• Nenhum resultado encontrado

A política de Estado vigente no Brasil e seus impactos na educação

LEC/UFBA

3 A PROBLEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS SOCIOESPACIAIS FRENTE AO DESAFIO DE FORMAR PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO

3.4 A POSTURA DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE À QUESTÃO AGRÁRIA E AO PROJETO DE EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

3.4.3 A política de Estado vigente no Brasil e seus impactos na educação

Como a política e a economia têm dado a tônica da política de Estado, em 1989 o governo do Estado brasileiro, juntamente com governos de outros países latino-americanos, foi convidado pelos organismos de financiamento internacional para assinar um pacto internacional28, o pacto neoliberal. Esse pacto estabeleceu dez recomendações impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) que deveriam ser seguidas por estes países, além de sanções para o caso de não atenderem ao que foi acordado. As recomendações englobavam as seguintes áreas: 1) disciplina fiscal; 2) redução dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) juros de mercado; 5) regime cambial de mercado; 6) abertura comercial; 7) eliminação de controle sobre o investimento direto estrangeiro; 8) privatização; 9) desregulação de leis trabalhistas; e 10) institucionalização da propriedade intelectual (MONTAÑO; DURIGUETO, 2011).

O Estado brasileiro vem sendo, desde 2003, conduzido por governos progressistas; contudo, a política de Estado não rompeu com o capital. Assim, a política de Estado que é operada no Brasil contemporâneo está centrada nos pactos e acordos estabelecidos com o capital, principalmente o internacional.

De (1995-2002) o foco foi na privatização direta, o dos governos que lhe sucederam tem sido na privatização indireta. Um exemplo que pode justificar essa consideração: o governo não privatiza as universidades públicas, mas corta as verbas, impedindo-as de investir nas suas principais funções – ensino, pesquisa e extensão –, além de precarizar o trabalho docente, reduzir as possibilidades de pesquisa e autorizar, de forma indiscriminada, a abertura de faculdades particulares por todo o país.

As verbas das universidades públicas têm sido direcionadas para as universidades privadas via Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI). A política neoliberal se concretiza de forma não revelada, mas nitidamente visível. Em 2014, o MEC destinou mais de 13 bilhões de reais para o FIES, do mesmo modo estabeleceu a meta de economizar 9 milhões de reais nos demais programas do MEC. O que

significa economizar? Cortar, reduzir, transferir recursos para proteger o mercado. Tal medida deixa evidente a prioridade do governo com o setor privado da educação em detrimento do público.

No que se refere ao PROUNI, o Ministro da Educação declarou que, em 2014, o referido programa assegurou 40% das vagas no ensino superior privado. Para Almeida (2012), o PROUNI ajudou a consolidar um modelo de ensino superior que prioriza o lucro em detrimento da qualidade. Assim, a política de estímulos estatais para universidades privadas “ocorreu paralelamente a uma omissão em desenvolver um sistema de Ensino Superior que combinasse instituições de pesquisa de ponta com um sistema público de ensino de massa, indo em direção oposta àquela de países desenvolvidos” (ALMEIDA, 2012, p. 57). Mesmo em tais condições, os incentivos fiscais oferecidos às universidades privadas pelo PROUNI, em 2014, via renúncia fiscal, cresceram 166%. Já o orçamento na rede pública do ensino superior aumentou 86% (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2015).

No Brasil, o ensino privado tem sido conduzido, majoritariamente, por grandes grupos educacionais que praticam uma gestão centralizada, desvinculada do corpo docente, e adotam a prática da padronização de conteúdos nos cursos oferecidos. A formação é centrada nas provas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE)29, haja vista que são essas notas que garantem a “propaganda” acerca da qualidade da educação. Contudo, as instituições não têm nenhum compromisso com a sociedade, fecham cursos que não são considerados lucrativos e unificam turmas nas disciplinas de núcleo comum30 a vários cursos, a exemplo de Sociologia, Metodologia Científica, dentre outras. Não têm planos de cargos e salários; os docentes, geralmente, são remunerados apenas pelas aulas dadas e possuem estreita margem de autonomia acadêmica. São instituições que não têm compromisso com a formação e sim com o capital que entra na empresa proveniente do “negócio” educação.

Essas duas políticas sociais mencionadas funcionam com o propósito de instrumentalizar a política econômica, com vistas a promover a reestruturação e descentralização do governo, minimizando suas ações, transferindo para a iniciativa privada os recursos e dirimindo a intervenção do Estado. O governo acaba sendo um gestor cujo propósito consiste em atender ao projeto do capital a partir do aparato estatal. Assim, investir

29

Criado pela Portaria Normativa nº 40, de 12 de dezembro de 2007, integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) e tem como objetivo aferir o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, bem como as habilidades e competências em sua formação.

30 Há disciplinas que são comuns a todos os cursos: as faculdades privadas contratam um único professor para

nas universidades públicas é entendido pelos neoliberais como uma ameaça à liberdade do capital em relação a este grande mercado que constitui o ensino superior privado.

Desse modo, a ação do Estado brasileiro legitima o pensamento do Hayek (1990). Por outro lado, este mesmo autor afirma que “não há dúvida de que, no tocante à alimentação, roupas e habitação, é preciso garantir a todos o mínimo suficiente para conservar a saúde e a capacidade de trabalho” (HAYEK, 1990, p. 124). Daí se explica o fato do neoliberalismo ser consolidado em parceria com o Estado, sendo que este defende tudo para o capital e o mínimo para a classe trabalhadora. O mínimo de investimento de recursos públicos em políticas sociais garante às pessoas o acesso mínimo a saúde, educação, transporte, habitação, bem como “às condições para aumentar as expectativas de vida e para alcançar uma distribuição mais equitativa das oportunidades” (CORAGGIO, 1996, p. 78).

