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OS GRUPOS SOCIAIS CAMPONESES NAS FRONTEIRAS TERRITORIAIS QUE DELIMITAM O CAMPESINATO E O AGRONEGÓCIO

LEC/UFBA

3 A PROBLEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS SOCIOESPACIAIS FRENTE AO DESAFIO DE FORMAR PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO

3.3 OS GRUPOS SOCIAIS CAMPONESES NAS FRONTEIRAS TERRITORIAIS QUE DELIMITAM O CAMPESINATO E O AGRONEGÓCIO

Camponeses são sujeitos históricos que têm suas trajetórias marcadas por uma organização socioespacial específica (o campesinato). No entanto, as suas condições de existência têm sido marcadas por diversos conflitos estabelecidos com a ordem hegemônica.

Em decorrência dessa conjuntura, as terras camponesas brasileiras vêm sendo atingidas pela instalação de barragens, estaleiros, rodovias, ferrovias, usinas de energia eólica, mineradoras, dentre outros. E, de acordo com dados do Ministério do Trabalho, boa parte do agronegócio também submete muitos camponeses desterritorializados a viver em condições de trabalho análogas à escravidão.

3.3.1 A especificidade do campesinato no Brasil

Apesar da organização social camponesa ter recebido essa designação durante a Idade Média (na conjuntura do Feudalismo), a base da sua organização é mantida até os dias atuais. Conforme Shanin (2005), a essência do camponês como uma organização social específica depende da presença de estabelecimentos rurais familiares constituídos a partir de uma unidade básica que integra a economia e a sociedade. A sua organização não é determinada por um dado modo de produção próprio, mas pelas condições de existência da organização social atrelada ao modo de produção vigente.

O campesinato se constitui enquanto organização social com autonomia parcial que, apesar de ser integrante de uma história social mais ampla, participa do mesmo sistema que o capitalismo, ainda que essa relação seja, por muitas vezes, conflituosa.

Os camponeses têm uma especificidade de características sociais e econômicas, e é por isso que a presença deles traz implicações para qualquer sistema de organização societário no qual eles operem. Assim, “uma formação social dominada pelo capital, que abarque camponeses, difere daquelas em que não existem camponeses” (SHANIN, 2005, p. 14). Eles se constituem enquanto sujeitos históricos, pois compõem um grupo social que existe na consciência direta e na ação política de seus membros. A posição política do campesinato pode frear a legislação ambiental e colaborar com ações de enfrentamento aos processos de grilagem, como também poderá contribuir para o movimento em prol de outro projeto histórico.

De acordo com Oliveira (1999), a formação do campesinato brasileiro tem suas especificidades, pois ele foi criado por grupos sociais situados na periferia do capitalismo e à margem do latifúndio escravista. Desse modo, o mencionado campesinato se originou dos problemas agrários postos para os grupos sociais que constituíam a classe trabalhadora. Ou seja, o mesmo é oriundo dos problemas sociais colocados pelo capitalismo (e legitimados pelo Estado) a uma parcela da população, que fica excluída dos bens da natureza.

O campesinato brasileiro sempre foi oposição ao latifúndio, mas nunca foi excluído deste, pois a não possibilidade de acesso à terra, naquelas condições que foram estabelecidas no processo de colonização, permitiu à organização campesina se firmar pelo predomínio de sistemas de posse precária da terra.

Sendo assim, o campesinato se refere a uma diversidade de formas sociais baseadas na relação de trabalho familiar e formas distintas de acesso à terra, tais como o posseiro, o parceiro, o foreiro, o arrendatário, o pequeno proprietário e o quilombola, dentre outras. A centralidade do papel da família na organização da produção e na constituição de seu modo de vida, juntamente com o trabalho na terra, compõem os elementos comuns a todas essas formas sociais. Mas, essa organização social, apesar de ser vista socialmente como economicamente frágil, sempre incomodou a dinâmica do projeto hegemônico, pois os camponeses são historicamente vistos como entraves, uma vez que as terras por eles ocupadas sempre “atrapalharam” o projeto desenvolvimentista do capital.

