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A LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NA UFBA: ENTRE A POSSIBILIDADE E A REALIDADE

Complexos I Ser Humano e sua Relação com a Natureza / Terra

4.4 A LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NA UFBA: ENTRE A POSSIBILIDADE E A REALIDADE

A LEC/UFBA compreende Educação do Campo, conforme demarcação de Caldart (2010), como uma “experiência de classe” que envolve diferentes sujeitos. A Educação do Campo, ao entrar no território das políticas públicas, estabelece relação com o Estado, mas, ao se colocar na luta em defesa da classe trabalhadora do campo, pressiona o mesmo Estado para garantir uma educação que permita o acesso a um conhecimento problematizador da sociedade e do projeto de ensino burguês, do mesmo modo que defende a reforma agrária em detrimento do latifúndio e de todas as diferenças sociais postas pela sociedade de classes. Nesse sentido, a Educação do Campo é um território, é campo de força.

Ela é um movimento real de combate ao atual estado de coisas: movimento prático, de objetivos ou fins práticos, de ferramentas práticas, que expressa e produz concepções teóricas, críticas a determinadas visões de educação, de política de educação, de projetos de campo e de país, mas que são interpretações da realidade construídas em vista de orientar ações/lutas concretas. (CALDART, 2010, p. 20, grifo do autor).

A Educação do Campo não se expressa na prática socioespacial com o nome de Educação do Campo, mas nas ações em defesa de uma dada concepção de homem, de sociedade e de espaço geográfico. Tais concepções têm como base um projeto histórico de superação ao projeto do capital. O PPP/LEC/UFBA demarca-se enquanto tática na perspectiva dessa superação, explicitando o seu entendimento acerca da Educação do Campo:

Por educação do campo entendemos o processo de formação dos trabalhadores, através de uma política cultural, em um contexto de antagonismos de classe onde estão em disputa projetos históricos e de escolarização. São concepções que asseguram aos povos do campo uma educação ao seu modo de viver, pensar e produzir que pode indicar a emancipação humana ou a alienação humana.

Ao defendermos, portanto, a educação do campo, referenciada em um projeto histórico superador, estamos nos referindo à formação dos trabalhadores que hoje reivindicam uma educação do campo na perspectiva da emancipação humana. (UFBA, 2008, p. 2-3). Assim, a expressão “Educação do Campo” é carregada de sentido filosófico, ético, político, sociológico, antropológico, histórico e geográfico. Não se trata de uma expressão genérica, mas de um movimento de combate aos processos socioespaciais que são orientados por um projeto de sociedade que condena um grupo de pessoas a viver destituído do acesso às produções humanas e a elementos básicos necessários à sobrevivência, como água, terra, moradia e alimentos, dentre outros. Esses processos socioespaciais combatidos, porque incoerentes com a reprodução da vida em seu sentido amplo, são concretizados por práticas sociais conduzidas por ações que têm como meta exclusiva a ampliação do capital.

Para alimentar esse processo foi necessário, dentre outras coisas, a intensificação da precarização das condições de trabalho, a devastação da natureza, o uso de agrotóxicos nos produtos agrícolas33, e a ocupação e apropriação de espaços de organizações sociais dos povos tradicionais. Tais fatos trazem consequências para as classes que são detentoras do capital como um todo, mas tiveram e têm forte impacto junto à classe camponesa, uma vez que esta tem sofrido um processo contínuo de expropriação dos seus territórios, conforme já detalhado no Capítulo 3.

Nessa conjuntura, a terminologia “Educação do Campo” parte da reação dos movimentos sociais que são comprometidos com o enfrentamento da questão agrária, na defesa de outro projeto de sociedade. Por isso, surgem propostas de ações que vão em direção a outra concepção de homem, de sociedade e de espaço geográfico. Essas ações são conduzidas por várias frentes que se inter-relacionam; dentre elas está a frente que propõe o projeto de educação para a classe trabalhadora no enfrentamento à escola burguesa. Ela tem como meta a superação de determinadas visões “ingênuas” de educação, de política de educação, de ensino escolar, de formação de professores e de projetos de campo e de país. Desse modo, justifica-se que “a Educação do Campo não é uma proposta de educação. Mas enquanto crítica da educação em uma

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Nota-se que essa lógica, apesar de exclusiva para uma classe, não poupa a própria classe de ser envenenada pelos alimentos contaminados pelos agrotóxicos.

realidade historicamente determinada ela afirma e luta por uma concepção de educação (e de campo)” (CALDART, 2010, p. 20).

