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O papel reforçado mediação nas hipóteses de suspensão

CAPÍTULO III DO INÍCIO DO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO:

7. Formas de encerramento do inquérito tutelar educativo

7.2. A suspensão do processo

7.2.1. O papel reforçado mediação nas hipóteses de suspensão

A figura da mediação encontra-se umbilicalmente ligada ao conceito de justiça reparadora ou restaurativa como forma de resolução de conflitos no âmbito dos processos tutelares educativos,

sendo concebida como uma nova modalidade de resposta à delinquência juvenil206 – porquanto se

205 RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 197 (artigo 87º, § 2).

206 Exemplo vivo do que se acaba de referir é a Recomendação nº R(87)20, sobre as Reações Sociais à Delinquência Juvenil, adotada pelo Conselho

da Europa, em 1987, onde se apela ao desenvolvimento de procedimentos de mediação (ponto 2), conferindo especial destaque às medidas que comportam a reparação do dano causado pelo facto. Nesta matéria, urge igualmente assinalar a organização de um Seminário pela Associação Internacional dos Magistrados da Juventude e da Família subordinado ao tema “Delinquência dos jovens – Novas reacções” – cujas atas estão

“lógica “ou punição ou protecção”, em que até então os sistemas jurídicos estavam enveredados”207. pretendendo-se que o menor “tome uma melhor consciência da dimensão e valor dos prejuízos provocados pelos seus atos e assuma efetivamente a responsabilidade dos mesmos, através da sua

participação direta e ativa na resolução do conflito gerado”208.

De acordo com Clara Albino, “o enquadramento legal da mediação não a configura como uma via extrajudicial de resolução de conflitos tutelares educativos, nem define claramente os seus contornos, o que tem permitido interpretações diversas quanto à sua utilização, definindo-se apenas que a mesma possa ser determinada pela autoridade judiciária para a realização das finalidades do

processo e com os efeitos previstos na lei”209, o que deixa em aberto uma ampla margem de

discricionariedade quanto ao seu procedimento. Esta falta de clarificação legal do regime da

publicadas em Nouvelles tendances dans le Droit Pénal des Mineurs – Médiation, travail au profit de la communauté et traitement Intermédiaire, ed. Frieder Dünkel et Jean Zermatten, Rapports criminologiques de l’institut Max Planck de Dróit Étranger et International, Tome 42, Freiburg, 1990 – com o sentido de perceber quais os procedimentos que os países europeus estavam a adotar para dar cumprimento a essa Recomendação. Note-se que, de acordo com as conclusões sumariadas neste Seminário, a mediação, ao ter em vista a reconciliação do delinquente com a vítima e ao proporcionar a esta uma satisfação moral ou uma compensação material pelos danos sofridos, constitui um meio privilegiado de apaziguar o conflito causado pelo crime e de restaurar a paz social. Entendimento que foi integralmente acolhido pelas Guidelines of the Committee of Ministers of the Council of Europe on Child-friendly justice, ao estabelecer na Parte IV, B (pontos 24 a 26) orientações destinadas ao recurso da mediação, como alternativa ao procedimento judicial, esclarecendo ainda que o uso desta não deve constituir um obstáculo ao direito da criança de acesso à justiça. No mesmo sentido, também as Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração da Justiça de Menores – “Regras de Pequim” –, recomendadas pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1985, através da Resolução nº 40/33, vieram preconizar a utilização dos recursos extrajudiciais como forma de superar o formalismo judicial no tratamento da delinquência juvenil – concretamente através da mediação vítima-autor –, obliterando a estigmatização e o tratamento institucional dos jovens, motivando-os à responsabilização pela reparação dos danos causados e favorecendo sentimentos de solidariedade social. De igual modo, também os Princípios orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil – “Diretrizes de Riade” –, recomendadas pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1990, através da Resolução nº 45/112, conferiram importância às políticas de prevenção da criminalidade, tendo em conta os diversos factores de socialização do jovem, sendo realçado o caráter fundamental de medidas que evitem criminalizar e penalizar jovens por comportamentos que não causem danos sérios ao seu desenvolvimento ou que não prejudiquem terceiro. Mais recentemente, o Conselho Económico e Social das Nações Unidas aprova a Resolução ECOSOC 2007/23, sobre a reforma da justiça de crianças e jovens, exortando os Estados a estimular a utilização de mecanismos de desjudicialização, de justiça restaurativa e de medidas substitutivas do internamento.

207 cfr. GERSÃO,Eliana; CAMPOS, Maria Cecília Monteiro–“A Justiça Reparadora e a Lei Tutelar Educativa: Princípios e Práticas”. In Volume comemorativo

dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora. 2008. p. 240.

208 cfr. MARTINS, Nádia Marcela Ferreira – A Mediação na Lei Tutelar Educativa. Braga: Universidade do Minho, 2014. Dissertação de Mestrado. p. 55.

