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ESPECÍFICO I Linguagens e Códigos

6 A PRÁTICA SOCIOESPACIAL DOS PROFESSORES EGRESSOS DA LEC/UFBA E O DESAFIO DE EFETIVAR O PROJETO DE ESCOLARIZAÇÃO DA CLASSE

6.1 SITUANDO O CONTEXTO DA PESQUISA

Os professores egressos da LEC/UFBA, cujos trabalhos pedagógicos foram investigados por esta pesquisa, inicialmente residiam nos territórios do Recôncavo e do Vale do Jiquiriçá. Mas, como os processos sociais são contínuos e se materializam enquanto processos espaciais, alguns desses professores foram assumindo atividades e fixando moradia em outros municípios. Tal fato altera antigas e promove novas territorialidades. Assim, também o mapa que identifica os egressos da LEC/UFBA será constantemente alterado.

O Professor 7 reside no município de Cruz das Almas (BA) e tem 41 anos. Ele declarou que, inicialmente, só tinha experiência de ensino em espaços não formais, na formação de jovens da Pastoral da Juventude na Igreja Católica. Ele trabalhava para o capital agrícola supervisionando e administrando a produção de fumo instalada no Recôncavo Baiano por meio da produção em regime de cultivo de integração. Tratava-se de uma atividade opressiva, pois o mesmo era o agente do capital que chegava às pequenas propriedades com o “pacote tecnológico” das multinacionais do fumo, cuja intenção era explorar o camponês com o crédito para financiar a produção e manter o controle desta e do comércio. Assim, os trabalhadores rurais produziam o fumo, mas o Professor 7 era quem negociava o preço que seria pago. Na maioria das

vezes, o que era pago não dava para custear o empréstimo que a empresa tinha concedido para subsidiar a produção. Tal processo tolhia a liberdade dos produtores e os obrigava à comercialização dirigida da safra, além de desvirtuar a classificação do produto e, com isso, escorchar a renda do agricultor – tudo isso conforme interesses particulares definidos pelo mercado internacional.

Com 17 anos desde a conclusão do Ensino Médio, o mencionado professor tomou conhecimento do processo seletivo que estava aberto para a LEC através de uma conhecida. Como se tratou de um processo seletivo especial, ele resolveu se inscrever. Contudo, o vestibular se deu em apenas uma etapa; as demais etapas exigiam um memorial e uma declaração de vínculo de trabalho nas escolas públicas. O Professor 7 levou uma declaração da pastoral local, porém esta não foi aceita. Por conta da sua articulação política local, foi à Secretaria da Educação do município de Cruz das Almas e declarou que queria trabalhar na Educação de Jovens e Adultos de forma voluntária para acessar a declaração. O pedido foi aceito, a declaração foi emitida e ele foi inserido no curso.

Vivenciando uma situação diferenciada em relação aos demais colegas, o Professor 7, ao longo do tempo escola (que tinha duração de um mês), negociava as férias do trabalho na empresa fumageira para coincidir com um dos tempos-escola e assim poder participar das aulas em Salvador. Já no segundo tempo escola, que acontecia no meio do ano, ele faltava a algumas aulas para trabalhar. Compensava esse tempo no período do tempo comunidade, trabalhando à noite e em todos os sábados. Esse processo de negociação para assegurar a continuidade dos estudos e do trabalho não durou muito tempo, pois o Professor 7 afirma que, quando descobriu a lógica que movimentava a realidade em que estava inserido e desenvolveu a consciência em si, pediu demissão do trabalho e passou a se dedicar ao curso, conforme resposta apresentada no questionário de pesquisa, quando foi sugerido que falasse sobre a importância do curso na sua formação:

O Curso da UFBA, foi um divisor de águas em minha caminhada histórica, agradeço todos os dias esta oportunidade, gerada pelos movimentos de lutas pela terra. Eu, filho de agricultor do semiárido, e morador do Recôncavo baiano, rompi com o modelo tradicional de educação que não compreendia a realidade e a forma como o sistema capitalista organiza a produção da vida. Um educador popular que estava a serviço do agronegócio, e exploração do trabalhador na área fumageira, mesmo fazendo um trabalho de organização da classe pelo sindicato, não conseguia enxergar para além das aparências. No segundo ano do curso, já tinha deixado o trabalho de 16 anos no chão da fábrica, e se impregnado da necessidade de luta por uma sociedade sem classes sociais. Ver para além das aparências, verificar a fase invisível da lua, foi essencial para

compreender meu lugar nesta sociedade, e, de fato, a partir da educação escolar e luta no movimento social, vislumbrar uma nova possibilidade de organização da escola e da sociedade. O curso rompe com a visão reprodutivista e nos ajuda a elaborar possibilidades superadoras e emancipadoras da realidade. (Professor 7).

