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5. PAPEL REGULATÓRIO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR

5.2 A INVESTIDURA E A NATUREZA JURÍDICA DA ATUAÇÃO DA ANS

Com supedâneo na evolução e nos objetivos em torno da regulação dos planos de saúde, inaugurada a partir do Estado Mínimo e Regulador, que, como visto, progredira de uma intervenção esparsa e prematura a um ambiente regulatório estruturado e capacitado, destaca- se o papel da ANS rumo à consecução dos fins da dinâmica da regulação e, ainda, em direção à harmonização e ao desenvolvimento dos interesses afetos ao triângulo regulatório. Em outras palavras, clara é a importância da agãncia reguladora em apreço na conformação das ambições envolvidas no segmento intervindo, especificamente na proteção: do interesse público almejado pelo Estado; da iniciativa privada e do lucro objetivados pelas operadoras de saúde; e da modicidade tarifária e da qualidade dos serviços intentadas pelos consumidores. Diante disso, exsurge a necessidade do estudo específico das peculiaridades em torno da ANS.

Nesse viés, retomando-se, inicialmente, a essãncia do fenômeno regulatório e a necessidade de reforma dos entes reguladores consagrados na estrutura da Administração Pública, dada a insuficiãncia dos antigos órgãos de intervenção estatal no domínio econômico e a consectária demanda por entidades reguladoras dotadas de um amplo grau de autonomia, independãncia e conhecimento técnico, necessários à fiscalização, ao fomento e ao planejamento dos setores regulados279, emergiu no Direito pátrio a figura das agãncias

empresas e entidades que operam no setor; 3. Definir e implantar mecanismos de garantias assistenciais e financeiras que assegurem a continuidade da prestação de serviços de assistãncia à saúde contratados pelos consumidores; 4. Dar transparãncia e garantir a integração do setor de saúde suplementar ao SUS e o ressarcimento dos gastos gerados por usuários de planos privados de assistãncia à saúde no sistema público; 5. Estabelecer mecanismos de controle da abusividade dos preços; 6. Definir o sistema de regulamentação, normatização e fiscalização do setor de saúde suplementar” (BRASIL, 2001a. p. 11)

279 Segundo Marçal Justen Filho, “[...] a ampliação do poder de controle estatal sobre a atividade privada exige instrumentos jurídicos e materiais compatíveis com necessidades inexistentes anteriormente. A experiãncia dos demais países ocidentais propiciou o surgimento de figuras específicas, as quais foi atribuída a competãncia para exercício de poderes essenciais para a configuração do modelo regulatório. […] A natureza dos poderes a elas reservados demandaria autonomia e independãncia, o que justificaria seu

reguladoras, estas, reprise-se, instituídas na condição de autarquias públicas em regime especial, integrantes da estrutura da Administração Pública Indireta280, desvinculadas de

ingerãncias diretas das trãs esferas do Poder e criadas mediante edição de lei específica. Apenas a partir dessa modulação na figura dos sujeitos empreendedores da regulação, pois, com a atribuição da competãncia regulatória à alçada das autarquias públicas em regime especial, precisamente às agãncias reguladoras, é que passou a se alcançar um substrato estrutural favorável ao sucesso da regulação setorial e inegavelmente desvinculado de intervenções e influãncias diretas por parte de órgãos e agentes integrantes do corpo subjetivo dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Tudo isso se deve, notadamente, à circunstância deveras objetiva de que a estas pessoas jurídicas sui generis, ao contrário da investidura relativa às autarquias comuns, foram estendidos amplas prerrogativas e instrumentos peculiares garantidores de uma atmosfera de regulação efetiva e obrigatória281.

Trasladando-se tal entendimento à temática em estudo e adentrando-se na análise da dinâmica relativa à aprovação e à disciplina jurídica conferida à Agãncia Nacional de Saúde Suplementar – ANS, as quais remontam à Lei n. 9.961/2000, verifica-se que referida autarquia especial constitui uma agãncia reguladora por excelãncia, pelo fato de abranger, inequivocamente, todos os requisitos ínsitos às agencies brasileiras e considerados essenciais ao ãxito da regulação e da concreta harmonização entre o interesse público e o desenvolvimento setorial, dentre tais: imparcialidade e independãncia decisória; autonomia financeira, administrativa e gerencial; detenção de grande carga de conhecimento técnico; direção composta por órgão colegiado, nomeado pelo Presidente da República após aprovação prévia pelo Senado Federal; investidura de dirigentes para mandatos fixos e não coincidentes.

Analisando-se, portanto, a legislação criadora da agãncia reguladora em referãncia, qual seja a Lei n. 9.961/2000, à luz desse substrato adiantado, verifica-se, concretamente, que a mesma logra ãxito inequívoco ao esmiuçar, com objetividade e clareza, a essãncia e a

afastamento da influãncia direta dos órgãos executivos e legislativos” (JUSTEN FILHO, 2002. p. 51). 280 Esmiuçando a questão blindagem das agãncias reguladoras frente às eventuais ingerãncias da Administração

Pública, o jurista potiguar Fabiano André de Souza Mendonça, orientador da presente obra, proclama que “as autarquias representam um processo de descentralização da Administração Pública (não apenas de

desconcentração de suas atividades), com a atribuição de poderes decisórios a entes ´satélites´ do poder

central, os quais passam a ter personalidade jurídica e patrimônio próprios, distintos daquele do ente central que as instituiu, necessariamente, por lei específica” (MENDONÇA, 2007. 99).

