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2 O IPI E A SUA(S) REGRA(S) MATRIZ(ES) DE INCIDÊNCIA

3.1 A materialidade “industrializar produtos”

A primeira materialidade que abordaremos será aquela que envolve a incidência do imposto sobre os produtos da indústria. A lei instituidora do IPI – Lei nº 4.502/196474 –, embora faça confusão entre a materialidade da hipótese tributária e o momento em que será devido o tributo, permite que identifiquemos o comportamento ensejador da tributação, qual seja, industrializar produtos.

Entretanto, o critério material “industrializar produtos” deve ser conjugado com os demais critérios da hipótese tributária, para se concluir que a produção industrial deve ser submetida a um negócio jurídico. Ou seja, a saída do produto do estabelecimento do industrial é aquela representativa de um negócio jurídico.

O agente realizador da hipótese de incidência do IPI – o industrial – é o vendedor do produto industrializado. Ele “produz para vender”75. Haverá venda de um produto cujo comportamento antecedente foi o de industrialização.

A característica marcante é o existir prévio de um fazer, uma atividade consubstanciada na industrialização de produtos, ainda que a incidência ocorra efetivamente na operação que se realizar com o resultado dessa industrialização. Marcelo Caron Baptista assevera:

O industrial, de regra, elabora o produto e assume os riscos quanto à sua comercialização. O fazer, então, é indissociável do comportamento de

industrializar, de criar produtos, o que não afasta a natureza jurídica da

prestação-fim objeto de suas operações, que é a de dar76. (grifo nosso).

74 Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto:

[…]

II – quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor.

(BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

75 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Hipótese de Incidência do IPI. Revista de Direito Tributário,

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, 1986, p. 147.

Assim, temos que o comportamento que denota a incidência da exação sobre os produtos da indústria é “industrializar produtos”, ainda que, na compostura integral da norma padrão de incidência, outros marcos identificadores da tributação pelo IPI devam ser considerados, como o elemento “operação”, mas que sobressalta-se, entretanto, a necessidade de industrializar o produto.

A importância do fazer prévio no IPI é fundamental, daí porque o critério material da hipótese deve necessariamente contemplar o verbo “industrializar”. O industrial, conforme Marcelo Caron Baptista asseverou na citação transcrita, cria o produto e se responsabiliza pela comercialização.

O art. 153, § 3º, II, ao prescrever que o IPI deve observar o princípio da não cumulatividade, prescreve que o mesmo deve se compensar com o devido “em cada operação”. Tal dicção traz o elemento “operação” para o contexto da incidência e compostura da norma padrão.

Por sua vez, as disposições do inciso II, art. 46 do CTN77, que, embora mencione como fato gerador78 o que, em verdade, trata-se do critério temporal, que será abordado oportunamente, mas o qual, nesse momento, tomamos para fins de identificar o critério material, traz como materialidade do IPI a saída dos produtos do estabelecimento.

A partir das disposições normativas, podemos identificar que os elementos marcantes do IPI e aptos a sua incidência sobre os produtos da indústria são: i. que tenha havido a industrialização do produto; ii. prática de uma operação; e iii. saída do produto do estabelecimento79.

Os critérios formadores da hipótese e da consequência – elementos da norma jurídica tributária em sentido estrito, tomados na sua individualidade – são partes

77 Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; […]

(BRASIL. Presidência da República. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 out. 1966).

78 Fato gerador, no citado artigo, refere-se à descrição legislativa do fato que faz nascer a relação jurídica

tributária.

79 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Hipótese de Incidência do IPI. Revista de Direito Tributário,

abstraídas de um todo, sendo da composição de todos os critérios que obteremos a identificação da norma padrão de incidência.

Nesse sentido, o critério material “industrializar produtos” se completará na conjugação com os demais critérios da regra-matriz de incidência, marcadamente pelo critério temporal que conforma a significação do elemento “operação”.

