• Nenhum resultado encontrado

2 O IPI E A SUA(S) REGRA(S) MATRIZ(ES) DE INCIDÊNCIA

3.4 CRITÉRIO PESSOAL

3.4.2 Sujeito passivo: o industrial e o equiparado à industrial

O sujeito passivo integra a relação jurídica tributária na posição de devedor do tributo, tendo o dever de adimplir a obrigação tributária. O legislador, ao eleger o sujeito passivo, deve escolher uma pessoa que esteja vinculada ao núcleo da materialidade do IPI, ou seja, alguém que mantenha relação direta com a materialidade do IPI.

O Código Tributário Nacional estabelece, em seu art. 51, quanto aos produtos da indústria, que serão contribuintes do imposto “o importador ou quem a lei a ele equiparar”; e “o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior”.

A Lei nº 4520/64 estabelece que o contribuinte do IPI será “tôda pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado que, por sujeição direta ou por substituição, seja obrigada ao pagamento do tributo”. Nesse sentido, prescreve como contribuinte originário “o produtor, inclusive os que lhe são equiparados pelo art. 4º - com relação aos produtos tributados que real ou fictìciamente, saírem de seu estabelecimento”. O Regulamento do IPI também disciplinou a matéria em seu art. 24114, fazendo-o à semelhança do CTN.

114 Art. 24. São obrigados ao pagamento do imposto como contribuinte:

[…]

II - o industrial, em relação ao fato gerador decorrente da saída de produto que industrializar em seu estabelecimento, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea “a”);

III - o estabelecimento equiparado a industrial, quanto ao fato gerador relativo aos produtos que dele saírem, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea “a”); […]

(BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

O sujeito passivo do IPI para os produtos da indústria é fundamentalmente o industrial. O industrial é a pessoa que promove a industrialização e realiza a operação com a saída do produto do seu estabelecimento, que, nos termos da Lei nº 4.502/64, é chamado de produtor, reportando-se a ele como contribuinte originário. Esse mesmo diploma legal dispõe, em seu art. 3º, que considera estabelecimento produtor aquele que industrializar produtos115.

Com relação ao contribuinte originário eleito pela lei como sendo o “produtor”, caracterizada a industrialização pelo seu estabelecimento, exsurge a obrigação tributária. Entretanto, a lei elegeu também, como contribuinte originário, sujeitos que se equiparam ao produtor para fins de fazer surgir a relação jurídica tributária:

Art. 4º Equiparam-se a estabelecimento produtor, para todos os efeitos desta Lei:

[…]

II - as filiais e demais estabelecimentos que exercerem o comércio de produtos importados, industrializados ou mandados industrializar por outro estabelecimento do mesmo contribuinte;

III - os que enviarem a estabelecimento de terceiro, matéria-prima, produto intermediário, moldes, matrizes ou modelos destinados à industrialização de produtos de seu comércio.

IV - os que efetuem vendas por atacado de matérias-primas, produtos intermediários, embalagens, equipamentos e outros bens de produção.

O Regulamento do IPI, Decreto nº 7212/10, traz, em seu art. 9º, outras equiparações fixadas em leis esparsas116, marcadamente pela figura do estabelecimento atacadista, dos estabelecimentos comerciais varejistas e das cooperativas de produtores que venderem a produção de seus associados quanto a vinhos e derivados117.

115 Art. 3º Considera-se estabelecimento produtor todo aquele que industrializar produtos sujeitos ao

impôsto.

(Id. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

116 Decreto-lei nº 1593/77; Lei nº 9430/97; Lei 11.281/06; Lei nº 9779/99; Lei nº 10.883/03; Lei nº

11.727/08.

