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AS CONSTATAÇÕES DA BASE TEÓRICA NA PESQUISA DIDÁTICA

ESPECÍFICO I Linguagens e Códigos

NÚCLEO DE ESTUDOS BÁSICOS

5 INDICATIVOS DA APROPRIAÇÃO DOS INSTRUMENTOS TEÓRICOS NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO CAMPO PELOS EGRESSOS DA LEC/UFBA

5.3 AS CONSTATAÇÕES DA BASE TEÓRICA NA PESQUISA DIDÁTICA

Ramos (2013) analisou os TCCs realizados pelos professores-alunos da LEC/UFBA com o intuito de identificar em que grau os estudantes articularam as categorias Trabalho Pedagógico, Projeto Histórico, Organização do Trabalho Pedagógico, Reforma Agrária e Teoria do Conhecimento com os seus problemas de pesquisa. Com isso, ela pretendia obter repostas acerca da unidade entre ensino e pesquisa no curso da LEC/UFBA.

A autora ainda sistematizou os dados da pesquisa a partir de três variáveis – fundamenta, fundamenta parcialmente e não fundamenta – com o objetivo de avaliar a intensidade e a proporção em que cada categoria aparece nos trabalhos. Ela usou critérios para ponderar a intensidade de cada categoria e considerou esses critérios como parâmetro para compreender se a categoria, ao aparecer nos textos monográficos, está fundamentada, pouco fundamentada ou não está fundamentada. Quanto à variável “não fundamenta”, a referida autora a considerou quando esta não aparece no texto monográfico dos professores-alunos da LEC/UFBA. Já para as variáveis “fundamenta” e “fundamenta parcialmente”, ela considerou critérios estabelecidos previamente, conforme explicitados a seguir:

Para Projeto Histórico, ela considerou a seguinte demarcação:

 Fundamenta: Clara definição e opção pelo projeto histórico socialista/comunista. Articula a necessidade do Projeto Histórico com a Educação, bem como procura explicar o que é o Projeto Histórico.

 Fundamenta Parcialmente: Defende a necessidade da transformação, da superação das relações existentes na sociedade capitalista, de outro projeto histórico, da luta pela socialização das riquezas e etc., mas não aponta o projeto histórico definidamente. (RAMOS, 2013, p. 92).

Para a categoria Reforma Agrária, ela definiu os seguintes critérios:

 Fundamenta: relaciona a luta pela Reforma agrária com a luta por uma educação do campo, bem como a identifica no processo de disputa de projetos antagônicos para o campo.

 Fundamenta Parcialmente: Localiza a necessidade da soberania alimentar, da divisão de terras e contra o agronegócio, mas não explicita a pauta política. (RAMOS, 2013, p. 92). Já para a Teoria do Conhecimento, os critérios foram:

 Fundamenta: Apresenta qual a Teoria do Conhecimento que embasa o estudo e dialoga com a literatura.

 Fundamenta Parcialmente: não apresenta a teoria do conhecimento, mas encontra-se elementos a partir da metodologia da pesquisa realizada e autores em diálogo. (RAMOS, 2013, p. 93).

Na tentativa de analisar o fenômeno Organização do Trabalho Pedagógico, ela demarcou:  Fundamenta: Apresenta a discussão da OTP a partir: objetivos gerais/avaliação (função

social da escola); conteúdo/forma - o trato com o conhecimento; gestão escolar (O trabalho; a unidade teórica metodológica; a auto organização). Neste momento trouxemos os trabalhos que trataram destes elementos com ou sem referência em Luis Carlos de Freitas e Pistrak.

 Fundamenta Parcialmente: trata destes elementos com visão idealista de educação, sem fundamentação crítica. (RAMOS, 2013, p. 93).

 Fundamenta: Fundamenta a Teoria Pedagógica com referência à Pedagogia Histórico crítica; desenvolve a necessidade de articular a Teoria do Conhecimento, a Teoria Pedagógica ao Projeto Histórico, com crítica às Pedagogias do Capital.

