Faço novamente a travessia para o lado da dança e sou tomada por um certo alívio. Ao assistir a algumas aulas de dança contemporânea e de composição coreográfica, encontro

uma professora que questiona diversos padrões impostos e consegue trazer isso para sua prática em sala. Seu depoimento evidencia sua perspectiva a respeito do corpo na dança:

(...) eu acho que se a gente não compreender que a gente não deve e não pode se limitar a um estereótipo físico, que é esse estereótipo que dança, a ele é dado o direito de dançar, eu acho que a gente vai caducar. Vai estar perdendo o bonde! Porque há muitos anos atrás eu lembro que teve um Carlton Dance e não lembro qual companhia tinha um gordinho. Quando o gordinho entrou, a maioria da plateia riu muito. E esse gordinho foi dançando, foi fazendo tudo tão exatamente como as outras, da maneira dele, com uma fluidez, com uma qualidade, que a plateia foi calando. Como tem grupo que tem uma menina cega que você nem percebe, outro tem um anã ou sei lá! Que corpo é esse que pode dançar? Eu acho que é qualquer um! (Marise Dinis)

Seu discurso – e principalmente sua prática como pude verificar em minhas observações de campo – vão ao encontro das ideias de educadores que se mostram mais preocupados com o desenvolvimento pessoal de seus estudantes do que com sua adequação a um padrão de corpo ou de movimento preestabelecidos. Como é o caso de Angel Vianna que “considera indispensável que o ator/bailarino seja orientado a criar seu próprio movimento, sua forma pessoal de se mover. Para ela, essa descoberta é individual e não deve se basear em nada preestabelecido como verdadeiro ou certo” (RAMOS, 2007, p.20).

***

Quando o tema passa a ser corpo cênico, as diferenças diminuem e encontro nos depoimentos dos dois grupos muitas ideias em comum. Expressões como: “corpo vivo”, “corpo

aberto”, “corpo ampliado”, “corpo presente”, “corpo disponível”, aparecem tanto nas entrevistas de professores e estudantes de dança quanto de teatro. Também há um consenso quanto às relações entre corpo cênico e presença cênica. Algumas de suas colocações explicitam essa ideia:

A presença cênica é um transbordamento. De onde vem isso? De um corpo adestrado, de um corpo treinado, de um corpo que tem prontidão (Cristiana Menezes).

Eu acho que a presença está muito ligada a corpo cênico embora eu acho que a presença [silêncio]... presença você pode construir. Um corpo cênico presente. Um corpo cênico ausente. Talvez seja um pouco desse conceito de aparecer e desaparecer (Marise Dinis).

(...) eu acho que qualquer pessoa que tenha um domínio do seu corpo, que tenha um entendimento do que está fazendo, do que está propondo, que está defendendo uma proposta de trabalho, eu acho que todas essas pessoas acabam tendo uma presença cênica (Lúcia Ferreira).

Essa presença cênica que eu acho que tem a ver com essa musculatura tonificada para estar pronto. E com essa atenção. Com essa ligação dos sentidos e essa disponibilidade. (...) um estado especial de presença e desse corpo cênico construído (Ângela Mourão).

(...) esse corpo tem sim essa força que alguns vão chamar de presença (Luiz Garrocho).

Eu acho que ela [a presença] é uma consequência desse corpo cênico. As vezes a gente ouve falando que fulano tem muita presença. Eu acho que essa presença não é um dom, é um treinamento também. Porque eu acho justamente que essa presença é quando essa pessoa está ali presente com aquilo tudo que está acontecendo. É realmente mesmo uma consequência do corpo cênico. Daquele corpo vivo, daquele corpo pronto para responder às coisas que vêm na hora (Diego).

É todo um corpo trabalhado para você ter esse contato com o público. Para eles saberem que você está ali. (...) a presença cênica vai ser melhor alcançada se você tiver um corpo cênico (Bárbara).

Eu acho que a presença é uma coisinha a mais do corpo cênico. E quando a pessoa tem essa presença, eu acho que ela tem algo a mais que a diferencia de alguma forma. Não sei se é o olhar, a própria forma de se portar... (Carolina Nogueira).

Como nem só de semelhanças é feita essa relação, também encontrei nos depoimentos sobre corpo cênico alguns termos que considerei bastante representativos de cada grupo. “Corpo treinado” foi citado apenas por uma professora da dança e “corpo em relação” e “corpo que brinca” apareceram no discurso de dois professores do teatro. Para mim, são termos que expressam muito bem a relação que cada uma das linguagens estabelece com o corpo. Ilustram e sintetizam o tipo de tratamento que é dado ao corpo dos seus aprendizes.

A busca por um corpo em relação, um corpo coletivo, está presente na escola de teatro desde o processo de seleção quando na última etapa os candidatos são expostos a um período de avaliação coletiva. Dois professores comentaram a importância dessa fase: “a gente

tem que ver esse ator em coletivo trabalhando corporalmente – improvisando com o outro” (Letícia Castilho); “tem que ser levado em conta a habilidade e o comportamento coletivo deles” (Walmir José). E a importância da coletividade continua presente durante os três anos de formação:

O trabalho compartilhado gera um corpo cênico coletivo mais forte, mais engajado. Ciente do que pode fazer, sabe? (Lenine Martins).

