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2 O IPI E A SUA(S) REGRA(S) MATRIZ(ES) DE INCIDÊNCIA

3.5 CRITÉRIO QUANTITATIVO

3.5.1 Base de cálculo

3.5.1.1 Dos acréscimos estipulados para o preço do produto

Já vimos que a base de cálculo deve expressar o critério material da hipótese tributária e vimos também que há disposição legal impondo que a base de cálculo da materialidade “industrializar produtos” é o preço do produto incluindo-se o frete, descontos condicionais e incondicionais, despesas acessórias, bonificações.

O CTN prescreveu como base de cálculo “o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria”, e a Lei nº 4502/66, como sendo “valor total da operação”. Considerando essa última estipulação, temos que a lei permitiu que o valor total da operação fosse acrescida de outras grandezas cobradas pelo estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.

Assim, entendemos que eventuais acréscimos ao valor do produto devem corresponder a algo que tenha “relação de pertinência com a operação que está sendo realizada no momento da quantificação do fato jurídico”136. Fora disso, parece-nos haver um extrapolamento que resultará na ausência da necessária conexão entre a base de cálculo e a hipótese tributária.

A lei estabelece a inclusão do que denomina despesas acessórias. Essas despesas acessórias, segundo parecer do Fisco, são “outros gastos necessários à realização da operação, como sejam frete, seguro, juros, despesas com carga, descarga, despacho, encargos portuários e outras que tais” (Parecer Normativo do CST 341/71) 137 . Mencionemos algumas delas.

O § 2º do art. 14 da Lei nº 4.502/64, com redação dada pela Lei nº 7.798/89, fixa que não podem ser deduzidos os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente, do valor da respectiva operação. Ou seja, ainda que eles ocorram, o contribuinte não poderá excluí-los da base de cálculo, devendo eles necessariamente integrá-la.

136 TOLEDO, José Eduardo Tellini. IPI – Incidência Tributária e Princípios Constitucionais. São Paulo:

Quartier Latin, 2006, p. 127.

137 Citado por VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba:

Entrementes, vejamos em que se consubstanciam os descontos comerciais e os abatimentos, conforme lições da equipe de professores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, em obra coordenada por Sérgio de Iudícibus:

Descontos incondicionais são os concedidos pelo vendedor a favor do comprador, no ato da compra, em função de vários motivos: seja pela grande quantidade que está sendo vendida, seja porque o comprador é um cliente especial, ou, ainda, porque a empresa imprime catálogos com os preços das mercadorias e, para não alterá-los, frequentemente, faz a aplicação de porcentagens de desconto sobre os mesmos etc.

Abatimentos são concedidos após a venda, em função de avaria ou outro motivo descoberto a posteriori, os Descontos Comerciais já são contratados no ato da venda, quando ficam conhecidos em seu montante138.

Temos que a interpretação que se coaduna com o sistema jurídico é aquela que não generaliza, como o fez a lei, impondo que todo e qualquer desconto seja excluído da base de cálculo. Os descontos incondicionais e abatimentos, como vimos nas definições transcritas, são acontecimentos que efetivamente diminuem o valor da operação; não descontá-los da base de cálculo seria tomar valor que efetivamente não representa o montante correspondente ao valor da operação realizada.

Nesse sentido foi que o STJ reconheceu a impropriedade da lei ao estabelecer a impossibilidade do desconto:

RECURSO ESPECIAL IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. DESCONTOS INCONDICIONAIS. ART. 14, § 2º, DA LEI N. 4.502/64 (REDAÇÃO DADA PELO ART. 15, DA LEI N. 7.798/89). BASE DE CÁLCULO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE.

[…]

2. A jurisprudência dominante deste Tribunal Superior afasta a

incidência do IPI sobre os descontos incondicionais, que não integram o preço final, porquanto a base de cálculo do imposto é o valor

da operação da qual decorre a saída da mercadoria. Por isso que, tendo ocorrido incidência indevida da exação, os valores a serem restituídos deverão ser corrigidos monetariamente.

Precedentes: REsp 510.551/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Turma, julgado em 10/04/2007, DJ 25/04/2007 p. 299; REsp 554.490/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,

SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2006, DJ 17/08/2006 p. 337; REsp 477525/GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2003, DJ 23/06/2003 p. 258; MC nº 15.218 - SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2.12.2009.

