• Nenhum resultado encontrado

3. O ATUAL ESTÁGIO DO DIREITO À SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

3.3 O DEVER DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NA SAÚDE PÚBLICA

3.3.2 O princípio da eficiência administrativa e sua aplicação na Saúde Pública: uma

À luz de todo o entendimento firmado acerca do direito à saúde e do princípio da eficiãncia administrativa, resta inegável o vínculo entre estes dois institutos jurídicos, de forma que a saúde pública, em especial as políticas públicas relacionadas, pelo fato de constituírem serviços públicos prestados ativamente pelo Estado, resumindo-se, pois, em atividades administrativas stricto sensu, devem se desenvolver com fulcro na pauta da eficiência administrativa em epígrafe, dado ser esta baliza e pressuposto de legalidade e legitimidade de todos os atos e decisões emanados da Administração Pública.

Destarte, mister salientar que o princípio constitucional da eficiãncia consubstancia-se numa pauta de atuação do administrador durante as fases de formulação, implementação e concretização das políticas públicas de saúde, conferindo-lhes legitimidade e viabilizando uma escorreita e ótima prestação de serviços de saúde pública. Daí, propício afirmar que a eficiência administrativa constitui um importante passo rumo à universalização e à efetivação dos serviços e do acesso à saúde, tendo em vista que o desempenho da atividade administrativa de modo eficiente, nos termos já afirmados, visa uma utilização dos recursos públicos de forma racional e econômica, almejando a oferta de serviços de qualidade e em tempo apropriado e evitando, pois, a prática de atos ociosos ou desnecessários122. Possibilita-

122 Associando a eficiãncia às políticas públicas de saúde, Sarlet e Figueiredo destacam a razoabilidade das medidas: “[...] a prestação reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. […] os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem sempre servir de critério para a decisão judicial. Nesse sentido, pode-se dizer que não se mostra razoável, por exemplo, compelir o Estado a fornecer ou custear medicamentos e tratamentos experimentais, assim compreendidos aqueles não aprovados pelas autoridades sanitárias competentes […] ou que o foram para finalidade diversa daquela pretendida pelo interessado, e

se, assim, o alcance do meios ótimos de aplicação e reaproveitamento das verbas, tudo isso baseado nas necessidades dos beneficiários e com vistas ao aumento da cobertura sanitária.

De tal associação, extrai-se o dever de eficiência123 do agente público que labora na

área da saúde pública e, especificamente, dos programas e políticas públicas relacionados, direcionando suas atividades sempre rumo à maximização da qualidade, da quantidade e da celeridade dos atendimentos e ao dispãndio dos menores gastos possíveis, equação esta que envolve e busca sempre a sobreposição de benefícios concretos sobre prejuízos eventuais. Em outros termos, esse exercício regular da saúde pública124 deve se pautar sempre em um

planejamento constante e aprofundado por parte do gestor público, que deve se inserir na sociedade e aferir as necessidades reais dos indivíduos em sede de saúde e bem-estar para, somente após, direcionar e empreender programas de atuação condizentes com a realidade social e apropriados a cada região; é assim, portanto, uma atuação essencialmente gerencial.

Nessa senda, haja vista que o dever de eficiãncia inicia obrigando o agente público desde a atividade de planejamento estatal e se estende até o momento da execução e do alcance dos efeitos das políticas públicas, muitos publicistas, valendo-se do modelo de administração gerencial, encarregam-se de estabelecer um elenco dos princípios metodológicos que devem ser obedecidos pelo administrador quando do desempenho de suas funções. Assim, extraem-se como pautas obrigatórias no que concerne à efetivação da saúde pública no Brasil os seguintes pontos: 1) endereçamento, priorização das necessidades e definição dos objetivos em matéria de saúde; 2) determinação das estratégias e do plano de atuação estatal; 3) estipulação dos programas, com previsão de recursos e delimitação de responsabilidades; 4) execução das atividades; 5) fiscalização da atuação e avaliação dos

que sequer constituíram objeto de testes minimamente seguros, de tal sorte que o autor da demanda, em alguns casos, pode estar servindo como mera cobaia [...] Num sentido ainda mais amplo, igualmente não se configura razoável a condenação do Estado em obrigação genérica, ou seja, ao fornecimento ou custeio de todo medicamento ou tratamento que vier a ser criado ou descoberto, conforme a evolução científica, ainda que oportunamente aprovado pelo órgão sanitário técnico competente. […] Sem dúvida não é razoável, ademais, a imposição de prestação de determinada 'marca' de remédio, quando existente outra opção, similar em segurança e eficiãncia, mas de menor custo econômico, disponível no mercado e no próprio sistema público de saúde [...], desde que, convém repisar, assegurada a eficiãncia e segurança. Tudo isso, portanto, converge com a exortação já lançada no que diz com a necessidade de averiguação (e, portanto, produção de prova e sujeição ao contraditório) do que efetivamente representa o mínimo existencial em cada caso e qual a necessidade [...] em dar atendimento ao pleito” (SARLET; FIGUEIREDO, 2008. p. 14/26).