117 Art. 9º

[…]

VII - os estabelecimentos atacadistas e cooperativas de produtores que derem saída a bebidas alcoólicas e demais produtos, de produção nacional, classificados nas Posições 22.04, 22.05, 22.06 e 22.08 da TIPI e acondicionados em recipientes de capacidade superior ao limite máximo permitido para venda a varejo, com destino aos seguintes estabelecimentos (Lei nº 9.493, de 1997, art. 3º):

a) industriais que utilizarem os produtos mencionados como matéria-prima ou produto intermediário na fabricação de bebidas;

b) atacadistas e cooperativas de produtores; ou

O CTN considera, então, o industrial como o contribuinte de IPI e o comerciante que fornece produtos ao industrial, figura essa também prevista no inciso IV, do art. 4º da Lei nº 4502/64. O industrial é aquele que efetivamente realiza o processo de industrialização e que guarda relação direta com o critério material do IPI (industrializar produtos).

Os demais estabelecimentos denominados “equiparados” não realizam o processo de industrialização, mas são colocados na posição de contribuinte do IPI, como se o fizessem118. O RIPI traz ainda uma equiparação na modalidade opcional, constante do art. 11119.

Temos pelo atual Regulamento do IPI, Decreto nº 7.212/2010, dois tipos de equiparação a estabelecimento industrial, sendo uma obrigatória ou compulsória (art. 9º e 10º) e a equiparação por opção (art. 11º). Para que haja a referida equiparação, o contribuinte deve registrar seus dados cadastrais na REF, alocando-se como contribuinte do IPI.

Os equiparados a industrial por opção são aqueles que se enquadram como estabelecimento comercial que der saída a bens de produção para estabelecimentos industriais ou revendedores, exceto quando destinados a particulares e em quantidade que não exceda a normalmente destinada ao seu próprio uso (art. 14, I, “a” do RIPI). Podem se equiparar ainda, por opção, as cooperativas constituídas nos termos da Lei nº 5.764/71, que se “dedicarem à venda em comum de bens de produção, recebidos de seus associados para comercialização”.

A figura do “estabelecimento equiparado a industrial” trata-se de ficção legal, pois os negócios realizados por esses estabelecimentos jamais darão saída a produtos

c) engarrafadores dos mesmos produtos; […]

(BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

118 Art. 9o do Decreto nº 7212/2010. (Ibid.).

119 Art. 11. Equiparam-se a estabelecimento industrial, por opção:

I - os estabelecimentos comerciais que derem saída a bens de produção, para estabelecimentos industriais ou revendedores, observado o disposto na alínea “a” do inciso I do art. 14; e

II - as cooperativas, constituídas nos termos da Lei no 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que se dedicarem à venda em comum de bens de produção, recebidos de seus associados para comercialização. (Ibid.).

advindos do processo de industrialização, não havendo uma igualdade por semelhança capaz de ensejar uma equiparação. Nesse sentido, resta-nos ponderar a eleição desses contribuintes por ficção legal.

Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo ensinam:

[…] equiparação é o artifício, usado pelo legislador, para igualar situações que, posto dissemelhantes, apresentam pontos de identificação. Trata-se, pois, de um artifício, que busca equalizar, sob a ótica do Direito, coisas diferentes, dispensando-lhes o mesmo tratamento120.

Os mestres, ao tempo em que delimitam o que seja a equiparação como fundamentalmente representativas de artifício criado pelo legislador, alertam que o seu uso indiscriminado no campo tributário não se justifica, “especialmente quando isso põe em risco os direitos constitucionais dos contribuintes”.

A Constituição Federal nos trouxe apenas o núcleo da materialidade quanto ao IPI “produtos industrializados”, restando ao legislador infraconstitucional eleger o sujeito passivo. Nas diretrizes do Código Tributário Nacional, podemos identificar três critérios materiais distintos, sendo um deles a conduta voltada a “industrializar produtos”. O sujeito passivo nesse caso deve ser escolhido considerando a referida materialidade, ou seja, será aquele que venha a cumprir, executar aquele comportamento.

No caso do IPI, a lei elegeu como contribuinte não só o fabricante do produto industrializado, mas sujeitos equiparados ao industrial. Como se mencionou, para que haja equiparação, é preciso que as situações dissemelhantes apresentem pontos de identificação; assim, para que possa haver equiparação a industrial é preciso que referidos pontos de identificação sejam fortes o suficiente para tornar o equiparado sujeito de obrigação tributária do IPI.

