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A COMPREENSÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA E A INSERÇÃO DOS EGRESSOS DA LEC/UFBA NOS MOVIMENTOS DE LUTA DE CLASSE

ESPECÍFICO I Linguagens e Códigos

NÚCLEO DE ESTUDOS BÁSICOS

5 INDICATIVOS DA APROPRIAÇÃO DOS INSTRUMENTOS TEÓRICOS NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO CAMPO PELOS EGRESSOS DA LEC/UFBA

5.1 A COMPREENSÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA E A INSERÇÃO DOS EGRESSOS DA LEC/UFBA NOS MOVIMENTOS DE LUTA DE CLASSE

A pesquisa exploratória que deu subsídio para o levantamento dos dados que serão sistematizados nesta sessão foi realizada em 2013, em dois momentos diferentes: em janeiro, no último tempo-escola, e em agosto, no Seminário Avaliativo do Projeto Piloto de Licenciatura em Educação do Campo da UFBA, ambos realizados nas dependências da Faculdade de Educação da UFBA.

No tempo-escola de janeiro de 2013, último momento da formação, os professores-alunos estavam concluindo as últimas disciplinas, tendo orientação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), entregando relatórios de Estágio e, por conseguinte, finalizando as atividades com as defesas dos TCCs. Na efervescência desse processo, os professores responderam a um questionário composto por 28 questões abertas, simultânea e individualmente. O que foi respondido nas questões foi significativo para o direcionamento do processo de pesquisa acerca do trabalho pedagógico que os professores estavam realizando nos seus espaços de exercício profissional. Vale salientar que, como era o último tempo-escola, acreditava-se que ali seria a última oportunidade de encontrar os 46 professores-alunos reunidos. Por essa razão, o questionário foi longo e trouxe elementos que não foram trabalhados nesta tese, uma espécie de

prevenção para buscar o máximo de informações junto àqueles professores-alunos, haja vista que, naquele momento, o caminho desta pesquisa ainda não estava bem definido.

Com base no que foi demarcado como objeto de estudo desta tese, sistematizou-se as respostas que foram importantes para dar conta das questões da pesquisa. Os dados encontram-se disponíveis no quadro síntese do Anexo 1. Esses dados, quando comparados com os dados da prática social inicial, demonstram que os professores-alunos da LEC, em termos mais gerais, deram um salto qualitativo no que se refere à organização das ideias, ao entendimento da questão agrária e ao domínio da teoria pedagógica e da organização política frente aos desafios presentes nas comunidades, conforme dados sistematizados nos quadros sínteses dos Anexos 2 e 3.

No início do curso, os professores-alunos da LEC responderam a um conjunto de questões que foram aplicadas pela área de Ciências Agrárias. Dentre as questões que foram respondidas, uma procurava saber se na comunidade ou no município em que moravam existiam problemas referentes à questão da propriedade da terra. De acordo com as respostas, apenas 15,2% dos 46 docentes afirmaram existir problemas oriundos da questão da propriedade da terra. Esses professores eram os que trabalhavam em áreas de fundo de pasto, territórios quilombolas, assentamentos ou áreas de fazendas que estavam em litígio judicial envolvendo comunidade e os fazendeiros. Assim, a questão agrária só foi identificada nos lugares onde os conflitos já haviam sido estabelecidos de forma direta. Por essa razão, 74,8% dos professores-alunos da LEC/UFBA disseram que estava tudo tranquilo no que diz respeito à propriedade da terra. Contudo, os professores que confirmaram a existência dos conflitos também indicaram que, de modo geral, o assunto acerca desses conflitos não adentrava o currículo escolar. Já no questionário que foi aplicado no final curso, 100% dos professores não só identificaram o problema, como também conseguiram estabelecer a relação entre a questão agrária e outros problemas sociais vividos pela comunidade. O comparativo está disposto no Gráfico 5.

