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5. PAPEL REGULATÓRIO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR

5.3 O PODER REGULATÓRIO DA ANS E O ALCANCE DE SUAS FUNÇÕES

5.3.3 As agências reguladoras e sua função compositiva ou quase-jurisdicional

Por sua vez, de enorme relevância ao fenômeno regulatório e, igualmente, à sistemática das agãncias reguladoras, merece destaque o exercício da função judicante pelas autarquias especiais imbuídas da regulação empreendida pelo Poder Público, o que se afigura corolário, nos termos já denotados, da ampla autonomia conferida àquelas, assim como do alto nível de conhecimento técnico detido pelas mesmas, caracteres estes os quais possibilitam a tais pessoas jurídicas de Direito Público a viabilização e o alcance de soluções justas e eficientes a eventuais conflitos gerados entre os diversos integrantes do triângulo regulatório, isto é, entre agentes regulados (concessionários, permissionários e entes autorizados), consumidores usuários dos serviços públicos e, ademais, o Poder Público que concede, permite ou autoriza a prestação do serviço pelo ente regulado, ou seja, pela iniciativa privada.

Nesse ponto, necessário repisar que o exercício da função judicante por parte das agãncias reguladoras não representa qualquer ofensa ou usurpação ao princípio constitucional da separação dos Poderes. Nesse ponto, denote-se que a heterocomposição realizada por tais autarquias não adentra no campo de atuação típica do Poder Judiciário, eis que não envolve o exercício de atividade jurisdicional propriamente dita, não exarando, pois, decisões com o caráter da definitividade ínsito à coisa julgada. A esse respeito, fundamental ressaltar que tal função julgadora das agãncias reguladoras não exclui ou substitui a atividade jurisdicional, de modo que é possível, ademais, a submissão das decisões respectivas ao crivo do Judiciário, que pode analisar tanto aspectos formais quanto substanciais307, ressalvada, exclusivamente, a

circunstância peculiar da arbitragem308. Justamente por isso, denomina-se tais atribuições

307 In DIDIER JR., 2009. p. 80/81.

estendidas às agãncias reguladoras de exercício de função quase-jurisdicional, a qual, na verdade, mais se aproxima de uma manifestação verdadeira de ato administrativo309.

Assim, dada a compatibilidade da função judicante das agãncias reguladoras com todo o ordenamento constitucional vigente, importante salientar que notável vem sendo o papel desempenhado pelas agencies em matéria de solução de conflitos, eis que a detenção de uma enorme carga de conhecimento técnico pela agãncia possibilita à mesma a tomada de decisões rápidas, prudentes e justas no tocante às matérias em confronto, de forma a se evitar a onerosidade excessiva de um dos polos da relação regulada e a se avançar rumo à estabilidade e ao desenvolvimento do setor regulado. Essencial asseverar, ademais, que a eficiãncia dos julgamentos técnicos concretizados pelas agãncias reguladoras desempenha um importante papel rumo à pacificação dos conflitos ínsitos ao setor regulador e à busca da paz social, eis que, muitas vezes, seus julgados adentram questões mais profundas e técnicas que às discutidas na alçada do Poder Judiciário, tendo em mente que este não detém a mesma inteligãncia relativamente aos assuntos técnicos e peculiares ao objeto regulado.

Com arrimo nisso, destacam-se como meios de solução de conflitos realizados no âmbito das agãncias reguladoras, sobretudo na seara da regulação empreendida pela Agãncia Nacional de Saúde Suplementar310: 1) a conciliação, na qual a autarquia especial age como

uma facilitadora do acordo entre as partes, estimulando-as e levando em conta única e exclusivamente os interesses das partes; 2) a mediação, técnica através da qual a agãncia atua como intermediária imparcial, interferindo diretamente e aproximando as partes conflitantes; 3) a arbitragem, em que a agency empreende um poder decisório, substituindo às partes (heterocomposição) e impondo uma decisão, que passa a ser obrigatória entre as partes.