Considerando o critério material como “industrializar produtos”, faz-se importante delinear o que venha a ser industrialização para a exata compreensão da incidência.

Pela disciplina da Constituição de 1988, cabe à Lei Complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária. O IPI consiste numa prestação de fazer seguida com uma de dar, que se configuram como indissociáveis para fazer nascer a obrigação do industrial, já que o industrial realiza um fazer para em seguida realizar uma obrigação de dar que prepondera.

Nessa esteira, possivelmente para evitar conflitos de competência com outros tributos (ICMS e ISS), a Lei nº 5.172/66 – Código Tributário Nacional – que adquiriu eficácia de lei complementar, apressou-se em demarcar a extensão de “industrialização”, prescrevendo que,

Art. 46. […]

Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.

A lei complementar, como instrumento competente para fixar as normas gerais em matéria tributária, considerou como industrializado o produto que viesse a ter a sua natureza ou finalidade alteradas ou ainda que houvesse aperfeiçoamento para o consumo. Vale dizer, a industrialização deve se circunscrever ao processo industrial que “modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”.

As normas do sistema do direito positivo, além das relações de coordenação, mantêm relações de subordinação. Essas relações de subordinação dão-se porque o sistema positivo está organizado hierarquicamente. Essa subordinação hierárquica pode ser formal, quando estabelecer os requisitos formais de produção a serem observados pela norma

subordinada e será material quando “preceituar os conteúdos de significação da norma inferior”.80

O Código Tributário Nacional, lei complementar ora analisada, delimitou materialmente a expressão “industrialização”, impondo que a norma subordinada observe a “compostura semiológica da norma subordinante”81. A norma inferior deve buscar o fundamento de validade material na norma superior.

Nesse caso, o legislador ordinário da União deve respeitar a lei complementar quanto ao tema “industrialização”, observando o conteúdo da disposição normativa introduzida pela lei complementar, sob pena de flagrante ruptura do sistema positivo, que tem na estrutura hierarquizada de suas normas a sua essência: “não há sistema de direito sem hierarquia”82.

Na busca de interpretar o que seja a industrialização de produtos, precisamos, então, analisar a “amplitude semântica” das “locuções empregadas”83 pelo legislador complementar, o qual estabeleceu que industrializado é o produto submetido a qualquer operação que venha a modificar a sua natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.

Por certo, a verificação da referida amplitude semântica não é tarefa fácil. Iniciamos verificando como o legislador ordinário e o regulamento trataram da questão, para, numa conjugação de enunciados prescritivos, mas pautado pela observância da regular competência material dos veículos introdutores, buscar o conteúdo semântico de industrialização.

A Lei Ordinária nº 4.502/64 estabeleceu em seu art. 3º, parágrafo único:

Para os efeitos dêste artigo, considera-se industrialização qualquer operação de que resulte alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto, salvo84:

80 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 385.

81 Ibid., loc. cit. 82 Ibid., p. 384. 83 Ibid., p. 386.

84 O mesmo dispositivo excepcionou: I - o consêrto de máquinas, aparelhos e objetos pertencentes a

O Regulamento do IPI, integrante do sistema jurídico tributário, Decreto nº 7.212 de 15 de junho de 2010, prescreveu, em seu art. 3º, que “produto industrializado é o resultante de qualquer operação definida neste Regulamento como industrialização, mesmo incompleta, parcial ou intermediária”.

Por sua vez, o art. 4º, do mesmo diploma, estabeleceu que se “caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo”, prevendo as seguintes operações: transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento ou reacondicionamento, renovação ou recondicionamento.85

Da leitura da legislação ordinária e do regulamento, de fato não encontramos uma delimitação precisa que pudesse facilitar a compreensão do que seja “produto industrializado”, mas nos parece que uma constatação pode ser feita de imediato, a de que o conceito primeiro estabelecido na lei complementar foi ampliado pela legislação inferior, sendo considerado atualmente industrializado o produto resultante de qualquer operação que esteja definida no RIPI como industrialização.