Assim, o que se pode concluir é que os referidos professores não tinham aporte teórico suficiente para compreender a realidade, pois lhes faltava conteúdo para compreender os processos sociais. A realidade estava diante deles, mas não enxergavam, faziam pseudoleituras acerca da realidade. Assim, a questão da não compreensão da realidade era resultante da ausência de um conhecimento que lhes possibilitasse ler e compreender a realidade partindo da dimensão do real concreto, identificando contradições, conflitualidades, tensões e possibilidades superadoras. Compreende-se que, com a formação na LEC/UFBA, os professores passaram a ter

subsídio teórico que os permitiram ler o real, analisar o real, estabelecer relações entre os processos e identificar a luta de classe existente nos processos socioespaciais. A Professora 27, por exemplo, foi um das que tinha afirmado não existir nenhum problema referente à propriedade da terra, mas, no término do curso, quanto à visibilidade da questão da propriedade da terra no município, ela escreveu: “A questão é muito visível. Poucos fazendeiros com muita terra, os pequenos proprietários com pouca terra e muita gente que vive do trabalho na terra, mas que não tem terra”. A situação das pessoas que vivem do trabalho na terra e que não têm terra pode ser compreendida pelo que foi sistematizado pelo Professor 7: “É forte, pois os pequenos proprietários não têm como concorrer com o grande. Do mesmo modo que tem muita gente vivendo no campo, mas fora da terra. Vivem nas margens das estradas e entre as fazendas”.

Gráfico 5 – Comparativo da compreensão da questão agrária antes e depois do curso

Fonte: UFBA (2008) e pesquisa de campo realizada em 2013.

De modo geral, as respostas dos 46 professores sobre a visibilidade da questão agrária estão permeadas por conteúdo político. Esses conteúdos expressam a luta de classe que está presente no contexto socioespacial. Dentre as respostas, existem umas que são carregadas de tensões, contradições, historicidades e conflitualidades, tais como: “Canudos é símbolo da guerra por terra. Continua até hoje” (Professora 26); a questão agrária “é consequência da histórica concentração das terras no Recôncavo” (Professora 19); “As comunidades são cercadas por grandes fazendas”. (Professora 21); a questão agrária é “a realidade. A escola fica em uma

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% INÍCIO DO CURSO TÉRMINO DO CURSO EXISTE QUESTÃO AGRÁRIA

NÃO EXISTE QUESTÃO AGRÁRIA

comunidade que foi construída dentro de uma fazenda por trabalhadores da fazenda. A fazenda é enorme e agora os filhos do herdeiro querem que todo mundo saia. Inclusive a escola” (Professor 13). Portanto, essas respostas indicam que a questão agrária está presente nos processos socioespaciais como um todo, mas mais importante do que isso é saber que ela também está presente na consciência dos professores egressos da LEC/UFBA.

Compreende-se que, quando uma questão aberta é respondida, a resposta dada expressa a dimensão do conhecimento teórico que o indivíduo que responde tem acerca do assunto que está sendo tratado. Mas não é só isso; a escrita também expressa a capacidade mental de fazer operações complexas, a exemplo de organizar as ideias, sistematizar o pensamento, fazer relação de causa e efeito, dominar as regras da língua que conduz a escrita, dentre outras. Essas capacidades são resultantes de um trabalho educativo que consegue mexer com o sistema psíquico. Tal ação qualifica os órgãos dos sentidos no processo de captura das imagens do real, as quais passam a conter elementos dos processos sociais que, na condição anterior, não eram visualizados. Por conseguinte, a imagem que é refletida na consciência passa a ser a de uma realidade concreta, sem as camuflagens produzidas pelo sistema de ideologia dominante. Tal condição requalifica a ação do indivíduo frente a essa realidade.

Também foi possível extrair das respostas o entendimento de que já existiam, na prática, algumas ações articuladas na defesa da Educação do Campo (com desdobramentos para a questão agrária). Nessa fase da pesquisa exploratória, buscava-se subsídios para entender se os professores-alunos conheciam os problemas sociopolíticos mais recorrentes nos processos sociais da comunidade em que moravam. Eles foram unânimes em dar ênfase para a concentração da propriedade da terra e a consequente falta de acesso: à água; ao conhecimento técnico; à assistência do Estado; e ao ensino que permitisse o aprendizado dos indivíduos daquela comunidade. Nota-se a presença do conteúdo alterando a forma (síntese no Anexo 2).