A tática empregada pela proposta do curso de LEC/UFBA objetivava a formação de professores militantes culturais, cuja formação os permitisse atuar politicamente na defesa do projeto histórico referenciado pelos movimentos sociais que representam a classe trabalhadora. Para tanto, defendeu-se também uma educação pública de qualidade e referenciada nas lutas sociais. Assim, levou em consideração que

O foco da educação é o ensino – aprendizagem do conhecimento científico, com base no trabalho humano, que vem possibilitando ao educando, como sujeito histórico, o instrumental teórico necessário para o posicionamento crítico ante as problemáticas específicas do campo, a ciência moderna e a questão socioambiental do mundo atual, e as questões que tencionam a luta de classes no campo. (TAFFAREL et al., 2011, p. 69).

Essa tática foi fundamentada no pressuposto de que, de modo concreto, a formulação e a execução de projetos político-pedagógicos de formação docente fundamentados na perspectiva da formação humana se constitui como uma tarefa histórica a ser desafiada. Isso se justifica pelo fato da educação e da escola terem sido historicamente usadas como espaços de naturalização das questões sociais que são demarcadas pelas diferenças socioespaciais estabelecidas no contexto do modo de produção em vigor. Por isso, o projeto político pedagógico da LEC/UFBA teve como meta consolidar uma formação docente fundamentada numa consistente base teórica, tendo em vista compreender a dinâmica dos processos sociais, tendo um olhar particular para a classe camponesa. Além do mais, defendeu a ideia de qual sujeito se quer formar e a perspectiva da atuação depois de formado, objetivando a defesa de um dado projeto histórico.

Como tem sido peculiar às lutas travadas pela classe trabalhadora, muitas das conquistas se efetivam nos marcos legais e não se transformam em realidade, já que os fatores necessários à sua efetivação não se tornam reais. A Educação do Campo tão almejada pelos camponeses, diante de muitas lutas e pressões, tornou-se realidade, ao menos do ponto de vista legal. A sua inserção nos marcos legais deu possibilidade para que tal perspectiva de Educação se tornasse realidade. Mas, no movimento entre possibilidade e realidade, existe um longo e tortuoso percurso.

Em se tratando da UFBA, a LEC foi institucionalizada em forma de projeto piloto. O MEC aprovou o projeto apresentado pela instituição, mas não contratou novos servidores para fazer o novo curso se desenvolver sob as condições almejadas. Ele foi concretizado pela Faculdade de Educação em parceria com outras faculdades e institutos, mas não houve a

estruturação de um quadro de técnicos e docentes específicos para a LEC. Sua efetivação teve que ser garantida com os professores que a instituição já possuía. Assim, se constituiu com o propósito de mexer nas condições de trabalho no campo e entrou na UFBA contribuindo com a ampliação da precarização das condições de trabalho dos docentes.

De acordo com o PPP/LEC/UFBA, o mencionado curso teve a duração de quatro anos e meio, com carga horária de 4114 horas/aula, distribuídas em nove semestres. A organização do tempo formativo semestral foi dividida em dois tempos: o tempo escola, realizado no espaço da universidade, e o tempo comunidade, realizado nos espaços de atuação profissional dos professores-alunos. O tempo comunidade foi o espaço de estudos orientados, de pesquisa didática e científica, de estágios curriculares e de intervenção social e pedagógica no âmbito das escolas e das comunidades onde cada professor-aluno estava inserido cotidianamente.

Desenhou-se uma perspectiva de formação que rompia com a tradicional estrutura disciplinar vivenciada historicamente na UFBA, pois, de acordo com o PPP, a LEC foi estruturada a partir de três grandes núcleos: o núcleo de estudos básicos, o núcleo de estudos específicos e o núcleo de estudos integradores, conforme sistematização disposta no Gráfico 4. O núcleo de estudos básicos tratou dos fundamentos pedagógicos, filosóficos, epistemológicos e sociológicos, conhecimentos preponderantes para a consolidação da base teórica do curso. Tais estudos estiveram voltados para o mais geral, bem como para o particular. Esse núcleo cuidou da base de sustentação do curso, tanto do ponto de vista de teoria do conhecimento quanto do método científico, como também tratou dos fundamentos da teoria educacional e da teoria pedagógica. Já o núcleo dos estudos específicos tratou dos fundamentos das áreas de conhecimento. As áreas específicas foram: Linguagens e Códigos; Ciências Naturais e da Matemática; Ciências Sociais e Humanas e Ciências Agrárias. Finalmente, o núcleo dos estudos integradores agregou todas as atividades de extensão universitária, as atividades curriculares obrigatórias e complementares que acompanharam o processo formativo fora do tempo escola.

Gráfico 4 – Síntese do plano educativo da LEC/UFBA TE – TC 9 TE – TC 8 TE – TC 7 TE – TC 6 TE – TC 5 TE – TC 4 TE – TC 3 TE – TC 2 TE – TC 1 SISTEMA DE COMPLEXOS: Ser humano e sua relação homem-natureza

 Ser humano e sua relação com o trabalho  Ser humano e suas relações com a sociedade

 Ser humano e educação

NÚCLEO DE ESTUDOS ESPECÍFICOS – fundamentos das áreas

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