Eu, Letícia, costumo avaliar a assiduidade que eu acho fundamental. Se [o teatro] é um processo coletivo você tem que estar presente (Letícia Castilho). Ele [o aluno] vai aprender a trabalhar junto, formar um coletivo, uma equipe de teatro (Luiz Garrocho).

A gente sempre estimula aqui no curso o trabalho em grupo, o coletivo. Vários saem daqui e formam pequenos grupos que seguem trabalhando juntos (Ângela Mourão).

Também é possível verificar uma continuidade na escola de Dança onde um “corpo treinado” é exigido durante toda a formação desde o processo de seleção. Há uma supervalorização das habilidades físicas que na seleção é sentida já na primeira etapa

(fisioterápica) visto que é eliminatória. De acordo com a coordenadora Joana Wanner: “nas

provas de seleção aqui a gente vê isso claramente. O tanto que o físico é determinante para se obter um resultado esperado”.

Essa declaração me faz voltar no tempo e lembrar do quanto desejei ser aluna da Escola Municipal de Bailados de São Paulo. Participei por três vezes do processo de seleção conseguindo, na terceira vez, finalmente realizar meu desejo. Isso aconteceu no final da década de 1980 e minha sensação é que a história não mudou muito. Pelo menos as exigências para ser aprovada na seleção continuam se pautando em um modelo de corpo que nada tem a ver com a realidade brasileira. Vallim Júnior (1993, p.131) explica as características que a candidata precisa ter para ser aprovada:

Para ser aceita na escola a menina precisa apresentar alguns pré-requisitos (...) seu tipo deve ser esguio, bem proporcionado, com braços e pernas obedecendo a um desenho harmonioso e sem imperfeições. O pescoço deve ser naturalmente alongado, e acima de tudo ela precisa ser magra, não podendo sequer mostrar tendência para engordar (Vallim Jr, 1993, p. 131).

Relembrar os meus sonhos de criança em relação ao ballet trazem também outras lembranças... Quando eu tinha uns 10 anos de idade, ouvi da minha professora de ballet uma frase que nunca consegui esquecer: “de cada mil meninas que amam o ballet, o ballet ama apenas uma”. Naquela época eu não tive dúvidas de que “essa uma” seria a mais magra, mais longilínea, com o corpo mais perfeito. Doeu muito pensar que eu estava entre as outras novecentas e noventa e nove!

***

Refletir sobre o treinamento que bailarinos e atores recebem me trouxe algumas questões que considero importante compartilhar. Percebi que os estudantes de dança têm muito mais consciência corporal e domínio de seus movimentos do que os estudantes de teatro, porém, todo esse conhecimento é usado apenas para dançar melhor. Eles têm um corpo que precisa ser treinado e estar em constante manutenção para atender às exigências que vêm de fora: do professor, do diretor, do coreógrafo, do mercado. A situação narrada por Shapiro (1998, p.37), descreve bem essa relação que os bailarinos estabelecem com seu corpo:

Eu estava no escritório de um dos meus professores do doutorado, discutindo o significado da dança, quando ele me perguntou: "O que você acha do seu corpo (como dançarina)?" Minha resposta imediata foi: "Não penso sobre meu corpo". Depois de refletir, disse: "Bom, sabe, na dança, só se pensa realmente no corpo em termos técnicos. Isto é, quão bem você faz alguma coisa tecnicamente". Só mais adiante em meus estudos foi que percebi a verdade do que dissera, uma verdade estabelecida sobre minha própria experiência de dança. O corpo, para o dançarino, é uma ferramenta, um instrumento objetificado em benefício da dança.

Por outro lado, os estudantes de teatro possuem muito menos habilidades corporais, mas demonstram uma visão de corpo mais conectada com o ambiente e a cultura em que estão inseridos. O que Shapiro demorou a perceber que poderia ser uma possibilidade para seu corpo de dançarina, me parece ser a realidade para a maioria dos estudantes de teatro que encontrei:

O que eu não entendi na ocasião foi a possibilidade de o corpo ser visto como sujeito – aquele que guarda a memória da vida de uma pessoa, que define a identidade racial de alguém, sua existência com base nas diferenças de gênero, sua base histórica e cultural, e, na realidade, a própria materialidade da existência (ibid).

Eu tenho a sensação que o que falta de consciência corporal no sentido físico, de execução de movimentos, é compensado pela consciência do papel que seus corpos ocupam no mundo. Arrisco dizer que os atores em formação que encontrei têm plena consciência do corpo que são.

Como professora de dança a pergunta que me vem à cabeça é: seria possível encontrarmos um equilíbrio? Podemos pensar na formação de um artista que desenvolva um conhecimento apurado do seu corpo e trabalhe em seu aperfeiçoamento técnico sem que para isso seja necessário isolar-se do mundo em uma sala de aula? Eu acredito que sim. Acredito