Entrementes, o conceito de industrialização deve ser buscado na Constituição Federal e na lei complementar que disciplinar norma geral em matéria tributária.

terceiros; II - o acondicionamento destinado apenas ao transporte do produto; III - O preparo de medicamentos oficinais ou magistrais, manipulados em farmácias, para venda no varejo, diretamente e consumidor, assim como a montagem de óculos, mediante receita médica; IV - a mistura de tintas entre si, ou com concentrados de pigmentos, sob encomenda do consumidor ou usuário, realizada em estabelecimento varejista, efetuada por máquina automática ou manual, desde que fabricante e varejista não sejam empresas interdependentes, controladora, controlada ou coligadas. (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

85 Art. 4o Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento,

a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como:

I - a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);

II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);

III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);

IV - a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou

V - a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).

Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados. (Ibid.).

O produto industrializado, nesses termos, deve ser o resultado de alterações que se caracterizam pela modificação da sua natureza, obtendo-se um novo produto, nova espécie, ou que a mudança havida resulte em nova finalidade para o produto, sendo utilizado com outro objetivo, ou, ainda, que seja aprimorado para ser levado ao consumo.

O produto, para ser efetivamente tomado como industrializado com alteração na sua natureza ou finalidade, ou que se aperfeiçoe, deve passar a ter nova feição, uma nova condição, refletir em significativa mudança.

Eduardo Domingos Bottallo86 ensina:

Portanto, um produto é industrializado, para fins de IPI, sempre que, mercê de uma operação física, química, mecânica, técnica etc., adquire utilidade nova para o consumo.

Haverá, pois, produto industrializado, na acepção do art. 153, IV, da Constituição Federal e do art. 46, parágrafo único, do CTN, quando um bem in natura passa por qualquer tipo de ação, que lhe altere a natureza ou a finalidade ou, mesmo, facilite sua utilização, para satisfazer uma necessidade humana.

Vale dizer, para fins de tributação por meio de IPI, não é qualquer modificação que se imprima a um bem, que pode ser havida como processo de industrialização, mas, apenas, a que lhe agrega qualidades que facilitarão a satisfação de uma necessidade de consumo.

Na mesma linha de pensamento, temos as lições de Antonio Maurício da Cruz, para quem os denominados produtos industrializados podem ser considerados como

[...] aqueles obtidos pelo esforço humano sobre bens móveis quaisquer, em qualquer estado, com ou sem uso de instalações ou equipamentos. Haverá produto industrializado se, do esforço humano sobre bem móvel, resultar acréscimo ou alteração de utilidade, pela modificação de qualquer de suas características. Inocorrendo tal efeito, tratar-se-á de simples prestação de serviços.87

A busca pela amplitude do conceito de produto industrializado há de se circunscrever ao disposto no art. 153, IV, da Constituição Federal e o art. 46, parágrafo único do Código Tributário Nacional.

O produto deve sofrer alterações que venham a resultar em um novo produto ou que altere sua finalidade, e ainda quando houver modificações que resultem em

86 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 28. 87 CRUZ, Antonio Maurício da. O IPI – Limites Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1984, p. 55.

melhoramento nele para o consumo. Somando-se a isso, tem-se que a produção industrial é destinada ao mercado, advém de uma linha de produção industrial – “padronização e massificação” –, de modo que o industrializar deve reunir “dois aspectos básicos e necessários: a) alteração da configuração de um bem material; b) padronização e massificação”88.

Sem se afastar dessa delimitação normativa, eis que identificadora do que seja industrialização; é preciso analisar as operações que provocam a industrialização, nos termos consignados pelo Regulamento do IPI.

A transformação é a operação por excelência da industrialização, que, exercida sobre a matéria-prima ou produtos intermediários, faz resultar em uma nova espécie. Eduardo Ferreira Jardim89 chega a entender que somente esse tipo de operação pode ser considerado efetivamente industrialização.