 Fundamenta Parcialmente: Apesar do diálogo com autores de modo a relacionar elementos como: unidade teoria e prática; função social da escola, não fundamenta a Teoria Pedagógica. Ou aquelas que fazem explicitamente opção por alguma que não seja a Ped. Hist. Crítica. (RAMOS, 2013, p. 93).

A análise realizada por Ramos (2013) permitiu concluir que, dentre as cinco categorias mencionadas nas pesquisas de TCC realizadas pelos professores-alunos da LEC/UFBA, as que mais foram qualificadas em termos de domínio teórico-metodológico e de concepção foram: Organização do Trabalho Pedagógico e Teoria Pedagógica, conforme demonstrativo no Gráfico 7. Já as categorias que menos foram compreendidas ou mencionadas nos trabalhados de TCC foram: Projeto Histórico e, com maior intensidade, Reforma Agrária.

Gráfico 7 – Relação entre o TCC dos egressos da LEC e as categorias teóricas

Fonte: Ramos (2013).

É relevante considerar que o que Ramos (2013) analisou e avaliou nos TCCs com a denominação de Teoria Pedagógica foi a qualidade do domínio dos pressupostos da pedagogia histórico-crítica. No sentido da avaliação dessa qualidade, ela tentou verificar em que medida a pedagogia histórico-crítica presente nos textos se articulava com a teoria do conhecimento do materialismo histórico-dialético e fazia proposições de práxis com posições relacionadas com a defesa do projeto histórico socialista. Do mesmo modo, analisou a relação entre a pedagogia

histórico-crítica e as críticas às pedagogias que se posicionam em favor do projeto histórico do capital.

Já no que se refere à categoria Organização do Trabalho Pedagógico, por estar inserida no interior da teoria pedagógica (FREITAS, 1987), Ramos analisou e avaliou, nas pesquisas de TCC que tratavam de práxis pedagógica, o nível da intensidade do domínio teórico a que foi submetido o uso dos pares dialéticos objetivos gerais/avaliação. Ela considerou que tais pares podem ser usados numa perspectiva de só observar a função social da escola burguesa frente aos interesses do capital. Contudo, o olhar da pesquisadora da dissertação foi voltado para o sentido oposto, pois ela analisou a intensidade com que as práticas de ensino consideradas pelos professores- alunos nos seus TCCs foram avaliadas e sistematizadas no sentido de observar quais foram as intenções das práticas, quais foram os resultados obtidos e quais foram as proposições superadoras apontadas pelos pesquisadores. Ainda sobre a categoria Organização do Trabalho Pedagógico, Ramos (2013) também analisou a relação entre conteúdo e forma, no que se refere à escrita dos textos monográficos, assim como também avaliou a dimensão da unidade teórica entre teoria e prática e a concepção de gestão da escola.

Já no que se refere à relação entre a questão investigada e a categoria Reforma Agrária, 66% dos trabalhos não fundamentaram e não relacionam a luta pela reforma agrária com a luta por uma Educação do Campo. Do mesmo modo, também não identificam o processo de disputa de projetos antagônicos para o campo. Já os 10% que fundamentam parcialmente, localizam a necessidade da soberania alimentar, da divisão de terras e da luta contra o agronegócio, mas não explicitam a pauta política e não a associam à concepção de Educação do Campo. Contudo, Ramos (2013) revela que, apesar dessa categoria ser a menos utilizada, ela teve, quando empregada, uma consistente relação com a concepção de Educação do Campo enquanto reivindicação histórica da classe trabalhadora na luta na/pela terra. No que se refere à ausência da categoria Reforma Agrária em 66% dos trabalhos, compreende-se que essa questão pode se dar em decorrência de problemas da formação ou da orientação que foi dada nos TCCs. Por essa razão, considera-se que os dados analisados até aqui ainda são preliminares.

É relevante considerar que Ramos (2013) também leva em conta que a não utilização das categorias Reforma Agrária e Projeto Histórico é decorrente do fato dos professores-alunos do curso não serem oriundos dos movimentos sociais de luta na/pela terra. Ela acredita que, quando se realiza uma formação que é demanda de um grupo, este já sabe o que quer, mas a formação da

LEC/UFBA não foi reivindicada pelos professores que se tornaram alunos. Aqueles professores desejavam formação superior, e não formação para escolarização da classe trabalhadora. Assim, quando a formação atende à solicitação de um grupo que já sabe o que quer, ela contribui com maior peso na elevação da consciência política, fortalecendo também a luta.

