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A política neoliberal brasileira e suas implicações nas políticas agrícolas e agrárias

LEC/UFBA

3 A PROBLEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS SOCIOESPACIAIS FRENTE AO DESAFIO DE FORMAR PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO

3.4 A POSTURA DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE À QUESTÃO AGRÁRIA E AO PROJETO DE EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

3.4.2 A política neoliberal brasileira e suas implicações nas políticas agrícolas e agrárias

Pela razão do Estado brasileiro ter compactuado com o capital e com as suas ideologias que se fazem presentes nas políticas neoliberais, ele, o Estado, automaticamente assinou acordos que abriram espaço para a atuação das empresas transnacionais, tanto no campo como na cidade. Como já foi mencionado, a produção agrícola no Brasil é estruturada a partir do que se denomina agronegócio, cuja estrutura demanda vastas quantidades de terras para o capital. Do outro lado, existem muitos camponeses e grupos tradicionais tendo seus territórios invadidos pelo agronegócio. Com base nesse cenário, questiona-se: qual é o trato que o Estado brasileiro tem dado para as políticas agrícolas e agrárias?

As políticas agrícolas referem-se às políticas voltadas para a produção no campo; as agrárias referem-se às políticas voltadas para a manutenção da propriedade da terra e as formas de relação social que se estabelecem a partir desta. Na atualidade, o governo brasileiro tem dois ministérios para tratar das questões agrícolas e das questões agrárias: são eles, respectivamente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O primeiro pode ser entendido como o ministério do agronegócio e o segundo como o ministério do campesinato.

Enquanto o MAPA tem como suposta missão “promover o desenvolvimento sustentável e a competitividade do agronegócio em benefício da sociedade brasileira com base no agronegócio” (BRASIL, 2015), o MDA tem a missão de

Promover a política de desenvolvimento do Brasil rural, a democratização do acesso à terra, a gestão territorial da estrutura fundiária, a inclusão produtiva, a ampliação de renda da agricultura familiar e a paz no campo, contribuindo com a soberania alimentar, o desenvolvimento econômico, social e ambiental do país. (BRASIL, 2015).

Observa-se que as missões dos referidos ministérios se contradizem: o primeiro deseja o desenvolvimento (in)sustentável do agronegócio para beneficiar o capitalismo, uma missão que não leva em conta os contrassensos socioespaciais presentes no território brasileiro no que se refere aos impactos do agronegócio e à concentração da propriedade privada da terra. Nota- se que é o Estado brasileiro quem está afirmando isso.

Por outro lado, o mesmo Estado, na tentativa de estabelecer diálogos e acordos com a classe camponesa, criou um ministério para conduzir políticas paliativas e conter a tensão que está concretizada no campo brasileiro referente à questão agrária.

Entretanto, as verbas de ambos os ministérios, assim como acontece com os outros, são delineadas pelo Ministério do Planejamento. Há uma forte articulação entre este ministério e o Ministério da Fazenda, já que o Planejamento possui a tarefa de distribuir o orçamento da União para os demais ministérios de acordo com a arrecadação feita pela Fazenda. É no Planejamento que está a concepção da política de Estado do governo. Essa explicação é relevante para se entender a base do trato que o governo dá às políticas agrícolas e agrárias quando são voltadas para o capital (o agronegócio) e quando são voltadas para o campesinato.

De acordo com notícia publicada no site do MAPA, em 2 de junho de 2015, o governo disponibilizou R$ 187,7 bilhões para financiar a produção agropecuária, o chamado Plano Safra. O relevante da notícia é que o orçamento teve acréscimo de 20% em relação ao plano anterior. A intenção deste plano é elevar o padrão tecnológico, fortalecer o setor da silvicultura26, de pecuária leiteira e de corte, melhorar o seguro rural e a sustentação de preços para os produtores (BRASIL, 2015).

O agricultor poderá contar também com maior volume de recursos a taxas de juros livres de mercado para a próxima safra. Na modalidade custeio houve um incremento de 130%, passando de R$ 23 bilhões para R$ 53 bilhões. Estes valores são provenientes da aplicação dos recursos da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) no financiamento da safra.

[...]

