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A luta de classes e os contrassensos interpretativos da questão agrária

LEC/UFBA

3 A PROBLEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS SOCIOESPACIAIS FRENTE AO DESAFIO DE FORMAR PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO

3.1 AS BASES TEÓRICAS DA PROBLEMATIZAÇÃO DA PRÁTICA SOCIOEPACIAL NA CONJUNTURA DA LUTA DE CLASSES

3.2.2 A luta de classes e os contrassensos interpretativos da questão agrária

O avanço do capitalismo no campo fez com que grande parte das propriedades fundiárias entrasse na produção mercantil. Aos poucos, aconteceu o processo de “dissolução das diferenças entre capitalista e proprietário, de modo que, no todo, só se apresentam, portanto, duas classes de população, a classe trabalhadora e a dos capitalistas” (MARX, 2004, p. 74).

No entanto, o campo, no capitalismo, não foi nem é produzido exclusivamente pela relação capital trabalho, nem tampouco é constituído exclusivamente pelas grandes propriedades capitalistas – nele também resistem e existem os pequenos proprietários, os camponeses. A industrialização e a inserção do campo na lógica produtiva do capital não proletarizou todos os sujeitos que não são proprietários do capital, o que demarca a existência do campesinato, fato que tem despertado interesse pelos estudos acerca da questão agrária, tendo em vista compreender a lógica que rege a dinâmica socioespacial dos camponeses e do campesinato no contexto do Modo de Produção Capitalista.

De acordo com Oliveira (1990), o espaço rural é, hoje, o resultado das próprias condições contraditórias do capitalismo, pois ele foi ganhando seus contornos e se constituindo a partir da unidade dialética latifúndio e campesinato. O latifúndio é a estrutura social da qual a agropecuária se incorporou à indústria, formando o agronegócio. E o que

aconteceu com o camponês e seu campesinato? A maneira como o camponês convive com o capital deu origem a vários estudos, e deles emergiram dois modelos que tentam explicar essa relação: o paradigma do capitalismo agrário e o paradigma da questão agrária.

Para os defensores do paradigma do capitalismo agrário, os problemas agrários criados pelo capitalismo serão solucionados por ele próprio, ou seja, não existe uma questão agrária no capitalismo. Eles compreendem que o capitalismo, ao se expandir, modifica as relações sociais e cria novas formas de extração da mais-valia. Nessa conjuntura, parte do campesinato se tecnificou, integrando-se ao capital, e outra parte não resistiu, sendo eliminada do campo devido à sua estagnação tecnológica, incorporando-se aos proletários.

Contudo, há de se considerar a dimensão da intencionalidade de destruir a concepção da pequena propriedade, com todo seu caráter propositivo, para considerá-la como microempresa de gestão e de mão de obra familiar, apêndice do agronegócio. Essa perspectiva defende que a reprodução do capital conseguiu submeter todos os camponeses à sua lógica; assim, o produtor de subsistência foi metamorfoseado em produtor de mercadorias e se tornou submisso à lógica da sociedade industrial a partir da incorporação das mudanças nas relações sociais e das inovações tecnológicas. Por conseguinte, o camponês transformou-se em agricultor familiar, deixou de ser um modo de vida e se transformou numa profissão, enquadrando-se às exigências das leis do mercado. Por isso, na análise dos defensores de tal paradigma, não existe luta de classes, não existem conflitos nem conflitualidades no campo – o capitalismo incorpora todos pacificamente.

Felício (2011) fez um estudo detalhado acerca das produções acadêmicas que contribuem para o debate de ambos os paradigmas. Ele chega à conclusão de que os estudos dos pesquisadores que defendem o paradigma do capitalismo agrário partem de um método que não considera a totalidade. As unidades estudadas são consideradas isoladamente, movimento do lógico, ou seja, o que está posto não é visualizado e seu processo histórico não é levado em consideração, uma vez que a dialética da realidade não foi analisada em seu movimento permanente de mudanças. Assim, os conflitos e as conflitualidades inerentes ao movimento do capitalismo não aparecem.

O paradigma do capitalismo agrário tem a obra de Abramovay (1992) como seu principal símbolo no Brasil. Este autor produz uma análise linear acerca da realidade da questão agrária, não considera as contradições geradas pelo desenvolvimento do capitalismo sobre o campesinato e centra-se na análise da conjuntura, deixando à margem os elementos da estrutura. Assim, para ele, a permanência ou o fim do campesinato dependem de uma mudança na conjuntura socioeconômica determinada pelo desenvolvimento do capitalismo,

sendo que, em um determinado estágio, o capital cria relações mercantis que eliminam o campesinato. É como se o campesinato fosse totalmente dependente do capitalismo, de tal modo que, para sobreviver, o camponês se torna agricultor familiar. Tal aspecto que desconsidera por completo o processo histórico, as lutas camponesas e a resistência do campesinato na defesa de outro modelo de organização socioespacial para o campo brasileiro, alinhado às lutas da classe trabalhadora do campo e da cidade.

