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A RELAÇÃO ENTRE A PROPOSTA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA LEC/UFBA E AS DEMANDAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

2 A PRÁTICA SOCIAL INICIAL DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PROPOSTA DA LEC E REALIDADE DOS PROFESSORES-ALUNOS

2.5 A RELAÇÃO ENTRE A PROPOSTA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA LEC/UFBA E AS DEMANDAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Na II Conferência Nacional de Educação do Campo, realizada em Luziânia-GO no ano de 2004, considerando as demandas dos seminários estaduais de Educação do Campo, foi elaborada uma série de reivindicações. Dentre elas, estava a formação inicial dos professores das escolas do campo. Desse modo, foi solicitado do Ministério da Educação (MEC) o financiamento de cursos de Licenciatura em Educação do Campo.

Com base nas pressões impostas pelo “Movimento por uma Educação do Campo”, o MEC, por meio do PROCAMPO15, publicou, em 2007, um edital16 convidando as universidades federais a apresentarem projetos voltados para a implementação de experiências piloto de cursos de graduação para formação de professores que pudessem atender às demandas dos indivíduos do campo, conforme exigência do “Movimento por uma Educação do Campo”. Dentre os projetos inscritos, o Ministério da Educação selecionou quatro. A partir daí, firmou um termo de cooperação técnica com as quatro universidades executoras dos projetos pilotos de Licenciatura em Educação do Campo selecionados, a saber: Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Estas universidades também assinaram um termo de cooperação científica entre si. No termo, elas se comprometeram com o desenvolvimento dos projetos e com a unidade teórica das experiências piloto, tendo em vista as demandas levantadas pelos movimentos sociais do campo.

Entre os critérios exigidos pelo MEC às universidades, constava o de que os projetos deveriam prever: a criação de condições teóricas, metodológicas e práticas para os educadores atuarem na construção e reflexão do projeto político-pedagógico das escolas do campo; a organização curricular por etapas presenciais, equivalentes a semestres de cursos regulares, em regime de alternância entre tempo escola e tempo comunidade; a formação por áreas de conhecimento previstas para a docência multidisciplinar, com definição pela universidade da(s) respectiva(s) área(s) de habilitação; e a consonância com a realidade social e cultural específica das populações do campo a serem beneficiadas.

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O objetivo do PROCAMPO é apoiar a implementação de cursos regulares de Licenciatura em Educação do Campo nas instituições públicas de ensino superior de todo o país, voltados especificamente para a formação de educadores para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas rurais.

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O edital foi publicado pelo MEC através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Esta secretaria, em 2011, passou a ser denominada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).

Os cursos experimentais propuseram organizar o conhecimento por área, de modo que as diferentes áreas se articulassem entre si. Eles se fundamentaram numa concepção de educação e, em especial, de Educação do Campo que expressasse o “processo de construção de um projeto de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de luta de suas organizações” (CALDART, 2004, p. 17).

A proposta inicial dos cursos pilotos de Licenciatura em Educação do Campo teve como fundamentação a realidade do ensino no Brasil, a partir dos dados fornecidos do próprio governo brasileiro. Com a análise desses dados, chegou-se à constatação de que a escola da classe trabalhadora continua mantendo a divisão social do trabalho em seu interior, e, segundo Taffarel (2011), essa divisão não é estabelecida de forma mecânica, mas por mediações que são expressas na organização do trabalho pedagógico alienado social, intelectual e economicamente. Ao separar a educação da vida, compromete-se a formação humana.

Nota-se que os cursos pilotos de Licenciatura em Educação do Campo, por advirem das demandas dos movimentos sociais de lutas populares, deveriam se fundamentar no princípio de que, no Brasil, o movimento social é luta de classes, e a classe que luta por Educação do Campo reivindica, no caso específico do PROCAMPO, uma formação docente que venha afirmar os seus interesses. Isso implica dizer que a condução dessa formação não deveria ser guiada por qualquer concepção teórico-metodológica, mas por uma concepção que deixasse claro para o professor em formação os seguintes pontos: “quais os interesses de classe que se defende? Quais os valores, a ética e a moral que se elege para consolidar através de sua prática? Como articular suas aulas com este projeto maior de homem e de sociedade?” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 26).

Considerando que o ensino escolar voltado para a emancipação da classe trabalhadora precisa mexer com as estruturas mentais superiores dos alunos, são necessárias uma teoria do conhecimento e uma teoria educacional que permitam analisar, constatar, interpretar e explicar a realidade socioespacial ambígua e contraditória. Dentro dessa dimensão, compreende-se que a realidade não é produzida pela consciência, pois é a consciência que reflete a realidade que lhe é produzida pela contradição socioespacial e que é apreendida por cada sujeito a partir das condições oferecidas. Cabe aos espaços de educação, a partir das teorias produzidas, dar condições para que as estruturas mentais superiores dos indivíduos se qualifiquem, a fim de que possam compreender a realidade tal como ela é. Entendendo essa realidade, cada indivíduo singular saberá identificar qual é a posição que ocupa na sociedade de classes.

A qualificação das funções psíquicas superiores contribui na captura da imagem da realidade posta, da forma mais real possível. Tal processo está imbricado na formação da consciência. Se a realidade é quem dá os subsídios para a formação da consciência de cada sujeito singular, deseja-se, nessa conjuntura da educação, que o trabalho do docente mexa com as estruturas mentais de cada aluno, para que os órgãos dos sentidos consigam capturar a essência dos fenômenos, transformando-os em imagens que serão refletidas na consciência, expressando a realidade objetiva.

