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CAPÍTULO III DO INÍCIO DO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO:

4. O regime jurídico da prova

4.2. Os meios de obtenção de prova

Especificamente em matéria relacionada com a intervenção tutelar educativa,

valem como meio de obtenção de prova a informação e o relatório social174, em conformidade com o

disposto no artigo 71º. Ambos assumem um relevo incontornável em toda a condução do processo, na medida em que visam “auxiliar a autoridade judiciária no conhecimento da personalidade do menor, incluída a sua conduta e inserção sócio-económica, educativa e familiar” (nº2), devendo versar “sobre factos cujo conhecimento seja estritamente indispensável para averiguar a necessidade de correcção da personalidade do menor manifestada no facto”.

Fazendo, desde já, ressaltar as diferenças entre ambos, dir-se-á que o relatório social é ordenado oficiosamente pela autoridade judiciária e elaborado pela DGRSP – entidade que presta

auxílio ao Tribunal em todo o processo175 –, devendo ser apresentado no prazo de 30 dias (nº4)176.

174 Do ponto de vista internacional, urge considerar as Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração da Justiça de Menores – “Regras

de Pequim” –, recomendadas pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, adotadas pela

Assembleia Geral da Nações Unidas em 1985, através da Resolução nº 40/33, ao estabelecer, na sua regra nº 16, que: “Para facilitar o julgamento do caso pela autoridade competente e a menos que se trate de infracções leves, antes da autoridade competente tomar a decisão final que

precede a sentença, os antecedentes do menor, as condições em que vive e as circunstâncias em que o delito foi cometido são objecto de um inquérito profundo”. Reforçando este entendimento, veja-se também as Guidelines of the Committee of Ministers of the Council of Europe on Child-friendly justice [Em linha]. Strasbourg: Conselho da Europa, 2011, nomeadamente a guideline 16, ao referir que: “Com total respeito pelo direito da criança à vida privada e familiar, deve ser encorajada cooperação estreita entre diferentes profissionais com vista a obter um entendimento compreensivo da criança assim como uma avaliação da sua situação psicológica, social, emocional, física e cognitiva”. Neste contexto, importa igualmente assinalar as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso YVONNE BAILEY CONTRA O REINO UNIDO, de 19 de janeiro de 2010 e ÇOSELAV CONTRA A TURQUIA, de 9 de outubro de 2012, que são demonstrativas, a nosso ver, da importância da correta análise mediante relatórios técnicos, aferindo a concreta situação dos jovens infratores. ***

175 Convém contextualizar. O primeiro serviço da administração central no setor da Justiça dedicado à intervenção junto de crianças e jovens envolvidas

na prática de factos qualificados pela lei penal como crime foi criado em 1919. Já entre 1925 e 2012 manteve-se a existência de um serviço de justiça juvenil autónomo, integrado na estrutura do Ministério da Justiça, algo que deixou de existir em 2012, devido à fusão entre a Direção-Geral de Reinserção Social com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, criando-se uma nova entidade, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Na sequência da aprovação da Lei Orgânica do Ministério da Justiça, constante do DL nº 146/2000, de 18 de julho, que se atribuiu ao Instituto de Reinserção Social (IRS) o apoio técnico aos tribunais na tomada de decisões do processo tutelar educativo (artigo 19º, nº3, alínea b)) e a execução de medidas tutelares educativas (artigo 19, nº3, alínea c)). Na sequência do Programa de Acão para a Entrada em vigor do Direito de Menores, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 108/2000, de 19 de agosto, que se assumiu o compromisso de reorganizar o Instituto de Reinserção Social até dezembro de 2000, tendo sido, mais tarde, aprovada a Nova Lei Orgânica do Instituto de Reinserção Social, constante do DL nº 204-A/2001, de 26 de julho. Neste diploma, reforçou-se a organização do IRS para dar resposta a desafios essenciais no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e, com especial impacte nos serviços de reinserção social, a Lei Tutelar Educativa. **