3.3.2 A ação do capital sobre o campesinato brasileiro na contemporaneidade

Como já foi mencionado, o campesinato brasileiro foi formado em paralelo com o latifúndio. Tal situação começou a ser ameaçada com o processo de modernização da agricultura que estava inserido nos projetos de governo, desde 1930. A ideia era a de que o campo deveria compartilhar/integrar o crescimento industrial que estava em curso no país. Para isso, era essencial produzir mais culturas que gerassem o superávit da balança comercial, ou seja, modernizar a produção, seguindo modelos que já tinham sido implantados em outros países, em especial os Estados Unidos. Nessa perspectiva, o suposto “atraso” do campo brasileiro poderia ser superado com a introdução de métodos mais modernos nas relações de produção que promoveriam o aumento da produtividade da terra e do trabalho e, consequentemente, o desenvolvimento. Esse anseio pelo desenvolvimento caracterizava a

política brasileira e a latino-americana, liderada pelos governos conservadores sob o apoio dos grupos hegemônicos.

Após a Segunda Guerra Mundial, os países da América Latina apresentavam quadro econômico marcado por muito atraso em relação ao mercado internacional. Para tentar resolver esses problemas, foi instituída a Comissão Econômica da América Latina (CEPAL), com o objetivo de elaborar políticas para estimular o desenvolvimento econômico desses países.

Assim, o Estado e o capital internacional financiaram a suposta modernização da agricultura brasileira. Ela foi realizada por fases que podem ser assim sintetizadas: a primeira foi voltada para a transformação da base técnica; a segunda foi implementada com a industrialização da produção rural, através da implantação de indústrias de bens de produção e de alimentos; na terceira fase ocorreu a plena integração entre a agricultura e a indústria; e, por último, ocorreu a integração de capitais (industriais, bancários, agrários) sob o comando do capital financeiro.

Thomaz Júnior (2009) afirma que o Estado, ao promover a modernização da agricultura, o fez à base da exclusão social, deixando de lado a imensa maioria dos produtores rurais, responsáveis, até hoje, pela produção da maior parte dos alimentos consumidos pela população brasileira.

Nessa linha, o governo brasileiro assumiu um pacto com o capital internacional estabelecido e criou as condições necessárias para o “bom” funcionamento do mercado capitalista. Tal processo foi acompanhado por altos investimentos do capital internacional na agricultura brasileira, fato que teve o objetivo de fortalecer o agronegócio, haja vista que a participação do Brasil na economia internacional era/é marcada pela exportação de muitos produtos da agropecuária e da mineração.

Isso foi o suficiente para ampliar o problema da concentração da propriedade e limitar os camponeses do acesso à terra, pois muitos deles desenvolviam suas atividades em terras arrendadas, em regime de parceria ou em posses ocupadas. O avanço do agronegócio por meio do avanço das fronteiras agrícolas “engoliu” parte do espaço que era usado pelo campesinato. De acordo com o IBGE, o período entre os Censos Agropecuários de 1985 e de 1995 registrou a redução de cerca de 500.000 estabelecimentos agrícolas cujos produtores eram arrendatários, parceiros ou ocupantes. Isso não foi acompanhado pela inserção destes sujeitos na terra, muito pelo contrário: levou-se à precarização das suas condições de trabalho, situação automaticamente estendida às condições de vida. Tal fato demarca as contradições do

capitalismo que, à proporção que se desenvolve, coloca milhares de pessoas nas fileiras de condições de extrema pobreza, ficando de fora da terra.

A realidade é marcada por sujeitos que lutam pela sobrevivência de um grupo social em confronto com sujeitos que lutam em defesa do capital. Apesar dos objetivos serem diferentes, eles disputam o mesmo objeto: a propriedade da terra. No entanto, a diferença é estabelecida no uso social que se dará a essa terra disputada.