No mesmo sentido, veja-se FRAENE, Dominique de–“La priorité à l’offre restauratrice… Les convoyeurs attendent-ils?” In La Reforme de La Loi du 8 Avril 1965, Relative à la Protection de la Jeunesse – Premier Bilan et Perspectives D’avenir – Actes du Colloque dês 31 Mai et ler Juin 2007. Editons Jeunesse et Droit, Collection du Centre interdisciplinaire dês droits de l’enfant, 2008. p. 119.

209 cf. ALBINO, Clara – “Primeiros passos em Portugal”. In Protecção e Promoção dos Direitos das Vítimas de Crimes na Europa – Seminário Internacional

DIKÊ. Associação Portuguesa de Apoio à Vítima: Lisboa. p. 61, em consonância com a PropLTE, que refere tratar-se “de uma fórmula com reduzida tradição entre nós e com suportes institucionais ainda ténues, o diploma deixa uma ampla margem de discricionariedade na sua utilização que se espera poder frutificar com a capacidade e a imaginação de instituições públicas e privadas que venham a criar-se”.

mais detalhada regulamentação, a qual ajudaria, certamente, a que este mecanismo fosse mais utilizado, podendo então discutir-se se a mediação pode ou não ser usada fora do processo e em que situações.

Na jurisdição tutelar educativa, a cooperação dos serviços de mediação encontra expressa

consagração legal no artigo 42º, em sede dos princípios gerais do processo tutelar211. De acordo com

este normativo, o recurso à mediação depende da determinação da autoridade judiciária212, podendo

ter lugar por “iniciativa do menor, seus pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de facto ou defensor” (nos 1 e 2).

A possibilidade de recurso aos serviços de mediação pode ter lugar na fase de inquérito, onde assume relevo significativo no âmbito da suspensão do processo213, de modo a permitir a elaboração e execução de um plano de conduta que o menor se comprometará a cumprir, de acordo com o preceituado no artigo 84º, nº3. Entende-se que, neste caso, “A Mediação surge enquadrada

210 De entre os constrangimentos detetados no recurso à mediação, veja-se CELSO MANATA,“Lei Tutelar Educativa – desafios da sua aplicação prática –

Breves notas de trabalho”. In Intervenção Tutelar Educativa [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015. [Consult. 11 mar. 2016]. Disponível na internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Intervencao_Tutelar_Educativa.pdf, p. 413, o qual entende que: “as boas intenções do legislador estão por cumprir, existindo um desafio que carece de alterações legislativas, mas sobretudo de urna atitude diversa dos tribunais. De facto, e começando pelo legislador, este importante mecanismo de desjudicialização está previsto no artigo 42° da LTE de forma muito tímida e surge apenas como forma de alcançar uma suspensão do processo (artigo 84°, n° 3) ou de obter um consenso quanto à medida a aplicar na audiência preliminar”. No mesmo sentido, vem ANA PAULA VIEIRA LOPES PIMENTEL, Mediação Penal Juvenil: um novo paradigma de resposta à

delinquência. Braga: Universidade do Minho, 2015. Dissertação de Mestrado. p. 74, destacar a “evidente incapacidade do sistema ordinário de justiça em responder satisfatoriamente às necessidades típicas do processo que envolve os menores, face à sua lentidão e ausência de uma intervenção que evidencie o carácter responsabilizador da medida aplicada”. No mesmo sentido, veja-se SARA RAQUEL DE MIRANDA SARILHO, Lei Tutelar Educativa: A

Mediação. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2013. Dissertação de Mestrado. pp. 136 e ss e, também, CRISTINA CARVALHO;

SUSANA CASTELA;ANA VIEIRA,“Um contributo para a reflexão sobre a intervenção nas medidas tutelares não institucionais”. In FONSECA, António Carlos

Duarte [et. al.] [coord.] – Direito das Crianças e Jovens. Actas do Colóquio. Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2008. pp. 455 e ss.

211 Como observa ANTÓNIO FARINHA, “A Mediação no processo tutelar educativo”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito Tutelar de Menores – o

sistema em mudança. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 152, a inserção sistemática da mediação no elenco dos princípios gerais do processo tutelar educativo leva a que se possa interpretar esta disposição legal como um claro incentivo à “promoção e à valorização de soluções consensuais por via da mediação”. Com efeito, permitindo esta disposição legal o recurso à mediação tendo em vista a realização das finalidades do processo, entende-se que “não existe qualquer limitação ao recurso a este método em qualquer momento processual” – cf. BARROS, Diana Marisa Gonçalves de – A Mediação

na Lei Tutelar Educativa: a caminho de um modelo de justiça restaurativa? Braga: Universidade do Minho, 2016. Dissertação de Mestrado. p. 100.

212 Cabe enfatizar, a este propósito, JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. pp. 142-143, que destaca esta exigência de

determinação pela autoridade judiciária, para o recurso à mediação, de forma a “evitar expedientes dilatórios ou prevendo-se uma intervenção mediadora pouco frutuosa”, pensada – mas não necessariamente – para os casos “em que o jovem tem um longo percurso de prática de factos qualificados como crime, resultando infrutíferas as medidas aplicadas anteriormente para o afastar da prática desse facto)”.