176 Em tom assumidamente crítico, JOÃO PEDROSO,“A Reforma do “Direito de Menores”: A Construção de um “Direito Social”? (A intervenção do Estado

e da Comunidade na Promoção dos Direitos das Crianças)”. In Oficina do CES. Coimbra. nº 121 (1998). p. 5, não deixou de alertar para a situação criada no Tribunal de Menores de Lisboa, em que os processos aguardavam, em determinadas situações e sem existir outras diligências, mais de um ano pela realização de relatórios sociais, deixando em aberto a necessidade de repensar as funções dos relatórios sociais e, consequentemente, os

à Direção-Geral de Reinserção Serviços Prisionais ou outros serviços públicos ou entidades privadas177, tendo de ser apresentada no prazo de 15 dias (nº3).

Note-se que a informação prevista neste dispositivo legal não se confunde com a informação a transmitir pelos OPC, nos termos do artigo 73º, nº2, que prevê os casos em que a denúncia ou a transmissão de denúncia pelos OPC é acompanhada, sempre que possível, por informação sobre a conduta anterior do jovem e a sua situação familiar, educativa e social.

Ao permitir um melhor conhecimento do percurso e enquadramento sócio-familiar e educativo do jovem, o relatório ganha acentuada visibilidade na organização formal do processo tutelar educativo, repercutindo-se na fase de inquérito, ao servir para o MP fundamentar as suas decisões de suspensão de processo, de arquivamento e de abertura da fase jurisdicional, como também na fase jurisdicional, ao fundamentar a decisão de arquivamento do processo ou a aplicação de medida tutelar178.

Do mesmo modo, serve pai também para o Juiz fundamentar a decisão sobre a substituição e cessação da medida cautelar de guarda em centro educativo. A averiguação de tais condições é,

pois, amplamente justificada neste âmbito, desde logo, para se ajuizar da necessidade de correção da personalidade do menor, isto é, da sua educação para o direito e a consequente escolha e

determinação da duração da medida a aplicar179. Mas não só. Igualmente os casos em que se

perspetiva a aplicação de uma medida de internamento em regime aberto ou semiaberto.

critérios legais da sua solicitação. Embora

177 Como refere JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. pp. 252-253, apesar desta informação ser elaborada pela Direção-

Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, certo é que essa incumbência pode recair sobre outras entidades, públicas ou privadas, tais como a Segurança Social, Juntas de Freguesia, Comissões de Proteção e até Órgãos de Polícia Criminal. Também se pode incluir, neste núcleo, as instituições, públicas ou privadas, onde se encontram acolhidos jovens ao abrigo de medidas de proteção. Refletindo e tecendo considerações a propósito da atuação da GNR em matéria de delinquência juvenil,

178 cfr. pela ordem supra indicada, os artigos 84º, 87º, nº1, alínea c), 89º, 90º, alíneas d) e e), 93º, nº1, alínea b) e 110º, nº2, 104º, nº4 e 5, 110º, nº2

e 3, alínea b), respetivamente.

179 No encontro de magistrados do MP de 19/11/2007 e 14-25/01/2008 abordou-se o problema da realização de relatório social com avaliação

psicológica, nos termos do artigo 71º, nº 5 da LTE, no que respeita aos procedimentos a adoptar perante a falta de adesão do menor. Assim, quais os procedimentos a adoptar perante a falta de adesão do menor, verbi gratia em caso de ausências injustificadas às sessões marcadas pela DGRS? Sem prejuízo de ser ponderada a aplicação de medida cautelar se estiverem reunidos os respectivos pressupostos - e para além das sanções pecuniárias a aplicar aos representantes legais, no quadro do artigo 116º, nº 1 do CPP, aplicável ex vi do artigo 128º, nº 1 da LTE –será caso de lançar mão do mecanismo detentivo previsto no mesmo preceito do Código de Processo Penal. Deve ser, também, ponderada a realização de perícia sobre a personalidade, ainda que possa não estar em causa a aplicação de internamento em regime fechado, pois a mesma poderá ter lugar fora dos casos consignados no artigo 69º da LTE. Com efeito, será este um meio de, em última análise, obter a detenção do menor (artigo 51º, nº 1, c) da LTE), perfeitamente justificável sempre que as suas ausências injustificadas às sessões do IRS e a incapacidade dos seus guardiães para o conter sejam indiciadoras de carências graves em sede de educação para o direito. Formulou-se a seguinte orientação: Quando haja sido determinada a realização de relatório social com avaliação psicológica relativamente a menor que revele comportamento de não conformidade com os objectivos, nesse âmbito,