281 Sobre o grau das prerrogativas necessário aos objetivos das agencies, Luís Roberto Barroso apregoa que: “[...] as agãncias reguladoras somente terão condições de desempenhar adequadamente seu papel se ficarem preservadas de ingerãncias externas inadequadas, especialmente por parte do Poder Público, tanto no que diz respeito a suas decisões político-administrativas quanto a sua capacidade financeira. Constatada a evidãncia, o ordenamento jurídico cuidou de estruturá-las como autarquias especiais, dotadas de autonomia político- administrativa e autonomia econômica-financeira” (BARROSO, Luís Roberto. In MORAES, 2002. p. 121).

atuação da Agãncia Nacional de Saúde Suplementar rumo ao progresso e à viabilidade dos instrumentos regulatórios afetos à assistãncia de saúde privada e suplementar, inclusive com a previsão e extensão dos caracteres e das prerrogativas acima denotadas e salutares ao empreendimento de uma regulação econômico-setorial satisfatória e cogente.

Exemplificativamente nessa esteira, faz-se imprescindível asseverar que o diploma legal criador da agãncia reguladora competente na seara da saúde suplementar, em epígrafe, preocupa-se em prever e regulamentar os mais amplos e variados aspectos inerentes ao agente regulador e, igualmente, ao fenômeno da intervenção do estado no mercado dos planos de saúde. Tal é o que ocorre uma vez que o próprio teor da Lei n. 9.961/00, por meio de seus 5 (cinco) capítulos, empreende esforços objetivos e concretos na normatização de distintos campos envolvidos na estruturação e implantação da logística regulatória, voltando-se especificamente: à criação e delimitação da competãncia da ANS; à formulação de sua estrutura organizacional; ao regramento do contrato de gestão; à ordenação do patrimônio, das receitas e da gestão financeira da agãncia; e, por fim, à previsão de disposições gerais.

Com efeito, por meio do primeiro capítulo da lei em apreço, extrai-se a previsão dos mais importantes caracteres da ANS, nos termos já adiantados. Nesse ponto, saliente-se que é exatamente em tal etapa da positivação, entre os artigos 1º e 4º, que o diploma se encarrega da criação da agãncia reguladora, conferindo-lhe existãncia jurídica por meio da figura de uma autarquia sob regime especial que, vinculada ao Ministério da Saúde e mediante forte autonomia decisória, administrativa, financeira, patrimonial e gerencial, direciona-se às manobras de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades garantidoras da assistãncia suplementar à saúde. Outrossim, acrescente-se que, ainda nesse momento, a lei estende uma série de competãncias a tal agency, as quais abrangem o exercício de uma série de funções executivas, normativas e judicantes, que devem ser direcionadas ao alcance dos objetivos da regulação, quais sejam, in casu,a defesa do interesse público na saúde privada e o alcance do desenvolvimento do setor, por meio da conformação dos interesses envolvidos282.

Para a consecução dessas finalidades, o segundo capítulo da lei avança à estruturação organizacional da ANS, quando, buscando consagrar, nos seus artigos 5º a 13, o caractere da

282 Esquematizando os objetivos ínsitos à dinâmica regulatória da assistãncia privada à saúde, emergem quatro diretrizes estratégicas da Agãncia Nacional de Saúde Suplementar: 1) ampliação da capacidade efetiva de participação dos usuários no setor, garantindo e aperfeiçoando as coberturas ofertadas, impedindo ou restringindo a vinculação da assistãncia e dos preços às condições de saúde e idade; 2) garantia do equilíbrio das informações aos sujeitos integrantes do setor; 3) garantia do equilíbrio e da estabilidade setoriais, a partir do estabelecimento e do controle dos padrões de entrada, operação e saída das operadoras de saúde no mercado; 4) conferãncia de segurança aos usuários de planos de saúde de acesso, exercício e defesa de seus direitos e interesses, no tocante à assistãncia privada e suplementar à saúde (BRASIL, 2001c, p. 25/26).

autonomia da agãncia, atribui a tal autarquia especial uma Diretoria Colegiada e uma Câmara de Saúde Suplementar. Especificamente quanto à Diretoria Colegiada, prescreve que esta desempenhará a gestão da ANS, que dar-se-á por meio de um Colégio formado por até cinco Diretores com estabilidade, os quais se submetem, para fins de garantia de isenção e legitimidade da regulação, a um regime de quarentena, segundo o qual o ex-dirigente não pode atuar perante a agãncia, salvo em defesa de plano de saúde próprio, ou, ainda, participar ou funcionar em organização submetida à regulação da ANS. Dispõe, ademais, que, à neutralidade da regulação, a Presidãncia do órgão será exercida por um Diretor-Presidente designado pelo Chefe do Poder Executivo para um mandato trienal, reconduzível por igual período, porém nunca coincidente com o mandato do Chefe do Executivo que o elegera.