213 Iremos ver ainda neste capítulo, aquando da análise das formas de encerramento do processo tutelar educativo, que a Exposição de Motivos da

PropLTE refere como “contradição do sistema protecionista (…) o pensar que, sendo o menor apenas objecto de medidas de protecção, o facto se apresenta como meramente sintomático e, por isso, não carecido de julgamento em sentido próprio” – problemática à qual voltaremos, dedicando especial atenção, aquando da análise dos pressupostos da intervenção tutelar educativa, mormente o da prova da prática, por menor com idade entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime – cf. infra pp. 83 e ss.

resolução do conflito, supondo a participação voluntária das pessoas envolvidas na mediação”215. Nesta perspetiva, poder-se-iam alcançar as finalidades da intervenção tutelar “antes do términus normal do processo, não sendo por isso de descurar as vantagens que daí adviriam em termos de

economia processual e de afastamento dos jovens do sistema judicial”216.

Uma das principais críticas comumente apontadas ao artigo 84º, nos 1 e 3 diz respeito ao facto deste normativo induzir uma total ausência da vítima, não obstante esta poder ser o alvo imediato do plano de conduta (principalmente quando abrange medidas de caráter reparador, como

é o caso das alíneas b) e d) do nº4)217. Coloca-se, então, a questão de saber se a vítima não deve ser

ouvida no desenrolar do processo e, nessa medida, participar de forma ativa e direta na conclusão do plano que vai ser posteriormente apresentado ao MP. A resposta a esta questão não colhe consensos na doutrina, havendo quem defenda que a audição e consequente participação da vítima na elaboração do plano de conduta, tendo em vista da suspensão, “poria nas mãos da vítima a possibilidade prática de haver ou não a suspensão do processo, instituto este que se encontra desenhado no interesse do menor no sentido de ser evitada a sua estigmatização por assim não vir a, potencialmente, ser presente a tribunal218. Pugnando em sentido diverso, há quem sustente a participação da vítima na feitura do plano de conduta, porquanto o seu envolvimento constitui “uma das bases fundamentais da mediação”, pelo que “não parece configurável que esta se encontre

afastada da elaboração do plano que contém diretrizes que a afetam diretamente”219.

Segundo os dados divulgados pela DGRSP, em 2012, o número de pedidos de intervenção dos serviços de mediação em matéria de execução do plano de conduta em ordem à suspensão do

214 Cf. CASTELA, Susana – "Abordagem a aspectos teórico-práticos da mediação em processo tutelar educativo". In Sub Judice – Justiça e Sociedade

(Justiça Restaurativa). Lisboa. ISSN 0872-2137. nº 37 (2006). p. 95.

215 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar…. ob. cit. p. 137.

216 cf. por todos, ANABELA QUINTANILHA, “Um olhar sobre a Mediação com menores na Lei Tutelar Educativa”. In Volume comemorativo

dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora. 2008. pp. 172-173, ao destacar os aspetos positivos do recurso à mediação na fase de inquérito “as finalidades do processo tutelar educativo podem,

em certos casos e, sobretudo, se houver recurso à mediação, ser alcançadas antes do términus normal do processo, não sendo por isso de descurar as vantagens que daí adviriam em termos de economia processual e de afastamento dos jovens do sistema judicial”. Acresce, ainda, que “o mediador, utilizando técnicas adequadas, estabelece a comunicação entre menor e ofendido num clima informal, de respeito e segurança, como é pressuposto dum serviço de mediação, e nesse contexto faz brotar as respostas que sejam simultaneamente reparadoras dos danos causados à vítima e educativas para o menor”.

217 Cf. ALBUQUERQUE, Teresa L.; ROBALO, Sousa – “Dois modelos de Justiça: Restaurativa: a Mediação Penal (adultos) e os Family Group Conferences

(menores e jovens adultos)”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. Ano 22, nº 1 (2012). pp. 118-119.

218 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar…. ob. cit. p. 199. 219 Cf. BARROS, Diana Marisa Gonçalves de – A Mediação na Lei Tutelar Educativa…” ob. cit. p. 103-105.

se verificou a taxa mais elevada, em evidente contraste com as regiões do Alentejo e Algarve220, dado cuja expressividade nos permite, seguramente, de ter repercussão

No que concerne à fase jurisdicional, pode o juiz, na audiência preliminar, não tendo obtido acordo quanto à medida proposta pelo MP, “determinar a intervenção dos serviços de mediação e

suspender a audiência por prazo não superior a 30 dias”. Em ambos os casos, este recurso encontra a sua génese no facto de auxiliar os jovens e a sua família, bem como o Tribunal na construção de

um plano de conduta que constitui fundamento de suspensão do inquérito tutelar educativo. A opinião dos operadores relativamente ao funcionamento e eficácia da mediação também não gera consensos. Assim, enquanto alguns magistrados defendem que a mediação está a ser utilizada com sucesso, outros afirmam que ainda há um longo caminho a percorrer.