que, no âmbito da intervenção tutelar, a requisição do relatório social pode ser ordenada em qualquer

altura do processo, pelo MP ou pelo Juiz, dependendo da fase em que se encontrar180 – tal é, pelo

menos, o que se depreende do teor literal do vertido nº 4 do artigo 71º – estando inclusivamente prevista na lei a possibilidade de se requerer a sua atualização ou informação complementar, ouvindo-se, em esclarecimentos e sem ajuramentação, os técnicos que o subscreveram (nº4)181 – que se compreende, na medida em que poderá vir a fundamentar uma das decisões anteriormente enunciadas.

Remetendo-nos, agora, para o regime processual penal, é sabido que as informações e o relatório social não constituem meios de obtenção de prova ao abrigo das disposições contidas no CPP, configurando antes meios de obtenção de informação para a escolha e determinação da medida da sanção que possa vir a ser aplicada. Assim, segundo o artigo 1º, alíneas g) e h) do CPP, por relatório social entende-se “a informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei”; por seu turno, a informação dos serviços de reinserção social é vista como “a resposta a solicitações concretas sobre a situação pessoal, familiar, escolar, laboral ou social do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo referido na alínea anterior, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei”. Na esteira de Paulo Pinto de Albuquerque, “A noção de relatório social e a noção de informação dos serviços de reinserção social são distintas, mas próximas. Ambos os documentos prosseguem o objectivo de auxiliar o tribunal no conhecimento da personalidade do arguido. Ambos são elaborados pelos serviços de

propostos pela DGRS, designadamente faltando às sessões a que deva ser submetido, de forma reiterada ou susceptível de inviabilizar essa avaliação, deve o MP ponderar da sujeição do mesmo a perícia sobre a personalidade, nos termos do artigo 68º, nº 2 da LTE – ainda que não haja susceptibilidade de o sujeitar a medida tutelar educativa de internamento em regime fechado – e, mesmo, caso se verifiquem os respectivos pressupostos, a aplicação de medida cautelar de guarda em CE.

180 Ressalvados os casos em que a requisição do relatório social com avaliação psicológica é obrigatória, como sucede nos casos em que se perspetiva

a aplicação ao menor da medida tutelar de internamento em regime aberto ou semiaberto, nos termos do artigo…

181 Chamando a nossa atenção para este número, a Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos, no seu Relatório Final

(Secção C, nº 7), entendeu que: “Os esclarecimentos que os técnicos de reinserção social sejam instados a prestar, no processo, sobre os relatórios e informações por si elaborados não constituem prova (nomeadamente testemunhal) nem meios de prova (pois não se trata de emitir um “parecer” dotado de elaboração técnica)”. Assim sendo, “são meros esclarecimentos sobre meios de obtenção de prova, pelo que os técnicos, ao prestá-los, não são ajuramentados”.

contexto da vida familiar”182.

Ao contrário do que sucede no processo tutelar – em que a requisição do relatório social pode ser ordenada em qualquer fase do processo –, no âmbito do processo penal, levanta-se a questão da obrigatoriedade da sua requisição, tendo sido suscitada junto do TC a sua inconstitucionalidade, no Acórdão nº 182/99, de 22/03/1999.