Diante de tais considerações, o cenário aponta para duas vertentes: a da universidade, que identifica as limitações para formar professores que não estão engajados na luta em defesa de outro projeto societário; e a dos professores egressos do curso da LEC/UFBA, os quais, com muita consciência de classe, afirmam que a universidade precisa formar os professores na perspectiva dos movimentos sociais populares.

Por outro lado, os instrumentos utilizados na pesquisa de Ramos (2013) indicam que nem todos os professores se apropriaram da instrumentalização que foi proposta com o intuito de formar professores para as escolas da classe trabalhadora. Contudo, a pesquisa exploratória realizada na coleta de subsídios para esta tese indica que os professores-alunos entraram no curso fazendo abstrações e, na saída, já faziam análise de conjuntura com síntese qualificada sobre a questão agrária, a teoria educacional e a teoria pedagógica. Do mesmo modo, estabeleciam relação entre a organização do trabalho pedagógico na escola e as possibilidades de usá-la para enfrentar as contradições socioespaciais resultantes do processo em que o modo de produção capitalista conduz o arranjo socioespacial, bem como o arranjo do currículo escolar, da formação de professores e da prática docente.

Considerou-se relevante, também, ressaltar que a pesquisa científica que deu origem aos TCCs aconteceu em condições adversas e conflituosas. Os professores-alunos eram de vários municípios do interior e os professores orientadores eram da capital, situação que dificultou a realização dos encontros de orientação. Assim, os encontros de orientação foram poucos e o tempo de construção dos TCCs foi limitado. Além disso, é possível destacar a falta de experiência dos professores-alunos com a pesquisa científica, desde a construção do referencial teórico-metodológico até a sistematização de dados empíricos.

Foram três processos de levantamento de dados exploratórios: a aplicação do questionário, o seminário avaliativo e a dissertação de Ramos (2013). Tais dados já dão indicativo de que há, na práxis dos egressos da LEC/UFBA, formação política e consciência de classe. Eles tomaram posicionamento e defenderam enfaticamente a formação em Educação do Campo para o professor que está nas escolas do campo sem vínculo com os movimentos sociais

organizados. Do mesmo modo, criticam a universidade, a formação inicial de professores proposta pelo capital e a proposição dos coordenadores dos cursos piloto, alertando-os de forma provocativa para o risco de que, se a Educação do Campo não for até os professores que estão no campo, o capital irá até eles.

Com base nessas posições, nota-se que, na prática social inicial, os professores-alunos da LEC/UFBA não identificavam a questão agrária, não liam os fenômenos contraditórios da prática socioespacial que são estabelecidos na relação dialética entre capital e trabalho, não entendiam os confrontos socioterritoriais, não compreendiam a conjuntura e não estavam inseridos politicamente nas lutas sociais. Sendo assim, ingressaram num curso de Educação do Campo compreendendo-o como sinônimo de ensino no campo – estavam ingênuos, não ingressaram com um interesse sociopolítico. Já no término do curso, é possível notar que, diante dos posicionamentos tomados, esses professores, de modo geral, se apropriaram do conhecimento e deram saltos qualitativos na posição política e na compreensão da dinâmica socioespacial. Demonstraram ter feito a catarse: o concreto vivido tornou-se real pensado, saíram do pensamento sincrético para o pensamento sintético. Desse modo, acredita-se que a prática social não é mais a mesma de quando chegaram no curso da LEC, uma vez que ela foi alterada pela mediação do trabalho pedagógico.

O trabalho educativo que foi realizado na formação da LEC não altera a realidade de forma direta, mas indireta, ou seja, a partir das ações dos professores em seus espaços de atuação. Nesse sentido, a realização da pesquisa que deu origem a esta tese teve a intenção de identificar o retorno à prática social. Para tanto, foi preciso ir a campo acompanhar de que forma os princípios que conduziram a formação inicial retornaram na prática socioespacial, no que se refere ao enfrentamento da questão agrária, à implementação da Educação do Campo e à formação de professores, tendo em vista estabelecer o projeto de escolarização da classe trabalhadora.