Semelhante realidade tem gerado e intensificado as desigualdades sociais, por meio da exclusão, da expropriação territorial e do controle social posto a um grande contingente da população rural, por meio da precarização das relações de trabalho, do desemprego estrutural e da destruição dos seus territórios.

A violência travada pelo agronegócio contra os camponeses que estão organizados em movimentos sociais tem sido registrada pelos estudos de muitos pesquisadores. Um dos espaços onde essa realidade em sido divulgada é o Caderno “Conflitos no Campo”, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Para os pesquisadores ligados à CPT, o campo contém as duas faces de uma mesma moeda. De um lado está o agronegócio e a sua roupagem desenvolvimentista, e do outro está o campo em conflito. A violência que aflige os camponeses se origina das várias faces do capital: ela se faz presente na matança de camponeses pelos jagunços do agronegócio; nos escritos de intelectuais comprometidos com o capital; no discurso da mídia que criminaliza os movimentos sociais camponeses; e na ação (e omissão) do Estado, que não enfrenta a questão agrária. A referida violência, muitas vezes, atinge os camponeses por meio das grandes obras e/ou por meio do uso de seus aparatos repressores em defesa do agronegócio, bem como na justiça, que analisa o direito como propriedade exclusiva da classe dominante.

De acordo com Oliveira,

O direito vai sendo subvertido e a justiça ficando de um só lado, o reivindicado pelas classes dominantes. Muitos magistrados são capazes de dar reintegração de posse a um representante da elite que não possui o título de domínio de uma terra que é sabidamente pública. Como tal, ela não é passível do reconhecimento de posse. Entretanto, a justiça cega não vê porque não quer. Muitos magistrados apenas veem quando os camponeses em luta abrem para a sociedade civil a contradição da posse capitalista, ilegal pela Constituição. Porém, via de regra, o direito é abandonado e a justiça vai se tornando injustiça. Aqueles que assassinam ou mandam assassinar estão em liberdade. Aqueles que lutam por um direito que a Constituição lhes garante estão sendo condenados, estão presos. Repetindo, é a subversão total do direito e da justiça. (OLIVEIRA, 2004, p. 63).

Nota-se que as ações dos homens que deveriam colaborar com a justiça social a partir da legislação vigente estão orquestradas na defesa dos interesses do agronegócio, quadro que

mostra o quanto a justiça vai se configurando em injustiças. Colocam-se presos ou são assassinados os homens e as mulheres que lutam por algo que é essencial para suas existências e que lhes foi usurpado, a terra. Tal tática faz lembrar as estratégias usadas pelos senhores de terra contra os escravos que se rebelavam às condições sub-humanas a que eram submetidos, com uma diferença: os escravos não tinham direitos legais. Tem-se, portanto, uma forma de enfraquecer qualquer possibilidade de enfrentamento pelas classes que foram historicamente colocadas na condição de subserviência ao capital.

Porém, diante do exposto, como e por que o campesinato resiste? A resistência também não é algo “natural”, mas ela pode ser explicada pela não aceitação dos camponeses à ordem posta, como afirmou Lefebvre (2000). O controle e a dominação da classe hegemônica posto às classes dominadas não é cem por cento, pois a classe dominada também reage. A recusa e o questionamento da ordem posta são expressos nas lutas que são travadas cotidianamente, e, apesar das derrotas no campo real concreto e no campo político/jurídico, continuam presentes nas frentes de batalhas, em conflitualidades permanentes, ainda que “escondidas” da sociedade. A ação de esconder também é uma defesa do capital, pois ele controla os principais veículos de comunicação de massa do país, e esconder as lutas dos camponeses é também uma estratégia para ocultar as ações do agronegócio que resultam na morte de inúmeros camponeses pelo Brasil afora.

3.4 A POSTURA DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE À QUESTÃO AGRÁRIA E AO

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