Entre as ações previstas para o setor de florestas plantadas, destacam-se o estímulo ao aumento da produtividade e da área plantada, a ampliação da participação de pequenos e médios empreendedores florestais e o aumento de limite de financiamento para florestas plantadas no Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC).

Os limites de financiamento para investimento em plantios florestais foram redefinidos. Para o grande produtor (que possui mais de 15 módulos fiscais) será de R$ 5 milhões, e para o médio (até 15 módulos fiscais) permanece o limite de R$ 3 milhões. (BRASIL, 2015).

Há uma imensidade de vantagens que são oferecidas ao agronegócio no mesmo período em que o governo anuncia corte no orçamento de vários ministérios (dentre eles, o da Educação e do Desenvolvimento Agrário). Do mesmo modo, incentiva a produção de florestas plantadas e a política de envenenamento das lavouras e dos ecossistemas por meio do uso de agrotóxicos. Não há um compromisso com a qualidade do meio ambiente, ou ainda com a sustentabilidade alimentar e a qualidade do alimento que é produzido. Quanto à concepção de campo, trata-se, sem dúvida nenhuma, do campo que exclui e destrói as comunidades tradicionais e o campesinato em favor da extrema valorização do agronegócio. Todos os investimentos têm a meta de garantir o superávit da balança comercial e atender aos acordos com o capital internacional, tendo em vista que é ele quem controla o agronegócio no território brasileiro.

Alentejano (2015) aponta que a subordinação da agricultura brasileira à lógica do agronegócio tem acontecido com o apoio de agroestratégias. Estas são entendidas como um conjunto de discursos articulados, ações e mecanismos construídos por agências multilaterais e conglomerados financeiros e agroindustriais para incorporar novas terras para a expansão da produção de commodities agropecuárias.

De acordo com Almeida (2009), os alvos principais das ações agroestratégicas são: áreas de preservação ambiental, terras indígenas, quilombolas, terras de assentamentos rurais e de uso comum. Tais terras, por seu caráter público ou comunal, são vistas como obstáculos a serem removidos para ampliar a oferta de terras no mercado de terras, que passa por um momento de intenso aquecimento, relacionado com o interesse cada vez maior de grupos estrangeiros na aquisição de terras no Brasil. Procurando atingir as metas dessas geoestratégias, destacam-se táticas que são concretizadas por meio de:

(1) revisão da definição de Amazônia Legal, com a exclusão dos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, possibilitando a incorporação imediata de 145 milhões de ha, fruto da redução da área destinada à preservação ambiental de 80% para 20%; (2) redução de 80% para 50% na área de reserva legal das terras situadas na Amazônia Legal; (3) anistia para quem praticou crime ambiental, evitando que os agronegociantes fiquem sem acesso a recursos públicos; (4) legalização da grilagem através da privatização de terras públicas com até 1500 ha na Amazônia sem licitação – MP 422/2008; (5) redução da faixa de fronteira de 150 para 50 km, diminuindo as restrições para a compra de terras por estrangeiros; (6) revogação do artigo 69 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 que prevê a titulação das terras de remanescentes de quilombos. (ALENTEJANO, 2015, p. 12-13).

Porém, do lado contrário, o mesmo Ministério do Planejamento, cortou R$ 43,9 milhões do MDA. E, dentro do mesmo, o corte maior foi o do orçamento direcionado ao

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)27. Mexer na verba deste instituto é inviabilizar os projetos de regularização fundiária das comunidades tradicionais, os projetos de reforma agrária e de implementação do PRONERA.

De acordo com os dados do Ministério do Planejamento, sistematizados pelo portal da transparência, os recursos destinados ao INCRA vêm sofrendo um declínio sistemático nos últimos anos. Em 2010, o orçamento anual do órgão foi de R$ 4 bilhões de reais; em 2014, esse número caiu para R$ 1.395,551,748. Uma redução de 75% dos recursos, conforme dados sistematizados.

Enquanto o MAPA tem R$ 187,7 bilhões a seu dispor, o MDA fica com apenas R$ 1,8 bilhões. Dessa forma, a agricultura brasileira permanece caracterizada pelos monocultivos de exportação, enquanto a agricultura camponesa, voltada para o mercado interno, permanece com a menor parte das terras. O corte dos recursos do MDA, em quatro anos, foi superior a 50%, do mesmo modo que o valor que o governo tinha reservado à dívida pública não foi mexido.