A sua atitude política e a síntese que faz nessa declaração estão muito coerentes com o indivíduo que a LEC desejou formar. Na atualidade, ele é o principal líder do Fórum de Educação do Campo do Recôncavo e Vale do Jiquiriçá, além de desenvolver atividades de formação de professores nos Programas Escola da Terra e Todos Pela Educação (TOPA). Na última formação do primeiro programa, ele trabalhou com professores do município de Campo Formoso, situado no norte do estado Bahia. No TOPA, por sua vez, vem desenvolvendo atividades em formação de professores nos municípios de Cachoeira, Cardeal da Silva, Jaguarari e São Sebastião do Passé. Além dessas atividades, também está sendo professor auxiliar da disciplina Educação em Ambientes não Escolares do curso de graduação em Pedagogia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), por meio do Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR), embora não tenha vínculo empregatício com nenhuma instituição de ensino.

A Professora 5 é moradora do município de Amargosa (BA), tem 30 anos de idade e trabalha no Centro Territorial de Educação Profissional com cursos do PRONATEC e cursos das áreas de logística e saúde. Ela tomou conhecimento da seleção da LEC pela Secretaria da Educação de Amargosa. Fez a seleção porque estava na busca da formação no Ensino Superior, porém não sabia qual era a dimensão do curso. Ela, assim como outras colegas do município, foi inscrita no vestibular pela própria secretaria, e considera que a LEC/UFBA foi muito importante para sua formação, o que se justifica a partir do trecho que se segue:

Após a minha formação na LEC, houve uma grande mudança na minha prática pedagógica, quando iniciei os estudos na licenciatura já trabalhava no campo e tentava fazer um trabalho válido de fato para os alunos do campo, porém não tinha a formação e conhecimento específico, esse foi o principal motivo que me motivou a buscar a formação em educação do campo. Com a formação específica agora mudou em tudo a minha prática pedagógica, hoje vejo o meu aluno como um sujeito histórico, com isso o meu trabalho hoje é voltado para uma formação completa de homem e sociedade. (Professora 5).

Essa professora, em 2014, também foi formadora de professores pelo Programa Escola da Terra, no município de Campo Formoso.

A Professora 7 é moradora do município de São Felipe (BA) e tem 35 anos de idade. No ano em que a UFBA divulgou o vestibular para a LEC ela trabalhava como docente de um

projeto de alfabetização de jovens e adultos intermediado pela Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado da Bahia, vinculado à Secretaria da Educação do estado da Bahia. O projeto era denominado “Educar no Campo”. Por ter contato com algumas pessoas da extinta Diretoria Regional de Educação (DIREC), ficou sabendo do vestibular da LEC e se inscreveu. A aprovação foi convalidada com declaração de vínculo com a escola básica que foi emitida pela própria DIREC.

Na atualidade, essa professora desenvolve trabalho educativo na rede municipal de ensino do município de São Felipe na condição de coordenadora pedagógica de um núcleo escolar que está sendo constituído por oito escolas satélites. Contudo, como nesse município o fechamento de escolas do campo é uma política de governo, as escolas já foram extintas, mas as classes funcionam nos prédios que são denominados “salas avançadas”. Ela acompanha o trabalho dos docentes e cuida da formação continuada. Além disso, em 2014, também constituiu a equipe de formadores de professores do Programa Escola da Terra.

Para a Professora 7, o ingresso na LEC teve uma grande relevância, pois afirma que “essa formação me fez entender a lógica da organização da sociedade atual, a lógica de organização de mundo, sendo assim, hoje compreendo o contexto ao qual a classe trabalhadora está refém, principalmente a negação do conhecimento”.

A Professora 13 tem 47 anos e, desde o início 2015, após a aprovação num concurso público, passou a residir no município de Tanhaçu, situado no Sudoeste da Bahia, no Território de Identidade Sertão Produtivo.