Não obstante, os professores mencionaram que as pessoas das comunidades não têm conhecimento nítido da questão, muitas vezes se culpam pelos problemas vividos ou naturalizam o problema. Assim, as comunidades não conseguem articular os problemas socioespaciais com a questão agrária. Ainda de acordo com as respostas dadas pelos professores, tal fato também acontece nas áreas de comunidades quilombolas e de fundo de pasto, pois os indivíduos culpam os fazendeiros (enquanto pessoas físicas), ou seja, o agente do poder hegemônico que está mais perto deles, mas não conseguem visualizar o problema como uma questão conjuntural do Modo

de Produção Capitalista. Os próprios professores-alunos demarcaram, nas suas escritas, a relevância da formação que lhes foi oferecida pelo curso para que pudessem responder àquelas questões.

Como se tratou de uma pesquisa exploratória, a essência do fenômeno não tinha sido até aí estudada, sendo possível apenas ter elementos superficiais sobre o mesmo. Mas, considerando que ele pode se manifestar de formas diferentes sem que a essência seja alterada, na época ainda era precoce afirmar que a formação da LEC/UFBA havia alterado a forma como os professores egressos do curso tratavam o trabalho docente. Desse modo, entendeu-se que o fenômeno identificado nas respostas dos professores-alunos da LEC/UFBA poderia estar manifestando apenas uma das suas expressões passageiras, pois, segundo Lênin (apud CHEPTULIN, 2004, p. 279), “[...] o que não é essencial, o aparente, o superficial, desaparece mais frequentemente, não é tão ‘sólido’, tão ‘firmemente instalado’, como a ‘essência’”. Isso não quer dizer que a essência não passe por alterações, mas seu movimento é mais lento que o do fenômeno. Por isso o fenômeno não expressa a essência na sua totalidade; “o fenômeno é o conjunto dos aspectos exteriores, das propriedades, e é uma forma de manifestação da essência” (CHEPTULIN, 2004, p. 278), mas não é a essência.

Ainda na busca de mais indícios sobre as expressões do fenômeno do objeto estudado, mais uma questão respondida pelos professores-alunos foi preponderante para esta pesquisa. A perguntafoi: “De que forma você está inserido politicamente no enfrentamento às questões concretas da sua comunidade e de seu município?” Nas respostas que foram atribuídas a essa questão, foi possível identificar uma série de fenômenos que expressavam ideias tanto de permanência da relação conteúdo/forma quanto de ruptura.

Com base no que foi extraído do questionário respondido pelos professores, em comparação com os dados da prática social inicial, foi possível notar que, no início do curso, apenas 17,4% dos professores que estudaram na LEC declararam participar de algum tipo de organização social local, enquanto que, no final do curso, esse índice subiu para 82,6%, conforme dados sistematizados no Gráfico 6.

Gráfico 6 – Comparativo do percentual de envolvimento dos professores egressos da

LEC/UFBA com as organizações sociais locais antes e depois do curso

Fonte: UFBA (2008) e pesquisa de campo realizada em 2013.

No que se refere à inserção política no enfrentamento às questões concretas da sua comunidade e de seu município, as Professoras 2134, 23, 35 e 38 não entenderam a questão, pois compreenderam a expressão “politicamente” no sentido de se candidatar a algum cargo eleitoral na instância local. Disseram que não tinham nenhum interesse em se envolver com essas questões, pois o curso foi, para elas, a oportunidade de ter uma graduação e de se aposentar com o incentivo financeiro que é garantido no plano de carreira docente dos municípios aos quais estão vinculadas. Essas professoras só estavam no aguardo do término do curso para terem a concessão do direito trabalhista já mencionado, a fim de se aposentarem. Nota-se que o assunto tratado pela questão apresentou-se de maneira bem aberta, não se restringindo apenas ao espaço escolar, nem tampouco ao campo da ideia de política no sentido de disputa eleitoral.