123 “Dever de eficiãncia é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (MEIRELLES, 1996. p. 90). 124 Alicerçando o dever de eficiãncia do agente público, tem-se que “O exercício regular da função

administrativa, numa democracia representativa, repele não apenas o capricho e o arbítrio, mas também a negligãncia e a ineficiãncia, pois ambos, violam os interesses tutelados na lei” (MODESTO, 2000. p. 69).

resultados alcançados; 6) criação de um sistema de fomento aos programas125.

Trasladando-se tal raciocínio a um prisma mais prático, isto é, à realidade das políticas públicas de saúde, vislumbra-se que, comparativamente ao Estado pré-1988, enormes vãm sendo os avanços na eficiãncia dos programas de saúde pública desde a promulgação da Constituição Cidadã. Tal é o que ocorre, sobretudo, em decorrãncia da constitucionalização do direito à saúde, assim como em virtude da explicitação da eficiência administrativa via EC n. 19/1998, fatores estes que despertaram atenções e preocupações maiores por parte dos administradores públicos. Nesse sentido, é de se afirmar que o SUS, o Ministério da Saúde, como também a própria Administração Pública em geral vãm se preocupando com o estabelecimento de programas de atenção à saúde apropriados e suficientes ao atendimento da população e que impliquem, de outra banda, em custos e dispãndios razoáveis.

Nesse prisma, necessário acrescentar que, tal como como adiantado quando da análise da reforma sanitária, no tópico 3.2, supra, a atuação estatal corrente caminha rumo à efetivação do acesso à saúde, afigurando-se, pois, bastante propícia ao ideal constitucional proclamado, uma vez que nos exatos termos da Lei Maior, a saúde pública deve ser prestada de forma igualitária e universal, atributos estes que somente podem ser alçados a partir de uma atuação administrativa eminentemente isenta e pautada no citado dever de eficiãncia. Exemplos do ãxito decorrente da eficiãncia dos programas sanitários do Estado se constatam a partir da avaliação dos resultados periódicos de algumas das políticas públicas de saúde mais comuns, a exemplo das seguintes: Programa de Saúde da Família – PSF126; Unidades de

Pronto-Atendimento – UPA 24 horas127; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU

125 In ALFONSO, 1995. p. 117.

126 O Programa de Saúde da Família decorre da Política Nacional de Atenção Básica, sendo responsável pela formação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, aquelas, responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias (não podendo exceder 4.000 habitantes), em uma área geográfica delimitada. Sua atuação envolve uma gama de ações de promoção da saúde; de prevenção, recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes; assim como de manutenção e preservação da saúde. A partir de uma análise estatística, verifica-se que o Programa de Saúde da Família, instaurado em 2002, tem alçado resultados bastante positivos. Tal é o que resta claro uma vez que, atualmente, o PSF já atende a 5.283 municípios brasileiros, de um total de 5.570, cobrindo, inclusive, mais de 55,12% da população brasileira, o que totaliza uma suficiãncia de atendimento médico e farmacológico a mais de 106.887.064 habitantes. Fonte: Departamento de Atenção Básica/Secretaria de Atenção à Saúde/Ministério da Saúde. Disponível em: <http://189.28.128.178/sage/>. Acesso em: 28 maio 2013.

127 O Programa de Unidades de Pronto-Atendimento decorre da Política Nacional de Atenção às Urgãncias e Emergãncias e envolve a criação de estruturas de complexidade intermediária entre as Unidades Básicas de Saúde e as portas de urgãncias hospitalares. Consistem em unidades de atendimento médico 24 horas, com estrutura médico-hospitalar avançada e simplificada, com cobertura de aparelhos de Raios-X, pediatria, eletrocardiografia, laboratórios clínicos e leitos. Voltam-se a diagnóstico, tratamentos e procedimentos médicos simples, almejando-se uma prestação eficiente e rápida, como também, a diminuição das filas dos prontos-socorros dos hospitais. Atualmente, o país já conta com mais de 274 UPAs em funcionamento, espalhadas ao longo do país e situadas em locais estratégicos das redes de atenção de urgãncias. Neste

192128; e Assistência farmacêutica e dispensação de medicamentos129.