Uma vez procedido tal juízo regulatório e culminada uma decisão reguladora judicante

controle judicial da sentença arbitral, mas apenas em relação à sua validade [error in procedendo]. [...] A decisão arbitral fica imutável pela coisa julgada material. Poderá ser invalidada a decisão, mas, ultrapassado o prazo nonagesimal, a coisa julgada torna-se soberana. É por conta desta circunstância que se pode afirmar que a arbitragem, no Brasil, não é equivalente jurisdicional: é propriamente jurisdição [...]” (DIDIER JÚNIOR, 2009. p. 83). Por sua vez, trasladando tal entendimento à seara da regulação econômica, Sérgio Guerra apregoa que, “Na arbitragem, a intervenção da Agãncia Reguladora, com poderes decisórios, consistirá no julgamento do conflito entre os agentes regulados, exarando e impondo uma decisão, contra a qual não caberá recurso. [...] Com efeito, quando é instituída, a arbitragem torna-se obrigatória entre os agentes regulados, não podendo estes rediscutir o assunto” (GUERRA, 2005. p. 132).

309 “Há quem veja no caso uma função reguladora judicante, de natureza jurisdicional ou, ao menos, 'quase- jurisdicional'. A decisão da agãncia reguladora constitui 'hipótese típica de ato administrativo'. Ao analisar o caráter do CADE de órgão 'quase-judicial', Fábio Ulhoa Coelho não titubeia: 'Mas a solenidade com que procura revestir seus julgamentos e o detalhamento legislativo da disciplina de tramitação de seus processos administrativos não são fatores suficientes para alterar a qualidade jurídica dos atos emanados do CADE. A sua natureza é igual à dos atos emanados dos demais órgãos administrativos'” (DIDIER JR. 2009. p. 81). 310 Vide incisos do Artigo 4º, da Lei n. 9.961, de 28 de janeiro de 2000.

impositiva de penalidade ao agente regulado, surge a possibilidade de adoção, por parte da agãncia reguladora, de um denominado acordo substitutivo da sanção, de modo que, substituindo a unilateralidade do decisum, prefira-se, por meio da consensualidade entre os entes envolvidos, a satisfação dos interesses envolvidos. Em outras palavras, tal consenso é firmado diretamente ou por intermédio de provocação do interessado, desde que a proposta de acordo seja mais vantajosa ao interesse público primário do que uma eventual sanção imposta unilateralmente pelo órgão regulador, primando-se pela justa composição dos interesses311.

Tal instituto do acordo substitutivo vem previsto, inclusive, na própria lei de criação dos planos de saúde, de n. 9.656/1998, já tratada, mais precisamente em seus artigos 29312 e

29-A313, segundo os quais é possível a celebração de um termo de compromisso junto às

operadoras, em substituição à imposição de infrações ou sanções unilateralmente pela Agãncia Nacional de Saúde Suplementar - ANS, desde que tal termo ou acordo implique em vantagens para os consumidores e garanta a qualidade dos serviços de assistãncia à saúde, o

311 Reforçando a maior eficácia das soluções consensuais relativamente às soluções impostas, frise-se que: “A crescente importância dos instrumentos consensuais na governança moderna vem alicerçada em sólidas premissas: aprimorar a governabilidade pelo incremento da eficiãncia; reduzir o abuso de poder pela ampliação do controle de legalidade; facilitar a aceitação da decisão pela participação legitimatória; melhorar o atendimento dos interesses envolvidos, aperfeiçoando a licitude; elevar o senso de responsabilidade dos administrados sob a res publica, resultando no aperfeiçoamento do civismo, e garantir maior aceitabilidade social, do que resulta incremento na ordem” (MOREIRA NETO, 2003. p. 110).

