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2 O IPI E A SUA(S) REGRA(S) MATRIZ(ES) DE INCIDÊNCIA

2.2 A norma jurídica

Na linha de pensamento defendida por Paulo de Barros Carvalho35, com a qual nos coadunamos, em que a linguagem é constitutiva da realidade, o direito cria suas próprias realidades e se consubstancia em um conjunto de normas jurídicas válidas em tempo e espaço certos, que formam o sistema jurídico.

Os textos do direito positivo são os suportes físicos, a base sobre os quais o intérprete constrói as significações; aqueles são os enunciados prescritivos, e essas as normas jurídicas. Ou seja, as normas jurídicas são as significações obtidas pelo intérprete e construídas em seu intelecto a partir dos textos normativos ou enunciados prescritivos.

Paulo Ayres Barreto leciona:

Norma jurídica é a significação construída a partir do direito positivo, de cunho coercitivo, e que se destina à regulação de condutas intersubjetivas. O direito é um sistema composto por normas36.

Vimos que o direito é um corpo de linguagem com função prescritiva e que as normas jurídicas como unidades formadores da ordem jurídica se revelam pela linguagem,

35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 32.

36 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,

daí porque conhecer essa linguagem torna-se fundamental, já que “é pelo veículo da linguagem que temos acesso ao universo das normas jurídicas”, sendo fundamental o apoio dos recursos da Teoria da Linguagem na pesquisa do fenômeno normativo37.

A linguagem prescritiva é a expressão do direito, seus textos prescrevem condutas, e para conhecê-lo é preciso conhecer essa linguagem. A linguagem em sentido amplo é o meio pelo qual o ser humano se comunica e se dá por meio dos signos, que, por sua vez, são as unidades representativas do sistema comunicacional, com os quais o indivíduo se comunica, formando um conjunto sistematizado que é a língua.

Fabiana Del Padre Tomé ensina:

O direito é composto por linguagem, que cria sua própria realidade. Portanto, “direito é texto”. Não estamos nos referindo ao texto em sentido estrito, ou seja, ao mero suporte físico, como é o caso das marcas de tinta sobre o papel. A equiparação do direito ao texto exige que tomemos o vocábulo “texto” em seu sentido lato, no qual se identifica a relação triádica inerente aos signos: suporte físico, significado e significação38. Como nos ensina a autora citada, a formação dos signos é triádica e sua análise se perfaz na inter-relação entre o suporte físico, significado e significação. Nas linhas do direito, os textos legais seriam suportes físicos, a conduta humana intersubjetiva o significado, e, ao extrair os juízos, estes teriam as significações que correspondem às normas jurídicas.

A Semiótica pode ser utilizada como técnica de estudo do direito positivo, aplicando-se os seus três planos de investigação sobre a linguagem prescritiva do direito (sintático, semântico e pragmático). Com o plano sintático, centra-se em uma análise estrutural (relação entre os signos); no semântico, faz-se uma verificação do conteúdo (significado e significação); e, no pragmático, volta-se ao uso da linguagem (como os usuários utilizam os signos).

37 VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba: Juruá, 1993,

p. 46.

38 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A extrafiscalidade tributária como instrumento para concretizar políticas

públicas. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 199.

O intérprete, portanto, orienta-se pelas categorias da semiótica, já que o direito se apresenta como um fenômeno de linguagem, de modo que as construções jurídico- prescritivas sejam pesquisadas pelos ângulos da sintaxe, da semântica e da pragmática.

Lançando-se, desse modo, na construção dos sentidos da linguagem prescritiva do direito, é preciso destacar a ambiguidade do termo “normas jurídicas”, como unidade formadora do sistema jurídico, que podem vir a ser tomadas numa diversidade sintática e por conteúdo semânticos diferentes.

Daí a distinção entre normas jurídicas em sentido amplo, que seriam os conteúdos significativos dos enunciados prescritivos construídos pelo intérprete e ainda não estruturados deonticamente, e normas jurídicas em sentido estrito, que seria a construção articulada das significações com sentido deôntico-jurídico.

As normas jurídicas em sentido amplo não se apresentam com mensagem deôntica completa, enquanto as normas jurídicas em sentido estrito sempre se apresentam com juízo hipotético condicional, por isso afirmar-se haver uma homogeneidade sintática quanto à regras em sentido estrito.

As normas jurídicas em sentido estrito são formadas por um descritor, que é a hipótese ou antecedente e por um prescritor, que é o consequente. Na hipótese ou antecedente, há descrição de uma situação de possível ocorrência, que conjuga um consequente, no qual se tem uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada obrigatória (O), proibida (V) ou permitida (P).

Essa norma jurídica é tida como norma primária, que, conjugada a norma jurídica secundária, forma a norma jurídica completa: naquela, obrigações são estabelecidas em decorrência de fato lícito, vinculando deonticamente um fato a uma conduta; nessa, previsão de acesso ao órgão jurisdicional para cumprimento da norma primária. Vale mencionar, ainda, a norma primária sancionatória, que também estabelece relações jurídicas de direito material, mas atinentes a atos ou fatos ilícitos.

Dentre as normas jurídicas, podemos identificar as normas jurídicas tributárias, que também se apresentam nessa unidade estrutural, sendo construídas a partir do enfoque no subsistema do direito tributário, que condensa toda a matéria que envolve os tributos, seja sua instituição, fiscalização, arrecadação ou extinção. Considerando essa amplitude de

matérias atinentes ao referido subsistema, temos uma quantidade numerosa de normas tributárias, por isso Paulo de Barros Carvalho discrimina-as por grupo institucional, a fim de que sejam mais bem estudadas:

a) normas que estabelecem princípios gerais, demarcadores da virtualidade legislativa no campo tributário;

b) normas que estipulam a incidência do tributo, descrevendo os aspectos de eventos de possível ocorrência e prescrevendo os elementos da obrigação tributária (sujeitos e modo de determinação do objeto da prestação. Chamemo-las de “norma-padrão de incidência” ou “regra- matriz de incidência tributária”, registrando que cabem nesse item as normas que impõem penalidades. E por fim,

c) normas que fixam outras providências administrativas para a operatividade do tributo, tais como as de lançamento, recolhimento, configuração de deveres instrumentais e as relativas à fiscalização.39 Dada essa quantidade de normas tributárias, o citado autor utilizou-se da diferenciação entre norma jurídica tributária em sentido amplo e norma jurídica tributária em sentido estrito, sendo essa última a norma referente à incidência fiscal, nominando-a de regra-matriz de incidência ou norma padrão de incidência.