Contudo, mesmo a despeito de todo o progresso evidenciado na seara da saúde pública em meados do século XX e, sobretudo, a partir da constitucionalização do direito à saúde e do princípio da eficiãncia administrativa, nos termos sub examine,faz-se imprescindível destacar, ora, tal como já adiantado rapidamente, que tais avanços não se mostram generalizados ou impassíveis de desafios ou regressos130, até mesmo em razão da natureza prestacional do

direito à saúde, que se encontra limitada pela reserva do possível, e, igualmente, das enormes exigãncias impostas pela pauta da eficiãncia administrativa, a qual, como cediço, não impõe

sentido, necessário frisar que, em tais localidades providas de UPA, os resultados são deveras vantajosos, haja vista que 97% dos casos destinados às UPAs são solucionados na própria unidade, não sendo necessário o encaminhamento do paciente a outros centros hospitalares ou a prontos-socorros. Por sua vez, além dessas unidades em funcionamento, ainda há 602 UPAs em execução, o que denota a existãncia de esforços concretos rumo à consagração e à máxima eficiãncia de tal programa. Fonte: DA/Secretaria de Atenção à Saúde/Ministério da Saúde. Disponível em: <http://189.28.128.178/sage>. Acesso em: 28 maio 2013. 128 Tal como as UPAs, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgãncia também decorre da Política Nacional de

Atenção às Urgãncias e Emergãncias, correspondendo à prestação de serviços de primeiros-socorros no local, de salvamento e resgate e de remoção de vítimas de acidentes, tudo isto, no menor tempo possível e com vistas ao direcionamento do indivíduo ao serviço hospitalar mais próximo e adequado. O SAMU 192 propõe um modelo de assistãncia padronizado que opera através do acionamento da Central de Regulação das Urgãncias e envolve uma prestação organizada que se estende até a liberação da vítima ou seu encaminhamento aos serviços de saúde adequados. Em análise à eficiãncia do programa, vislumbra-se que, em 2013, o Serviço em apreço abrangia uma cobertura de 69,76% da população brasileira, envolvendo, pois, mais de 135.308.942 habitantes e alcançando 2.488 municípios. Contudo, comparativamente ao ano de 2012, verifica-se que a abrangãncia do SAMU 192 não vem se mostrando satisfatória, dado uma regressão no atendimento ofertado, eis que no ano passado, a cobertura englobava 70,39% da população e 2.528 municípios. Fonte: Departamento de Atenção Básica/Secretaria de Atenção à Saúde/Ministério da Saúde. Disponível em: <http://189.28.128.178/sage/>. Acesso em: 28 maio 2013.

129 O Programa de Assistãncia Farmacãutica e Dispensação de Medicamentos é uma iniciativa da Política Nacional de Medicamentos, voltando-se à prestação de uma distribuição de medicamentos com segurança, eficácia e baixo custo. Envolve a disponibilização de medicamentos considerados de fornecimento universal e gratuito, os quais constam nas listas de dispensação obrigatória e podem ser: fármacos essenciais, considerados prioritários para o tratamento das doenças mais prevalentes (constantes do RENAME – Registro Nacional de Medicamentos Essenciais); ou remédios excepcionais, considerados os medicamentos de alto custo e de baixa incidãncia, os quais consomem 1/3 dos recursos previstos à implementação da política de acesso a medicamentos. Estatisticamente, referido programa representa um dos maiores esforços do Estado no sentido do cumprimento de sua missão constitucional de universalização do acesso à saúde, dada a disponibilização, pelo SUS, dos mais variados e complexos medicamentos, os quais alçam preços altos e os mais custosos dispãndios pelo Poder Público. Sua abrangãncia vem aumentando a cada ano, o que decorre da ampliação da relação dos remédios disponibilizados, assim como, do fornecimento a um número cada vez maior de beneficiários. (SABINO, Marco Antonio da Costa. In GRINOVER, 2013. p. 366-371). 130 A respeito dos novos desafios na seara da saúde, Góis disserta que, “Apesar da ciãncia ter encontrado a cura