3. Recurso especial provido139.

(destaque nosso)

Em caso semelhante, o ministro Luiz Fux destacou que a lei ordinária, a fim de explicitar o disposto na lei complementar, não pode acrescentar elementos estranhos, como o fez com relação à base de cálculo do IPI. São dele as ponderações:

Infere-se deste contexto que é vedado ao legislador ordinário eleger, para a formação da base de cálculo do IPI, elemento estranho à operação realizada. A base de cálculo da citada exação é o valor da operação, e esta se define no momento em que a operação se concretiza. Desta sorte revela-se inequívoco que havendo descontos incondicionais, estes não podem integrar o valor da operação para fins de tributação do IPI, porquanto os valores a eles referentes são deduzidos do montante da operação, antes de realizada a saída da mercadoria, fato gerador deste imposto.

Estabelecendo a lei complementar os contornos relativos à base de cálculo do tributo, isto em consonância com o que dispõe a Constituição Federal, não pode o legislador ordinário, a pretexto de explicitar o conceito veiculado no diploma complementar, inserir elemento estranho à definição fornecida pela lei maior.

Na hipótese em apreço, tendo o Código Tributário Nacional, por seu art. 47, definido como base de cálculo do IPI o valor da operação, qualquer elemento estranho à mesma efetivamente realizada é afastado para fins de composição do quantum sobre o qual vai incidir a alíquota do tributo em questão.

Essa questão da exclusão dos descontos incondicionais da base de cálculo do IPI foi objeto do RE 567.935-RG/SC, em que houve o reconhecimento de repercussão geral quanto à constitucionalidade ou não do art. 15 da Lei nº 7.798/89 pelo Ministro Marco Aurélio. A União alega ser possível a lei ordinária discorrer sobre elementos integrantes do conceito de “valor da operação” sendo que a referida lei apenas clarificou

139 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.161.208/SP. Relator: Ministro Mauro

Cambell Marques. Julgamento: 28 set. 2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 15 out. 2010.

conceito indeterminado previsto no CTN. Logo, não haveria contradição entre os diplomas140.

Deveras, a referida lei efetivamente não só clarificou, como fez acrescer elementos outros não previstos no CTN, havendo nítido extrapolamento, considerando que cabe à lei complementar dispor nesse sentido, além do que o próprio texto constitucional circunscreve o termo “operação”, sendo o valor real, efetivo e representativo dessa que deverá compor a base de cálculo. Nada obstante tal entendimento, é preciso aguardar como a Suprema Corte irá se posicionar.

Além dos descontos incondicionais, o art. 15 da Lei 7.798/89 alterou a Lei nº 4502/64, perpetrando mais uma inconstitucionalidade, já que prescreveu que o frete passaria a fazer parte do valor da operação de saída para fins de cálculo do IPI, bem como tem o Fisco entendido que dentre as despesas acessórias incluem-se as de seguro.

Entendemos que tais gastos fazem efetivamente parte dos valores que podem existir no ciclo produtivo, mas não formam o valor da operação que deve se enquadrar na circunstância reveladora da materialidade de industrializar produtos e submetê-los à saída do estabelecimento por meio de um negócio jurídico. O transporte e o seguro ocorrem em fase subsequente ao do resultado da industrialização, que é a obtenção do produto industrializado.

Cleber Giardino, afirmando que o valor da operação se apura no instante de sua realização, leciona que “o que surge depois – como efeito ou resultado da operação – mesmo que comporte significado econômico-financeiro é algo, ontologicamente, dela distinto”141.

O referido autor, ao firmar tal posição, também se reporta aos tributos que decorrem da realização da operação, destacando que “O ‘valor da operação’ – como base de cálculo, seja do IPI, seja do ICM, – não pode incorporar, reciprocamente, o montante

140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 567.935/SP. Relator: Ministro Marco

Aurélio. Tribunal Pleno. Decisão que reconheceu a repercussão em 24 maio 2008. Publicação: 06 abr. 2010.

141 GIARDINO, Cleber. Conflitos entre imposto sobre produtos industrializados e imposto sobre operações

relativas à circulação de mercadorias. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 13/14, jul.-dez. 1980, p. 144.

correspondente ao outro tributo”. Conclui pela invalidade da inclusão dos tributos nas suas próprias e respectivas bases de cálculo.