Assim, a LEC possibilitou o acesso à realidade humana, mas o “homem só conhece a realidade na medida em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como ser prático” (KOSIK, 2011, p. 28), pois “a consciência humana é ‘reflexo’ e ao mesmo tempo ‘projeção’; registra e constrói, toma nota e planeja, reflete e antecipa; é ao mesmo tempo receptiva e ativa” (KOSIK, 2011, p. 32-33). Ou seja, os conhecimentos permitiram a construção da consciência de classe – o conhecimento científico foi incorporado ao conhecimento do real

concreto. As expressões fenomênicas foram substituídas pela realidade, pois a realidade passou a ser entendida a partir do conhecimento científico. Eis o papel da escola e do ensino.

Diante dos dados levantados, nota-se que os professores egressos da LEC encontram-se num patamar qualitativo superior. Eles ingressaram no curso da LEC sem saber quem eles eram na conjuntura da prática socioespacial. Nessas circunstâncias, também não conheciam a realidade concreta; a maioria absoluta vivia de forma ingênua; explicavam as questões socioespaciais a partir de esclarecimento religioso ou natural; viviam a questão agrária concreta, mas não sabiam que ela existia; eram professores, mas não sabiam qual era a intenção do ensino na escola, nem tampouco o papel do professor, dentre outras questões.

Assim, entraram num curso que foi pensado a partir de uma classe e para uma classe, mas, ao chegarem ao curso, não sabiam o que era aquele curso, ou mesmo aquela classe. Porém, como dizem Marx e Engels (2009), não é a consciência do homem que determina a sua condição no mundo, mas a sua condição no mundo que determina a consciência. Isso indica o fato de que os professores que estudaram na LEC, ao entrarem no curso, precisavam acessar o mundo do conhecimento. Encontravam-se em processo de alienação: mesmo sendo professores, também foram vítimas da escola capitalista, escola esta que lhes negou o conhecimento e as condições de humanização.

Os indicadores oriundos da pesquisa exploratória indicam que esses professores, que hoje assumem posições políticas, adentraram o curso de LEC/UFBA sem noção do que iam estudar, para que iam estudar e com quais objetivos iam se formar. Só dois dos 46 tinham noção do que era Educação do Campo. Nota-se aí o conflito. Mesmo assim, apenas quatro professores desistiram do curso. Isso indica que eles não tinham a identidade camponesa, mas eram camponeses professores dos filhos dos camponeses. Saíram do curso com posição política, enfrentando os projetos pilotos de licenciatura e dizendo que a classe camponesa alienada do conhecimento e de formação política também precisa de Educação do Campo, pois compreenderam que quem está na escola alienando crianças, jovens e adultos camponeses são professores das redes de ensino que, assim como eles, nunca ouviram falar em projeto histórico de base teórica consistente que pudesse explicar a realidade concreta, muito menos em formação política e consciência de classe para ensinar meninos “da roça”.

Diante dessas constatações, reafirma-se que a formação de professores para Educação do Campo da classe camponesa é um território tenso e conflituoso. De um lado, os interesses do

capital; do outro, os interesses da classe trabalhadora com consciência de classe. E, no meio dessa tensão, a classe trabalhadora que se encontra subsumida pelo capital, que não consegue compreender a lógica com que os processos socioespaciais são conduzidos. Sem nunca terem ouvido falar do porquê não haver terra; do porquê a propriedade ser tão pequena a ponto de não mais poder ser dividida; do porquê os filhos serem obrigados a migrar para a periferia das grandes cidades em busca da sobrevivência. Aí entra a questão agrária, esta que é a questão mais escondida, inclusive em cursos de LEC. Portanto, questão agrária, Educação do Campo e formação de professores são territórios em conflito, justamente por estarem sendo disputados na conjuntura da luta de classes.

6 A PRÁTICA SOCIOESPACIAL DOS PROFESSORES EGRESSOS DA LEC/UFBA E O

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