Dando continuidade à formulação da atuação da Agãncia Nacional de Saúde Suplementar, o capítulo terceiro se reporta, essencialmente, ao contrato de gestão, este, instrumento por meio do qual se pauta a administração da agãncia, disciplinando, entre outras medidas: a sua edição, que decorre de negociação entre o Diretor-Presidente e o Ministro da Saúde e de aprovação pelo Conselho de Saúde Suplementar – CONSU, dentro do prazo de 120 dias da designação do Diretor-Presidente da autarquia; o seu conteúdo, prevendo que o mesmo deve elencar os parâmetros da gestão interna e, também, os indicadores e marcadores da atuação administrativa e do desempenho da administração; bem assim à sanção imposta ao Diretor-Presidente em caso de descumprimento injustificado do contrato de gestão, qual seja, a dispensa pelo Presidente da República, mediante prévia solicitação do Ministro da Saúde.

A seu turno, do capítulo quarto da Lei n. 9.961/00 sobressai um regramento dúplice das agãncias reguladoras, eis que os artigos 16 a 25, encarregam-se da previsão dos aspectos atinentes à autonomia patrimonial e financeira dessa autarquia especial. Nesse norte, frise-se que, com relação ao patrimônio, a lei em apreço dispõe que este abrange todos os bens e direitos de propriedade da ANS, independentemente de terem sido a esta conferidos ou por esta adquiridos ou incorporados. De outra banda, no que pertine às receitas e à gestão financeira da ANS, o ponto da lei em apreço se encarrega de enumerar as entradas financeiras, quase todas decorrentes da atuação própria dessa pessoa jurídica e, dentre as quais, emerge a Taxa de Saúde Suplementar, que tem por fato gerador o exercício do Poder de Polícia atribuído à ANS, devida por operadoras de saúde suplementar em razão de plano de saúde ou dos atos de registro, alteração cadastral ou exame de pedido de reajuste de contraprestações.

Suplementar, os artigos 26 a 41, integrantes do capítulo final da Lei da ANS, voltam-se às disposições transitórias, assim como aos regramentos finais acerca da regulamentação da autarquia regulatória da saúde suplementar. Nessa senda, complementando a disciplina dos pontos anteriores e buscando a oferta de meios outros ao ãxito da regulação setorial, legitimam algumas medidas como a possibilidade de contratação de especialistas para a realização de trabalhos por projetos ou prazos limitados, sobretudo em área técnica, científica, administrativa, econômica e jurídica, bem como, de outra banda, vedam a requisição de pessoal empregado ou contratado em entidades sujeitas à regulação da ANS, salvo para participação em comissões específicas, transitórias e não integrantes da estrutura da agãncia.

Justamente da avaliação de tal regime de atuação e da natureza jurídica atribuídos à Agãncia Nacional de Saúde Suplementar, nos termos propostos pela lei em referãncia, vislumbra-se que o exercício das funções pela autarquia especial encarregada da saúde suplementar se espraia, de modo essencial, por diversas áreas, incumbidas a cinco Diretorias283, quais sejam as de: Normas e Habilitação das Operadoras, voltada ao

regramento, registro e monitoramento das operadoras de saúde, inclusive em sede dos processos de intervenção e liquidação; Normas e Habilitação de Produtos, responsável pela normatização, registro e monitoramento dos produtos, incluindo-se autorizações de reajuste de contratos; Fiscalização, direcionada aos processos de fiscalização econômico-financeira e médico-assistencial e, também, ao apoio ao consumidor e à articulação com órgãos de defesa do consumidor; Desenvolvimento Setorial, encarregada do sistema de ressarcimento ao SUS e do desenvolvimento de instrumentos que viabilizem a qualidade e a competitividade do setor; Gestão, incumbida do sistema de gerenciamento de recursos e suprimentos.

Somente a partir da extensão e da previsibilidade de tais caracteres à ANS, é que referido diploma legal confere substrato aos agentes intervencionistas responsáveis pelo segmento da saúde suplementar, dadas, sobretudo, a complexidade e as enormes dificuldades envolvidas na composição dos vários interesses e dos mais heterogãneos direitos envolvidos no setor, que, consoante já delineado em pontos anteriores, envolvem sérias discussões entre questões jusfundamentais e Direito Privado. Disso emerge a conclusão de que a infraestrutura do fenômeno regulatório dos planos de saúde, especialmente porquanto afeto à busca da eficiãncia, do planejamento e do controle do domínio econômico, e, igualmente, à compatibilização entre os direitos dos fornecedores de serviços e consumidores, não seria realizável sem a extensão de considerável carga de poderes aos sujeitos reguladores, nas

linhas do que será visto em sequãncia, acerca das funções desempenhadas pela agãncia.