Nada obstante entendermos nesse sentido, certo é que a inclusão do ICMS na base de cálculo do IPI foi objeto de decisão judicial favorável142, considerando regular a inclusão, sob a assertiva de que o ICMS integra o preço final do produto que será pago pelo adquirente, sendo, no entanto, destacado em separado na nota fiscal para fins formais de futura compensação, mas o seu valor já consta do preço total da operação.

No que tange ao frete, diferentemente, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela impossibilidade de incluí-lo na base de cálculo do IPI:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE REALIZADO POR EMPRESA COLIGADA NA BASE DE CÁLCULO.

VALOR REAL DA OPERAÇÃO. DESCONTOS INCONDICIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 47 DO CTN. PRECEDENTES. 1. A alteração do art. 14 da Lei nº 4.502/64 pelo art. 15 da Lei nº 7.798/89 para fazer incluir, na base de cálculo do IPI, o valor do frete realizado por empresa coligada, não pode subsistir, tendo em vista os ditames do art. 47 do CTN, o qual define como base de cálculo o valor da operação de que decorre a saída da mercadoria, devendo-se entender como “valor da operação” o contrato de compra e venda, no qual se estabelece o preço fixado pelas partes.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça envereda no sentido de que:

- “Consoante explicita o art. 47 do CTN, a base de cálculo do IPI é o valor da operação consubstanciado no preço final da operação de saída da mercadoria do estabelecimento. O Direito Tributário vale-se dos conceitos privatísticos sem contudo afastá-los, por isso que o valor da operação é o preço e, este, é o quantum final ajustado consensualmente entre comprador e vendedor, que pode ser o resultado da tabela com seus descontos incondicionais.

[…]143

142 TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS IPI. INCLUSÃO DO ICMS

NA BASE DE CÁLCULO DO IPI. 1. A jurisprudência desta Corte é pacífica em proclamar a inclusão do ICMS na base de cálculo do IPI. Precedentes: REsp. Nº 610.908 PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 20.9.2005, AgRg no REsp.Nº 462.262 SC, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20.11.2007. 2. Recurso especial não provido. Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima.

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 675.663/PR. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgamento: 24 ago. 2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 30 set. 2010).

143 Id. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 667.950/RN. Relator: Ministro José Delgado.

Nada obstante o reconhecimento pelo STJ de que a lei ordinária não poderia fazer os acréscimos que fez, no REsp 209.320 houve o reconhecimento de que essa matéria de conflito de competência cabe ao Supremo Tribunal de Federal, já que o cerne da questão estaria em verificar o conflito entre uma e outra norma em confronto ao disposto na Constituição Federal:

TRIBUTÁRIO. IPI. BASE DE CÁLCULO. ART. 15 DA LEI Nº 7.798⁄89. ALTERAÇÃO DO ART. 47⁄CTN. IMPOSSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS LEIS. MATÉRIA DE CARÁTER CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA "RATIONE MATERIAE" DA TURMA PARA JULGÁ-LA. RECURSO DO QUAL NÃO SE CONHECE144.

Desde as alterações introduzidas pela Lei nº 7.798/89, a União se pôs a tomar a base de cálculo “valor da operação” de forma ampla, incluindo diversas despesas que não guardam relação objetiva com a materialidade constante do critério material, destoando da perspectiva dimensível que a base de cálculo deve possuir.

A tributação por meio do IPI, na hipótese que alberga o produto da indústria, objetiva atingir o produto da industrialização, e, nesse sentido, a base de cálculo, como grandeza dimensível do critério material, deve corresponder ao valor da operação pelo qual o produto industrializado der saída do estabelecimento, sendo esse o valor real que deve ser considerado.

O comportamento industrializar produtos tomado como critério do IPI se perfaz com a venda do produto industrializado; portanto, o que se quer atingir é esse produto industrializado. O art. 47, II do CTN, lei complementar, prescreve sobre a base de cálculo do IPI, estabelecendo ser “o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria”.

A lei ordinária, ao estabelecer acréscimos ao “valor da operação”, fez a inclusão de outras grandezas e se desajustou do disposto no Código Tributário Nacional. A Lei nº 7.798/89 de natureza ordinária não poderia ter disciplinado matéria reservada à lei complementar e alterar a base de cálculo do IPI.

144 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 209.320/DF. Relator: Ministro Castro