O beneficiamento seria o aperfeiçoamento de um produto, ou alteração de seu funcionamento, utilização, acabamento ou aparência. Analisamos o beneficiamento com ressalvas. Parece-nos que, quando o beneficiamento alterar o funcionamento e a utilização do produto, haverá correspondência com a modificação de sua natureza ou finalidade, mas não enxergamos a alteração do acabamento ou a aparência como industrialização.

A montagem se dá com a reunião de produtos que, em caso de haver novo produto, demonstraria haver industrialização; caso contrário, não haverá, conforme reconheceu o Superior Tribunal de Justiça, em um caso onde se discutia se a instalação de um motor a um casco de uma embarcação (lancha) caracterizaria fato gerador do referido imposto, implicando uma operação industrial de montagem:

[…] IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. LANCHA. MONTAGEM DE MOTOR AO CASCO DA EMBARCAÇÃO. INDUSTRIALIZAÇÃO NÃO-CARACTERIZADA. INEXISTÊNCIA DE GERAÇÃO DE UM NOVO PRODUTO COM DENOMINAÇÃO PRÓPRIA, PARA FINS DA CLASSIFICAÇÃO NA TIPI. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO PREVISTO NO ART. 46 DO CTN. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º,

88 JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na constituição. v. 10. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1985, p. 115. (Coleção Textos de Direito Tributário).

89 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário Jurídico Tributário. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2003,

DA LEI 4.502⁄64, E 3º, CAPUT E INCISO III, DO DECRETO 87.981⁄82.

[…]

2. Partindo-se da premissa de que o fato que ensejaria a operação de industrialização (montagem) seria a geração de um novo produto ou unidade autonomamente considerada, torna-se indispensável constatar se tal conjunto passa a ter, ou não, outra denominação para fins de classificação fiscal.

3. Tendo ficado caracterizado nos autos, de acordo com o laudo pericial realizado, que a reunião das unidades autônomas não se enquadraria em um novo produto, para fins de classificação fiscal da TIPI, não há falar, assim, em incidência do IPI.

4. Recurso especial desprovido90.

A ministra Denise Arruda fundamentou sua decisão pela inexistência de novo produto, citando a doutrina de Antônio Zomer:

“Para que uma operação de montagem seja considerada industrialização para efeito de IPI, é necessário que ela gere um novo produto ou unidade autônoma, no qual as partes e peças reunidas não mantenham as suas características individuais, notadamente em termos de classificação fiscal, de modo que o conjunto passa a ter classificação fiscal própria e única, ainda que seja a mesma de alguma das partes que o compõem. Se o produto resultante da montagem, em face das regras de classificação fiscal vigentes, não puder ser classificação fiscal vigente, não puder ser classificado como um todo, inexistirá industrialização tributada pelo IPI.” (ZOMER, Antônio. Regulamento do IPI: Impostos sobre Produtos Industrializados: Anotado e Comentado. Marcelo Magalhães Peixoto e Luiz Roberto Domingo (coords.), São Paulo: MP, 2008, pp. 33-34).91

Concluímos que nem toda montagem caracteriza-se como industrialização, havendo necessidade de se constatar, dentro da diretriz do CTN, haver produto novo ou que seu aperfeiçoamento resulte em unidade autônoma.

O acondicionamento ou reacondicionamento trata-se da colocação ou substituição de embalagem. Essa operação pode vir a guardar relação com o aperfeiçoamento para o consumo. O vinho, o azeite, dentre outros, chegam ao consumidor em embalagens padronizadas e adequadas a sua preservação, de modo que se tem um acondicionamento que aperfeiçoa o produto para que todos possam consumir, até mesmo com os valores nutricionais, muitas vezes, importante para quem consome.

90 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 931.031/RS. Relatora: Ministra Denise

Arruda. Julgamento: 21 maio 2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 24 jun. 2009.