É também relevante considerar que, por conta da especificidade da educação, o projeto de sociedade defendido pelo neoliberalismo não ficou só no âmbito da política de Estado: ele foi colocado estrategicamente no currículo escolar para consolidar um ensino que entrasse em consonância com o projeto de sociedade que estava/está sendo viabilizado pelo capitalismo. O marco para tais medidas no currículo brasileiro foi instituído a partir dos acordos selados pelo Brasil, ao assinar o pacto estabelecido na chamada “Declaração Mundial sobre Educação para Todos”, oficializada na Conferência Mundial de Educação, realizada na cidade de Jomtien, na Tailândia, em 1990. Como tudo que é voltado para a classe trabalhadora, no neoliberalismo, deve ser o mínimo, o ensino escolar também passou a ter esse caráter. Desse modo, foi firmado um plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagens.

A partir daí, o Banco Mundial passou a ser o “gerente” da política educacional brasileira e a educação passou também a ser analisada como mercadoria ao invés de condição de humanização.

[...] sua intencionalidade política é redefinida em favor de questionamentos em torno de seu custo-benefício, afirmando-se a concepção da educação como mercadoria [...]. A retórica neoliberal, quando o assunto é financiar a escola pública, define de forma centralizada o conhecimento oficial que deve circular pelos estabelecimentos educacionais, estabelecendo mecanismos verticalizados e antidemocráticos de avaliação do sistema, e retirando autonomia pedagógica das instituições e dos atores coletivos da escola. Nesse contexto, centralização e descentralização são as faces da mesma moeda: a dinâmica autoritária que caracteriza as reformas educacionais implementadas pelos governos neoliberais. (MORAES E SILVA, 2006, p. 34).

O neoliberalismo não se configura na prática socioespacial só enquanto uma política de ajuste econômico, mas, sobretudo, numa política de organização do espaço centrado no interesse do capital. Assim, ele define qual é o tipo de educação que vai deixar a classe

trabalhadora menos conhecedora da verdade e, ao mesmo tempo, de um lado se sentindo culpada pela sua pobreza, do outro apoiando sem contestar os movimentos e reivindicações da classe detentora do capital. Para tanto, usa-se a escola e o ensino nos seus níveis básico e superior com esta intenção. Por conta disso, o Banco Mundial, na condição de gerente dessa política, estabeleceu metas que deveriam ser cumpridas, metas não estavam/estão levando em consideração a realidade dos diversos países pobres, mas sim os interesses do capital. Foi nessa conjuntura que a LDB (1996) e os Parâmetros Curriculares Nacionais foram estabelecidos no Brasil, na década de 1990. A Lei regulamenta o ensino e o perfil do aluno, e os Parâmetros asseguravam os conteúdos do currículo escolar mediante os quatro pilares da educação31 do conformismo do Banco Mundial.

As diretrizes para a formação de professores também levam em consideração todo esse contexto, e aí se situa, segundo Duarte (2000), o construtivismo, cujo trabalho reconstruiu o lema escolanovista do “aprender a aprender” e ocupou um amplo espaço na formulação de políticas públicas e teorias educacionais. Para este autor, a formação de professores com base nestes princípios se firma “na desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição do papel da escola em transmitir este saber, na descaracterização do papel do professor como alguém que detém um saber a ser transmitido aos seus alunos, na própria negação do ato de ensinar” (DUARTE, 2000, p. 8).

No contexto reformista, o Banco Mundial estabelece condicionantes para a aquisição de empréstimos para a política de educação, uma vez que objetivam a garantia de resultados, a contenção da evasão e da repetência escolar. No que tange à redução da reprovação, as secretarias de educação têm adotado programas de ensino – propostos pelo MEC – que priorizam a aprovação em detrimento da aprendizagem. Do mesmo modo, as escolas, para não terem altas taxas de reprovação e melhorarem os índices de avaliação, têm se tornado lugares de festas, eventos e comemorações diversas e, cada vez menos, lugares de ensino qualificado com conteúdos que traduzam o processo histórico de desenvolvimento humano. O lema é: “temos que fazer atividade para atrair os alunos”; na base desse discurso atrativo está a ênfase na festa, nas indumentárias e no pseudoconhecimento em detrimento do conhecimento sistematizado e politicamente referenciado.

31Na perspectiva do Banco Mundial, a educação deve se organizar em torno de quatro aprendizagens

fundamentais, as quais, ao longo da vida humana, serão pilares do conhecimento: aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreensão), aprender a fazer (para poder agir sobre o meio envolvente), aprender a viver juntos (cooperação com os outros em todas as atividades humana) e, finalmente, aprender a ser (conceito principal que integra todos os anteriores).

Assim, com base nessa realidade, a educação é concebida como responsabilidade de toda a sociedade, envolvendo igualmente os governos, as famílias, as comunidades e as organizações não-governamentais, exigindo o compromisso e a participação de todos numa grande aliança que transcenda a diversidade de opiniões e posições políticas.

4 A INSTRUMENTALIZAÇÃO DELIMITADA PELA LEC/UFBA COMO

Outline

Documentos relacionados