No ano de ingresso na LEC/UFBA, a mencionada professora morava em Santo Antônio de Jesus (BA) e tinha dez anos de experiência com trabalhos sociais em uma organização não governamental (ONG), alfabetizando crianças que residiam nas ruas da cidade em que morava. Ela não tinha curso de Magistério, mas acumulava três anos de experiência na formação de jovens e adultos pelo programa TOPA, experiência que havia lhe dado o título de melhor alfabetizadora do programa no ano de 2007.

Soube da seleção do curso por uma colega que trabalhava na DIREC local. Fez os trâmites da seleção, mas, na segunda etapa, devido ao fato de não ter vínculo com a Educação Básica, condição exigida como critério para ingressar no curso, quase ficava de fora. Tal fato a fez passar três dias de plantão na entrada de Secretaria da Educação do Estado da Bahia na tentativa de conseguir a declaração. Como não conseguiu pelas superintendências, ficou de

prontidão na expectativa de pedir diretamente ao secretário, a pessoa que havia lhe entregado o título de melhor alfabetizadora. Diante dessa persistência e da justificativa do motivo, o secretário da educação do estado da Bahia conferiu uma declaração indicando que ela era formadora do TOPA e que tinha vínculo temporário com aquela secretaria.

A Professora 13, ao ingressar no curso, foi aprovada num processo seletivo de contrato temporário para professor no município de Maragogipe, no recôncavo baiano, onde residiu por quatro anos. Em 2014, fez parte da equipe de formadores do Programa Escola da Terra e desenvolveu atividades no polo de Vitória da Conquista (BA). Nesse período, foi aprovada no concurso público para professora do município de Tanhaçu, onde hoje é docente de classes multisseriadas.

Para explicar a relevância da formação na LEC/UFBA, a Professora 13 toma como referência a sua prática social inicial. Ela considera que, em decorrência do TOPA, já era leitora da obra de Paulo Freire, mas:

[...] meu limite residia no meu conhecimento teórico. Não dominava nenhuma teoria de conhecimento com profundidade, residia apenas em ideias fragmentadas. Daí o avanço da formação da UFBA no curso de Licenciatura em Educação do Campo. Paulo Freire e suas ideias fantásticas me amadureceram quanto à minha postura de “olhar” conhecimento social, sentimento de pertença, etc., mas faltou a “autoridade do conhecimento sistematizado culturalmente produzido”. Quando eu falo de campo tenho que ter conhecimento de latifúndio, de migração campo/cidade, exploração, escravidão, terra, lutas sociais... Não posso ensinar os alunos a escreverem simplesmente o nome terra, então as ideias de Freire “em mim” encontravam os limites por ignorar conhecimentos clássicos que favoreciam o entendimento do porquê os movimentos sociais lutavam pela terra, do porquê eles não tinham a terra, minha visão ingênua desconhecia como se originou os latifúndios, ignorou porque ao invés de vítima o MST é titulado réu na sociedade capitalista. Porque a sociedade desconhece a gêneses dos conflitos da terra, e porque no estado da Bahia muitas das grandes propriedades são terras devolutas, uma minoria concentra as terras produtivas, e essas pessoas, os grandes latifundiários, são os que elegemos e que fazem leis para manutenção desses latifúndios, essas perguntas não tinham resposta anterior à Licenciatura em Educação do Campo, creio que a maioria dos estudantes do ensino básico e superior não tem, a escola capitalista nega esse conhecimento, é uma forma de “anestesiar” os sujeitos do campo, a classe trabalhadora que, desconhecendo esses fatores igualmente eu anterior à UFBA, não tinha argumentos para a luta. Essa é a principal diferença entre a formação recebida no curso de Licenciatura em Educação do Campo-UFBA e as ações desenvolvidas por mim na docência, na prática social anterior a essa formação humana crítica e teoricamente superior a todas que obtive até então. (Professora 13).

É notório que a Professora 13 declara a relevância do conhecimento que adquiriu com a leitura da obra de Paulo Freire, antes da LEC, mas compreende que a autoridade do conhecimento veio com a dimensão do entendimento da prática social a partir da consistência da

base teórica oriunda da LEC. Nesse sentido, explica, com autoridade, a questão agrária brasileira no movimento contraditório da prática social.

A Professora 14 tem 35 anos de idade e reside na zona rural de Cruz das Almas (BA). No ano em que a UFBA abriu a seleção de ingresso na LEC, ela, assim como a Professora 7, trabalhava como docente da EJA pelo projeto “Educar no Campo”. Soube da seleção pelo sindicato rural local. A mencionada professora declara que o que mais a motivou a fazer a seleção foi o fato de saber que a concorrência seria menor. Ou seja, iria concorrer só com pessoas que já tinham experiência no ensino e que ainda não tinham nível superior.