Se a colocação de embalagem não representa um aperfeiçoamento no sentido de viabilizar o consumo, sendo mero embelezamento e praticidade não caracterizaria industrialização. Como exemplo, temos o parecer normativo da Coordenação do Sistema de Tributação, Solução de Consulta n° 264, de 24 de outubro de 2011, em que foi reconhecido que o simples fato de colocar os óculos em uma caixa para revenda seria industrialização:

ANEXAÇÃO. PRODUTOS. ESTRANGEIROS. NACIONAIS. COLOCAÇÃO. EMBALAGEM. CONJUNTO. ACONDICIONAMENTO. A reunião de óculos de sol importados ou de armações de óculos importados à flanela de origem nacional em estojo adquirido no mercado interno, formando um único conjunto, efetuada pelo próprio importador, para fins de venda no mercado interno, caracteriza-se como industrialização na modalidade acondicionamento/ reacondicionamento, para efeito de incidência do imposto.

No caso relatado, houve uma facilitação, na medida em que ficou mais prático carregar os óculos, mas daí a dizer que houve industrialização, não nos parece correto, mesmo porque os óculos (objeto principal) pode chegar do mesmo modo ao consumidor final, diferentemente do caso do leite, por exemplo, que, sem ser acondicionado nas embalagens adequadas, não chegaria aos consumidores em grande escala. Tem-se um conceito ampliativo do que seja produto industrializado e que extrapola as diretrizes legais. A renovação ou recondicionamento refere-se à restauração de produtos, ou seja, haverá uma melhoria num produto usado ou inutilizado. Entendemos que a renovação ou recondicionamento não se trata de industrialização, não se enquadrando no conceito de modificação da natureza ou da finalidade e nem ocorre um aperfeiçoamento do produto; em verdade, ocorre um melhoramento que dará uma “sobrevida” ao produto.

Deveras, o regulamento do IPI a pretexto de regular acabou por ampliar o conceito de industrialização, seja ao elencar alguns modelos de operação de industrialização, seja ao deixar uma conceituação aberta em seu caput. Leandro Paulsen destaca:

A Lei 4.502/64 e o Decreto 4.544/02 (RIPI) atribuem dimensão bastante larga ao que se deve considerar por produto industrializado, de modo que possa abranger a transformação, o beneficiamento, a montagem, o acondicionamento ou reacondicionamento e a renovação ou recondicionamento. Tal elastecimento, contudo, desborda do sentido possível dos termos constantes do art. 46, parágrafo único, do CTN,

particularmente no que diz respeito ao acondicionamento ou reacondicionamento, conforme nota adiante92.

Os procedimentos, não raras vezes, suscitam dúvidas, considerando que a legislação infraconstitucional trouxe uma dimensão ampla do que se pode considerar produto industrializado. Hugo de Brito Machado atesta que houve um alargamento do conceito, afirmando que,

Realmente, o conceito de produto industrializado independe de lei. É um conceito pré-jurídico. Mesmo assim, para evitar ou minimizar conflitos, a Lei Complementar pode e deve estabelecer os seus contornos. Assim, é que o Código Tributário Nacional estabeleceu que para efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.

[...]

Não obstante, o Regulamento do IPI ampliou tal conceito, inclui nele operações como o simples acondicionamento, ou embalagem, que a verdade não lhe modificam a natureza, nem a finalidade, nem o aperfeiçoam para o consumo. Isto constitui evidente abuso do poder regulamentar, em afronta ao disposto no parágrafo único, do art. 46 do CTN.93

Parece incontestável ter havido uma ampliação do conceito de industrialização pela Lei 4.502/64 e pelo RIPI/Decreto 7.212/2010, já que, por exemplo, a operação que venha a alterar a apresentação do produto é considerada industrialização. Nesse sentido, a colocação de embalagem é tida como hipótese de industrialização, na medida em que se