Da enunciação dos meios de obtenção de prova que são específicos da LTE, emerge uma outra questão que, assumindo relevo incontestável nesta matéria, não pode deixar de ser por nós considerada. Assim, em inquérito tutelar educativo será lícito o recurso aos meios de obtenção de prova consagrados no CPP, designadamente revistas, buscas e escutas telefónicas? Pese embora a LTE consagre meios de obtenção de prova próprios, pelo facto desta intervenção proporcionar uma ação sobre o jovem que contribua para que ele respeite, no futuro, os valores essenciais da vida em comunidade, fica precludido o direito de se lançar mão de outros meios regulados no CPP? Pugnando pela posição num sentido afirmativo, que exerce as funções de juiz de instrução?

Ao nível doutrinário, a posição maioritária tende aceitar a admissibilidade de aplicação dos meios de obtenção de prova específicos do regime processual penal no domínio do processo tutelar educativo183.

Esta questão foi debatida no âmbito do II Encontro Anual do Ministério Público na Área de Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital do Porto184, tendo sido apresentadas e discutidas posições antagónicas, cuja sustentação se nos impõe, agora, analisar. Constatou-se, pois, que não existia uma posição unânime entre os Magistrados, tendo-se revelado entendimentos diversos: de um lado, uma parcela de Magistrados pugnava pela não aplicação dos meios de obtenção de prova previstos no CPP no processo tutelar educativo; por seu turno, uma outra parcela de Magistrados entendia que são admissíveis em sede de inquérito tutelar todos os meios de obtenção de prova condensados no regime processual penal. Naturalmente que cada uma das posições se encontrou alicerçada em fundamentos distintos: a primeira hipótese apela às disposições legais contidas no

182 cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código de Processo Penal… ob. cit. pp. 40 e ss.

183 Vide RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar…. ob. cit. p. 171, ao afirmar que “Aos meios de

obtenção de prova previstos no processo penal aditam-se (...)”; por sua vez, também JÚLIO BARBOSA E SILVA,Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit.

pp. 225-226, ao afirmar que “São, assim, meios de obtenção de prova no âmbito da LTE, uns por si, outros por força do disposto no artigo 128º da LTE (...)”.

184AA.VV. – II Encontro Anual do Ministério Público na Área de Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital do Porto. [Em linha]. Porto: Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa, 2009. [Consulta: 15 de fevereiro 2016]. Disponível na internet: https://www.pgdporto.pt/proc- web/AttachmentViewerServlet?id=1901. pp. 39-44.

matéria da prova. Afirma, para o efeito, que: “Ao longo de tais normas está sempre presente, por um lado, a verificação do facto criminoso praticado por menor (entre os 12 e os 16 anos de idade) e, por outro lado, a necessidade de educar o menor para o direito, pressupostos estes que enformam todo o processo tutelar educativo”185 – e que constituem objetivos do inquérito tutelar, nos termos e para os efeitos do plasmado no artigo 75º, nº2. Com efeito, entende-se que a finalidade perseguida pela LTE – a educação do menor para o direito –, não se pode compatibilizar com o recurso aos meios de obtenção de prova previstos no CPP, desde logo, porque a sua lógica de intervenção não se confunde com a intervenção penal, havendo uma construção distinta entre ambas e que já deixámos anteriormente expressa. Deste modo, contrariamente ao que sucede na intervenção penal, a LTE possui uma função de socialização, sendo que a função de segurança assume aqui uma perspetiva de segundo plano. Assim, tratando-se os meios de obtenção de prova de um instrumento específico do processo penal, cuja finalidade última é, entre outras, a realização da justiça e a conquista da verdade material, essa finalidade é colocada em segundo plano. Assim, porque a intervenção tutelar educativa não tem uma finalidade retributiva do mal do com o mal de uma pena, a intervenção do Estado justifica-se pela imperiosa necessidade de remediar um défice de

conformação ao dever-ser jurídico mínimo e essencial socialmente reinante186.

Por outro lado, suscita-se a aplicabilidade do disposto no artigo 128º, ao estabelecer a aplicação subsidiária da legislação processual penal no processo tutelar educativo, em todas as matérias não expressamente reguladas na LTE. No entanto, não existindo uma norma que, expressamente, proíba o recurso aos meios de obtenção de prova condensados no CPP, dir-se-á, por princípio, que é lícito fazê-lo.