Para Fernandes (2008), a questão agrária está presente em todos os lugares, inclusive nas teses defendidas na academia, uma vez que, para o mencionado autor, dizer que ela não existe já é uma estratégia utilizada para negar o principal conteúdo da realidade socioespacial defendida pelo paradigma da questão agrária: a reforma agrária.

De acordo com Sampaio (2013), em se tratando do Brasil, os defensores do paradigma do capitalismo agrário não retratam a verdadeira realidade do campo, mas apenas os aspectos de uma situação conjuntural que atende aos interesses das classes defendidas por eles. Segundo este autor, “não havendo ‘questão agrária’, não há porque falar em reforma agrária, definida esta como ‘intervenção do Estado’ para alterar, com medidas expropriatórias, o esquema de distribuição de terra herdado do passado” (SAMPAIO, 2013, p. 86).

Os dois autores acima citados fazem parte de outro grupo de estudiosos que são contrários às ideias defendidas pelo paradigma do capitalismo agrário e que se posicionam em favor do paradigma da questão agrária. Eles compreendem que o movimento da realidade, na sua totalidade, tem demonstrado que, à proporção que o capital avança, “o próprio capital cria e recria relações não-capitalistas de produção” (OLIVEIRA, 1990, p. 11). De acordo com Oliveira, de modo geral, a propriedade da terra é, na unidade camponesa, familiar e privada, porém diferente da propriedade privada capitalista (a que serve para explorar o trabalho alheio). Na propriedade familiar, os instrumentos de trabalho pertencem ao próprio trabalhador. Nesse particular, “três situações podem-se colocar para o camponês: ele ser camponês proprietário, ser camponês rendeiro (pagar renda para poder ter acesso à terra), ou ser camponês-posseiro (recusar-se a pagar a renda e apossar-se da terra)” (OLIVEIRA, 1991, p. 70).

Assim, segundo essa perspectiva, o movimento da realidade tem demonstrado que, atrelado ao processo de destruição do campesinato por meio da expropriação da terra, não está colocado o fim do campesinato, pois o camponês encontra outras estratégias de resistência para recriar o trabalho familiar através do arrendamento ou da compra de terra. Eles consideram que, muitas vezes, a migração para as cidades e o trabalho não agrícola tem sido uma estratégia de resistência para acumular recursos para voltar para a terra ou continuar nela.

Por essa razão, os seguidores de tal concepção defendem que a questão agrária produz conflitualidades porque é movimento de destruição e recriação de “relações sociais distintas, que constroem territórios diferentes em confronto permanente” (FERNANDES, 2008, p. 178). Assim, para Fernandes, a conflitualidade é intrínseca ao processo de constituição do capitalismo e do campesinato, haja vista que estes possuem contradição estrutural. Andam em caminhos divergentes, porém juntos, pois o capital se realiza desenvolvendo a sua própria relação social, destruindo o campesinato, mas, por outro lado, o campesinato também se desenvolve a partir da sua criação e na recriação. Isso se dá com a reprodução ampliada da lógica do capital, mas também através de ações estrategicamente políticas empreitadas pelos camponeses no enfrentamento direto ao capital, as quais se configuram na luta pela terra ou nas lutas para permanecer nas terras que o capital deseja expropriar. Reafirma-se, portanto, que o controle do espaço é a estratégia capital, mas o território é o campo da tática do conflito social, ou seja, o território é espaço em disputa, ele é produto real da luta de classes travada no processo de produção da sua existência. É nele que as ações em defesa da conquista de outro modelo de organização socioespacial se materializam.

Diante do exposto, toma-se o paradigma da questão agrária como referencial teórico, pois se compreende que o paradigma do capitalismo agrário tem a intencionalidade de disfarçar a realidade, tornando-a pacífica e sem divergências sociais, ao mesmo tempo em que naturaliza a concentração da propriedade privada da terra, colocando o camponês como um sujeito submetido à dinâmica posta pela lógica do mercado. Do mesmo modo que dicotomiza o espaço, separa o campo da cidade e não compreende os problemas sociais urbanos como oriundos da expulsão de inúmeros camponeses de suas terras, haja vista que, para os defensores deste paradigma, não existe questão agrária. Os sujeitos e a produção que envolvem o referido paradigma encontram-se comprometidos com a ética em resolver o problema dos capitalistas, ou seja, centram-se no “eu” daquele grupo e na realização exclusiva e extrema das suas necessidades, sem ver as implicações destes problemas no “nós”, ou seja, na sociedade como um todo.

3.3 OS GRUPOS SOCIAIS CAMPONESES NAS FRONTEIRAS TERRITORIAIS QUE

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