Em 2012, após aprovação em concurso público, a Professora 14 foi empossada e passou a fazer parte do quadro docente da rede ensino do município de Sapeaçu (BA), município vizinho a Cruz das Almas.

Na atualidade, a mencionada professora é coordenadora de um polo de ensino situado na zona rural. Esse polo é constituído por três escolas onde prevalecem as classes multisseriadas. No ano de 2014, a Professora 14 foi formadora do Programa Escola da Terra no município de Campo Formoso (BA).

Para essa professora, a formação na LEC/UFBA foi muito importante. Ela afirma o seguinte:

Depois da formação da LEC houve muita mudança no meu trabalho pedagógico. Pois antes eu não tinha uma visão crítica da realidade e todo processo histórico, sendo assim, meu trabalho era algo superficial sem entender a realidade. Hoje, posso dizer tenho um olhar crítico diante das coisas e busco levar sempre esses conhecimentos para as pessoas que estão ao meu redor. Afinal, a escola é lugar de tratar de diversas formações do ser humano e não apenas dos conhecimentos formais. (Professora 14).

A Professora 27 tem 42 anos de idade e reside na cidade de Mutuípe (BA). Soube do curso da LEC/UFBA pela Secretaria Municipal de Educação do município onde, desde 2002, ano de aprovação no concurso público, exerce a atividade de docente.

De acordo com essa professora, a Secretaria da Educação local inscreveu, no processo seletivo da LEC, todos os professores da rede que ainda não tinham a formação no ensino superior.

Ela relata que já foi presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Mutuípe por dois períodos. Também atuou como secretária de educação do município de Mutuípe, período em que implantou a coordenação de Educação do Campo na rede. Assumiu essa coordenação entre os

anos de 2012 e 2014; atualmente, é professora de língua portuguesa em uma escola municipal de Mutuípe, no período noturno, e coordenadora pedagógica no vespertino.

A Professora 27 compreende que a LEC foi importante para os professores-alunos que já tinham compromisso com as lutas sociais, pois alega que o município onde ela mora foi o que mais formou professores na LEC/UFBA, somando um número de dez professores. Contudo, observa que só ela e outra colega estão no enfrentamento e na luta pela implementação da Educação do Campo.

Para a referida professora, a formação inicial foi muito importante, pois

Antes o meu trabalho era fundamentado nas pedagogias do aprender a aprender: as pedagogias de projetos. Havia uma concepção que tinha que se esperar o tempo do aluno. O problema que esperava o tempo sem nenhuma intervenção pedagógica para que o aluno saísse daquela condição. Hoje tem como base a pedagogia histórico-crítica e neste momento estou em conflito permanente. Sou coordenadora do CJR, com mais três colegas, a escola tentado colocar em prática a concepção pós-crítica, porém, a maioria do professorado é tradicional, conservadores. Estou no meio dessa miscelânea, tentando mostrar para meus colegas que o materialismo histórico-dialético explica os fenômenos tendo como ponto de partida o real concreto. A dialogicidade com a cultura acumulada historicamente favorece aos alunos o avanço teórico que a escola precisa garantir. (Professora 27).

Essa professora destaca a relevância da formação e da PHC, mas não deixou claro qual o salto que tal perspectiva de teoria pedagógica contribui na organização do trabalho pedagógico. Destaca as dificuldades que enfrenta no processo de implementação da Educação do Campo e salienta os conflitos existentes no que diz respeito ao contexto teórico.

Com base na exposição, nota-se que todos os professores que tiveram trabalho docente investigado nesta tese foram formadores do Programa Escola da Terra. Trata-se de um programa do Ministério de Educação que está situado dentro do PRONACAMPO, assim como o PRONATEC. O Programa Escola da Terra leva em consideração os dados do Censo Escolar e é voltado para escolas com classes multisseriadas do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental. É constituído por quatro ações: formação continuada e acompanhada de professores e de assessores pedagógicos que exercem a função de tutores, acompanhando o trabalho docente no âmbito das escolas; oferta de materiais didáticos e pedagógicos; monitoramento e avaliação; gestão, controle e mobilização social (BRASIL, 2013).

6.2 A RELAÇÃO ENTRE O TRABALHO EDUCATIVO REALIZADO PELOS EGRESSOS

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