Com base na concepção de Educação do Campo acima descrita, o texto do PPP/LEC/UFBA tece uma série de críticas à concepção de educação que transita no contexto da política pública brasileira, para depois situar a relevância da concepção de Educação do Campo reivindicada pelos movimentos sociais de luta pela terra. As críticas tecidas referem- se às diretrizes dos programas de formação de professores do MEC; às implicações das políticas neoliberais na educação brasileira; e às propostas de formação de professores em exercício encaminhadas pelo Estado brasileiro.

O PPP/LEC/UFBA posiciona-se politicamente no enfrentamento à educação posta em conformidade com os interesses da burguesia. Propõe uma formação comprometida com as ideias que visam montar estratégias e táticas para uma formação docente que permita aos professores-alunos entender a realidade para além da aparência. Isso significa apreender a raiz dos processos que levaram à divisão da sociedade em classes sociais, à subsunção do homem ao trabalho alienado e às implicações destes processos na conformação do arranjo socioespacial. Daí, destaca-se a importância de uma educação que permita à classe camponesa acesso ao conhecimento produzido historicamente pela humanidade.

O PPP/LEC/UFBA afirma, enfaticamente, que se compromete com a construção do conceito de Educação do Campo produzida na luta pela reforma agrária realizada pelos movimentos sociais do campo, e que por isso fundamenta-se à luz do debate sobre a questão que realmente está em jogo, ou seja, o confronto de projetos históricos. Entende Educação do Campo como um projeto de estratégias e táticas levado a cabo pelos movimentos sociais de luta pela terra, na defesa de uma concepção de educação que permita à classe trabalhadora, do campo ou da cidade, acesso a uma consistente base teórica acerca da realidade, para compreender a raiz das contradições socioespaciais engendradas na questão agrária por meio do modo de produção capitalista, tendo em vista a sua superação. Assim, na página 30, o PPP define o que a formação da LEC propõe garantir.

A formação deve garantir: o acesso às diferentes linguagens de expressão, comunicação e interação, para reconhecer, apreender, problematizar, sistematizar,

explicar, propor, agir e superar a realidade concreta a partir do confronto e contraposição entre o senso comum e o conhecimento escolar científico; a utilização da pesquisa (como postura investigativa) para a superação dos problemas encontrados; a utilização de fontes variadas de informação. É preciso fomentar por dentro da escola e em seu entorno estratégias objetivando o projeto político- pedagógico nesta formação. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2008, p. 30).

O PPP/LEC/UFBA demarca que o objetivo da formação proposta para os professores- alunos não se limita à atuação no espaço escolar. Contudo, destaca a importância de uma formação escolar que forneça, aos indivíduos do processo educativo, condições para que se tenha acesso aos conhecimentos na sua raiz. Compreende que o acesso a tais conhecimentos é também condição para que os indivíduos possam desvendar as origens da realidade socioespacial marcada pela desigualdade social.

A proposta de formação de professores do PPP/LEC/UFBA foi voltada para estudar as relações, os nexos e as determinações estabelecidas entre: o ser humano e sua relação com a natureza/terra; o ser humano e sua relação com o trabalho; o ser humano e as relações com a sociedade; e o ser humano e a educação.

A articulação entre os temas deu origem a uma teia de outros subtemas, cujo estudo, na LEC/UFBA, tinha como meta fundamentar a formação por meio de um arcabouço teórico que permitisse aos professores-alunos entender o homem e a dinâmica social a partir de suas práticas espaciais estabelecidas entre o homem, a natureza, a terra e o trabalho, apreendidos no movimento contraditório da prática social. Em síntese, entender os processos de produção do espaço e de reprodução social na lógica do modo de produção capitalista.

O intuito do curso foi formar um professor com o seguinte perfil:

O Curso é desenvolvido de modo a formar educadores para atuação na educação básica, ensino fundamental, séries finais e ensino médio, em escolas do campo, garantindo a esses educadores uma consistente base teórica que os possibilite desenvolver a capacidade teórica dos alunos, elevando o grau de elaboração do pensamento empírico para o pensamento científico, permitindo a seus alunos o acesso aos bens culturais elaborados da área das ciências, das artes e das linguagens. Organizando a gestão de processos educativos e estratégias pedagógicas que garantam a formação de sujeitos capazes de produzir soluções para questões inerentes à sua realidade, vinculadas à construção de um projeto de desenvolvimento do campo. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2008, p. 25).

Nesse sentido, conforme PPP/LEC/UFBA, para assegurar uma formação que desse aos indivíduos condições de desenvolver uma prática social mais elevada, conforme reivindicação dos movimentos camponeses, seria necessário uma formação que garantisse quatro pontos

imprescindíveis: consistente base teórica; consciência de classe; formação política; e inserção nas lutas revolucionárias.

Por isso, pelo menos no PPP, a LEC da UFBA assumiu um compromisso com o que foi estabelecido pela classe camponesa: uma possibilidade de formação de professores como tática dos movimentos sociais populares na defesa de outro projeto de sociedade que se contrapõe à sociedade capitalista. Contudo, as implicações dessa formação na práxis dos egressos foram analisadas levando em consideração alguns pontos do movimento contraditório – dentre eles, a prática social inicial dos egressos ao adentrarem o curso frente à proposta de formação proposta pela LEC.

2.6 A PRÁTICA SOCIAL INICIAL DOS PROFESSORES-ALUNOS DA LICENCIATURA

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