Enquanto as quatro professoras definiram o curso LEC/UFBA apenas como possibilidade de assegurar melhoria salarial, sobretudo em virtude da chegada da aposentadoria, uma média de 35 professores-alunos trouxeram respostas com indícios de que participavam direta ou indiretamente no enfrentamento às demandas das comunidades. As respostas indicaram que esses 35 docentes estavam buscando uma nova organização do trabalho pedagógico no âmbito da

34 Essa professora tem 12 anos no magistério, mas já tem 31 anos de contribuição.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 NO INÍCIO DO CURSO NO TÉRMINO DO CURSO NÃO PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES SOCIAIS PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

escola burguesa e tentando consolidar uma prática docente que elevasse o pensamento teórico dos alunos. Do mesmo modo, também estavam participando ativamente de organizações sociais locais, assumindo posições estratégicas em determinados espaços, a saber: a) na direção de escolas e na coordenação pedagógica dos núcleos de Educação do Campo; b) na direção de um escritório regional da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola; c) reativando ou implantando associações de moradores; d) assumindo espaços de formação no âmbito das associações; dentre outras. Contudo, uma resposta que foi comum a nove professores-alunos chamou muita atenção, pois, na mesma, diziam que estavam enfrentando as demandas da comunidade ao assumirem uma posição de luta pela terra na defesa da Educação do Campo, ao participarem ativamente das atividades do Fórum de Educação do Campo. Um exemplo ilustrativo dessa situação foi apresentado na fala deste professor:

Estou inserido até o gogó35. Já que entrei na luta, tenho que viver a luta. Participo de movimentos que visam a superação das condições sociais não só da minha comunidade, o que a minha comunidade vive é reflexo de um sistema. Tudo o que eu faço viso mexer estas condições, mas posso citar, a título de exemplo, a minha participação no Fórum de Educação do Campo do Recôncavo e Vale do Jiquiriçá. Lá discutimos com as universidades, com as secretarias de educação e de agricultura as questões de todas as comunidades. (Professor 7).

Essa resposta, juntamente com outras que não foram transcritas, deram pistas indicando que os professores-alunos poderiam estar inseridos nas lutas sociais assumindo posições políticas contundentes. Além disso, também indicaram que suas práticas estavam fundamentadas na dimensão teórico-metodológica da pedagogia histórico-crítica. Conforme explica a Professora 13:

Participo do Fórum de Educação do Campo, este foi espaço criado por nós da LEC para discutirmos as demandas da população camponesa dos municípios dos dois territórios, no intuito de enfrentar a questão agrária e a escola esvaziada de conhecimentos. Nas minhas aulas uso a pedagogia histórico-crítica. Tomo a prática social inicial como referência, para depois problematizar e encontrar nos conhecimentos teóricos os fatores que geram os problemas e partir para ações de enfrentamento. A escola precisa elevar o pensamento teórico, e isso é uma postura política de enfrentamento à escola burguesa que não ensina.

O Fórum de Educação do Campo se caracteriza como uma iniciativa dos egressos da LEC/UFBA numa das atividades do tempo comunidade. Trata-se de um espaço de tensionamento acerca do que vem sendo proposto enquanto educação para os camponeses. Além disso, fica

evidente, nesse espaço, uma posição política em defesa da Educação do Campo no que se refere à necessidade de trazer a problematização, a análise e o entendimento da questão agrária, da escola esvaziada de conhecimento e da importância da elevação do conhecimento teórico, bem como de ter o referencial da prática pedagógica fundamentada na pedagogia histórico-crítica.

O panorama oriundo das respostas dadas ao questionário em 2013 foi importante para a orientação desta pesquisa. Foram excluídas as quatro professoras que declararam pretensão exclusiva na aposentadoria e sete professoras que declararam que ainda não tinham incorporado o que foi estabelecido na formação nas atividades didático-pedagógicas por elas realizadas (conforme Anexo 3). Assim, os 35 professores que declararam assumir posição na defesa da Educação do Campo passaram a ser alvo da delimitação do campo deste estudo. Na ocasião em que este questionário foi aplicado, ainda não se tinha claro como a investigação seria conduzida, mas apenas o caminho que seria trilhado no processo de recorte do fenômeno para entender a sua essência.

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