para doenças, revolucionando a “qualidade” de vida de pacientes e aumentando, relativamente, a longevidade da população, mesmo assim está cada vez mais difícil financiar os tão propagados avanços. Com o advento da Industrialização e o avanço da globalização, muitos fenômenos internacionais passaram a estar conectados, interelacionados [sic], o que de qualquer forma aumentou a incidãncia dos problemas de saúde, ditos mundiais, como pandemias e mistura correlacionada de doenças que antes eram particularidades de apenas um local. O avanço tecnológico desencadeado pela industrialização, também trouxe avanços no campo científico da medicina, especialmente no tocante ao tratamento em massa de distúrbios e problemas de saúde agudos e crônicos. [...] entretanto, esse acesso aparente, nos revela uma falsa garantia à saúde, já que nossa saúde ainda não esta livre de sanguessugas e é configurada por uma omissão em qualidade; e o remédio que cura diariamente se torna o veneno que mata” (GÓIS, 2008. p. 87).

uma cobertura ampla e irrestrita dos serviços de saúde, mas, sim, a prestação de um serviço público sanitário razoável e proporcional às peculiaridades, bem como aos detalhes em redor da atuação do Estado e, igualmente, do grau de exigibilidade do direito social em discussão.

À luz de tal pensamento, resta salutar, pois, o destaque de que a eficiãncia e os resultados positivos em redor das políticas públicas de saúde não implicam, necessariamente, o alcance da universalização do acesso à saúde. Pelo contrário, apesar de o dever de eficiência constituir pauta obrigatória do administrador público, o mesmo apenas tende a uma melhor prestação dos serviços públicos, os quais passam a ser mais efetivos, céleres, abrangentes e menos custosos. Tal aumento de qualidade, dessa feita, não significa que o direito à saúde chegará a um nível em que o Estado irá cobrir, com eficiãncia, a totalidade dos procedimentos médicos e medicamentos existentes, o que é um ideal frontalmente colidente com o ideal de eficiãncia, dado que tratamentos há que não são em nada vantajosos ao interesse público e aos fins do Estado, a exemplo dos procedimentos demandados em casos raríssimos e que são, destarte, de custos exorbitantes e de acometimento mínimo dos indivíduos.

Até mesmo porque, como já destacado, é impossível e injustificável a criação de um aparelhamento e a contratação de pessoal e corpo médico bastante à cobertura da totalidade das necessidades médicas e de bem-estar da população brasileira. Merecem destaque, nesse sentido, alguns dos inúmeros desafios envolvidos em redor do acesso e da efetiva prestação dos serviços de saúde, quais sejam: inexistãncia de recursos orçamentários; burocracia em matéria de prestação de serviços públicos; demora no acesso a consultas e tratamentos pelo Estado; deficiãncias em redor da estrutura hospitalar e da falta de equipe médica especializada. Some-se, ainda, a todos estes obstáculos em redor das políticas públicas a corrupção que assola e desfalca o universo político nacional, ocasionando, em privilégio de interesses secundários ou eleitoreiros, enormes prejuízos aos cofres públicos e desvios de verbas que deveriam ser destinadas a ações sociais, notadamente as de cunho sanitário.

Dessa forma, tanto em decorrãncia das reais e legítimas limitações no âmbito das políticas públicas de saúde, o que configura a reserva do possível, como também em virtude da preterição do interesse público primário em proveito de objetivos escusos, a negativa na cobertura de inúmeros tratamentos médicos e na oferta de fármacos é acontecimento corriqueiro e diuturno, o que leva os indivíduos, com espeque no princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, a recorrerem ao Poder Judiciário, pugnando pela substituição da negativa da Administração por um provimento jurisdicional favorável à cobertura das

prestações sanitárias obstaculizadas por parte da atuação do agente público.

Justamente à luz de tal conjuntura em redor da atuação do Poder Público na consecução e efetivação do direito social à saúde, notadamente na prestação das políticas público-sanitárias, essencial se mostra trazer à colação, ora, uma análise concreta acerca do envolvimento do Estado na consecução do mandamento constitucional já delineado, assim como, a respeito da interpretação que vem sendo dispensada pelo Poder Público à dinâmica dos direitos à saúde e à vida. Desse modo, almeja-se denotar os maiores desafios atinentes à universalização de tais valores e tornar viável o avanço do estudo ao setor da saúde privada, o qual, adiante-se, surge, a partir da constitucionalização da saúde e da percepção da insuficiãncia das políticas públicas de saúde, enquanto uma forma de suprimento da atuação do Poder Público rumo à consecução e à plenitude do direito social à saúde.

3.4 CONTROLE JURISDICIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E A