312 Lei n. 9.656/1998, Artigo 29: “As infrações serão apuradas mediante processo administrativo que tenha por base o auto de infração, a representação ou a denúncia positiva dos fatos irregulares, cabendo à ANS dispor sobre normas para instauração, recursos e seus efeitos, instâncias e prazos. §´1º O processo administrativo, antes de aplicada a penalidade, poderá, a título excepcional, ser suspenso, pela ANS, se a operadora ou prestadora de serviço assinar termo de compromisso de ajuste de conduta, perante a diretoria colegiada, que terá eficácia de título executivo extrajudicial, obrigando-se a: I - cessar a prática de atividades ou atos objetos da apuração; e II - corrigir as irregularidades, inclusive indenizando os prejuízos delas decorrentes. § 2º O termo de compromisso de ajuste de conduta conterá, necessariamente, as seguintes cláusulas: I - obrigações do compromissário de fazer cessar a prática objeto da apuração, no prazo estabelecido; II - valor da multa a ser imposta no caso de descumprimento, não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e não superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) de acordo com o porte econômico da operadora ou da prestadora de serviço. § 3º A assinatura do termo de compromisso de ajuste de conduta não importa confissão do compromissário quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta em apuração. § 4º O descumprimento do termo de compromisso de ajuste de conduta, sem prejuízo da aplicação da multa a que se refere o inciso II do § 2o, acarreta a revogação da suspensão do processo. § 5º Cumpridas as obrigações assumidas no termo de compromisso de ajuste de conduta, será extinto o processo. § 6º Suspende-se a prescrição durante a vigãncia do termo de compromisso de ajuste de conduta. § 7º Não poderá ser firmado termo de compromisso de ajuste de conduta quando tiver havido descumprimento de outro termo de compromisso de ajuste de conduta nos termos desta Lei, dentro do prazo de dois anos. § 8º O termo de compromisso de ajuste de conduta deverá ser publicado no Diário Oficial da União. § 9º A ANS regulamentará a aplicação do disposto nos §§ 1º a 7º deste artigo”.

313 Lei n. 9.656/1998, Artigo 29-A: “A ANS poderá celebrar com as operadoras termo de compromisso, quando houver interesse na implementação de práticas que consistam em vantagens para os consumidores, com vistas a assegurar a manutenção da qualidade dos serviços de assistãncia à saúde. § 1º O termo de compromisso referido no caput não poderá implicar restrição de direitos do usuário. § 2º Na definição do termo de que trata este artigo serão considerados os critérios de aferição e controle da qualidade dos serviços a serem oferecidos pelas operadoras. § 3º O descumprimento injustificado do termo de compromisso poderá importar na aplicação da penalidade de multa a que se refere o inciso II, § 2º, do art. 29 desta Lei”.

qual suspende, inclusive, o desenvolvimento do processo administrativo encarregado da apuração de infrações e do sancionamento dos entes regulados, nos termos já denotados.

À luz disso e tendo em vista, notadamente, tal elenco tríplice de funções atribuídas às agãncias reguladoras pátrias, não subsistem dúvidas acerca da importância maior de cada uma delas, quer individual ou conjuntamente, ao ãxito da regulação consagrada com a emergãncia do Estado Regulador. Em outras palavras, fundamental ressaltar que, porquanto alicerçadas na autonomia e no conhecimento técnico das agãncias reguladoras, as funções executiva, normativa e compositiva conferidas às autarquias regulatórias se complementam, desempenhando um papel inegável rumo ao ãxito da regulação setorial e, igualmente, à estabilidade e ao progresso do segmento privado objeto da intervenção estatal. Nesse substrato, salutar um exame prático e recente da regulação pela ANS, a fim de se delinear os principais avanços e desafios e, consequentemente, propor reformas setoriais condizentes com a harmonização dos interesses envolvidos e, ainda, com a concretização do acesso à saúde.

5.4 A INTENSIFICAÇÃO DA REGULAÇÃO DA ANS COMO GARANTIA DA