Outro dado que traz uma forte reflexão sobre o violência do pacto neoliberal para o campesinato refere-se aos programas de educação voltados para os camponeses. Na atualidade, a educação se faz presente por meio do PRONATEC, que por sua vez entra em conflito com o PRONERA.

De acordo com tese defendida por Kuhn (2015), o PRONERA pode ser entendido como a materialização, em forma de política pública, da articulação em torno da Educação do Campo. Segundo a autora, ele representa uma novidade histórica em termos de construção de políticas, uma vez que os seus fundamentos foram debatidos e orientados pelos movimentos sociais em luta. É uma política pensada “por” e não “para” os assentados da reforma agrária. Ela se insere na discussão filosófica do Paradigma da Questão Agrária (PQA), em que os problemas sociais do campo são compreendidos como resultado do desenvolvimento contraditório do capital no espaço rural, de modo que tais problemas apenas serão equacionados com uma mudança radical nas relações de produção e de acumulação do capital (KUHN, 2015).

O PRONATEC, como política de formação profissional, expressa a diferença entre o que a Educação do Campo prega como concepção de educação “desde” o trabalho, que se ampara na pedagogia socialista, libertadora, da educação “para” o trabalho, que se

27 O INCRA é uma autarquia federal cuja missão prioritária é executar a reforma agrária e realizar o

fundamenta nas pedagogias liberais, conservadoras, que objetivam formar os trabalhadores para atuar nos complexos agroindustriais do campo (KUHN, 2015).

Sendo assim, o PRONATEC é a parte do PRONACAMPO em que melhor se poderá visualizar a disputa em torno da Educação do Campo, pois ele é denominado como Educação do Campo mas não se refere nem à educação e nem ao campo dos camponeses, e sim, exclusivamente, ao campo e à educação do agronegócio. “Cumpre destacar que o PRONATEC se consolida como o programa de educação com maior direcionamento de recursos financeiros no âmbito do governo federal” (KUHN, 2015, p. 233).

Nesse sentido, é fundamental observar que, se o PRONATEC teve em média de 1,8 bilhões em investimento ao ano, o conjunto amplo de ações que compõem o PRONACAMPO prevê investimentos de 3,8 bilhões por ano, ou seja, praticamente o dobro do que é destinado ao PRONATEC. Essa comparação se torna ainda mais instigante quando se considera que o PRONERA, ao longo de toda a sua história (de 1998 a 2014), teve um investimento em torno de aproximadamente 540 milhões de reais. Isso significa um volume de recursos aproximadamente 25 vezes menor do PRONERA em relação ao PRONATEC, que tem em sua primeira etapa um horizonte de apenas quatro anos frente aos 16 anos do PRONERA. Se considerarmos somente o ano de 2014, é possível verificar que o volume de recursos destinado ao PRONATEC foi 120 vezes maior do que o volume de recursos destinado ao PRONERA. Esses números contribuem para um entendimento acerca de qual peso e qual medida o Estado dá a cada um desses programas (KUHN, 2015).

Diante dos fatos mencionados, é notório afirmar que existem projetos de homem, de sociedade, de educação e de campo nitidamente disputados. Contudo, também é notório confirmar que a posição tomada pelo Estado brasileiro frente ao capital permite reafirmar a tese do Engels de que, no capitalismo, o Estado é uma instituição da burguesia. Tal confirmação foi ratificada em maio de 2015, quando a diretora do FMI, Christine Lagarde, esteve no Brasil para participar do Seminário Metas de Inflação – mais uma estratégia de controle deste órgão – e afirmou que o Brasil está no caminho certo. O Brasil está cumprindo com o que foi imposto pelo capital neoliberal. Mínimo de educação pública, mínimo de saúde pública, mínimo de política agrária e tudo para o agronegócio e as demais instâncias do capital.

Frente a essas questões, surge o desafio posto à classe trabalhadora: recompor a luta em defesa das políticas sociais. As estratégias montadas pelo capital são redefinidas em coalização com o Estado brasileiro, e, por meio deste, põe-se em prática um conjunto de medidas de supressão às políticas sociais em defesa da concretização do processo de

acumulação flexível orientado pela execução do programa neoliberal do Consenso de Washington.

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