A materialidade eleita para os produtos da indústria é a conduta “industrializar produtos”, e, nos limites estabelecidos pelo CTN, industrializar é submeter o produto “a

120 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista

qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”121.

Nesse contexto, somente poderia ser equiparado ao industrial e colocado na condição de sujeito passivo do IPI aquele que, sem revestir a qualidade de industrial, viesse a praticar atos relacionados com o processo de industrializado. São precisas as lições de Hugo de Brito Machado:

Industrial por equiparação legal é aquele que está de algum modo ligado a umas das hipóteses de incidência do imposto, mas, a rigor, não poderia ser tido como industrial. A equiparação legal tem por fim evitar questionamentos, mas não pode ser arbitrária, vale dizer, a lei não pode

equiparar qualquer pessoa ao industrial, apenas para dele cobrar o imposto, sem que exista um elo entre aquele que é equiparado a industrial e a atividade de industrialização ou de comercialização do

produto dela resultante. É imprescindível a existência de alguma relação entre o industrial por equiparação legal e a hipótese de incidência do imposto122. (grifo nosso).

Extrai-se, também, dos ensinamentos de Hugo de Brito Machado, que a equiparação permitida é aquela que demonstra existir um mínimo de enlace, de ligação entre a situação equiparada daquela que efetivamente se igualou.

Tércio Sampaio Ferraz Jr discorrendo sobre equiparação afirma que “não procede a uma igualação artificial entre dados essencialmente desiguais, mas afirma a existência de uma igualdade por semelhança, à qual se subsumem situações, apesar da existência de dissemelhanças secundárias”123.

O mesmo autor afirma que o CTN autoriza o legislador a fazer equiparações:

A equiparação está expressamente autorizada pelo art. 51 do CTN, que trata da sujeição passiva do IPI, considerando contribuinte do imposto: "I - o importador ou quem a lei a ele equiparar; II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar". O CTN autoriza equiparações ao importador ou ao industrial para efeito de sujeição passiva. Para que a lei proceda, pois, à

121 Art. 46, parágrafo único (BRASIL. Presidência da República. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172,

de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 out. 1966).

122 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. v. I. São Paulo: Atlas,

2003, p. 512.

123 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Equiparação - CNT, Art. 51. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 28, p.

10-14, 1999. Disponível em: <http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/89>. Acesso em: 02 mar. 2013.

equiparação, faz mister a afirmação de uma analogia entre esses sujeitos e o sujeito equiparado. Entre eles deve haver uma similitude essencial, em que pesem diferenças secundárias. O ponto de partida é, pois, uma semelhança e não uma diferença essencial (esta, própria da ficção).

Entretanto, vejamos se as equiparações perpetradas evidenciam um elo, uma possível semelhança, quais sejam: (i) estabelecimentos importadores que derem saída a esses produtos; (ii) estabelecimentos varejistas que comercializarem os referidos produtos; (iii) filiais e estabelecimentos que comercializarem produtos importados, industrializados; (iv) estabelecimentos comerciais atacadistas dos produtos classificados nas Posições 71.01 a 71.16 da TIPI (pérolas naturais ou cultivadas, pedras preciosas ou sintéticas; (v) os estabelecimentos atacadistas e cooperativas de produtores que derem saída a bebidas alcoólicas e demais produtos, de produção nacional (22.04, 22.05, 22.06 e 22.08 da TIPI) e acondicionados em recipientes de capacidade superior ao limite máximo permitido para venda a varejo, com destino aos estabelecimentos a) industriais que utilizarem os produtos mencionados como matéria-prima ou produto intermediário na fabricação de bebidas, b) atacadistas e cooperativas de produtores ou c) engarrafadores dos mesmos produtos; (vi) estabelecimentos comerciais atacadistas que adquirirem de estabelecimentos importadores determinados produtos de procedência estrangeira (33.03 a 33.07 da TIPI); (vii) estabelecimentos, atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora; (viii) estabelecimentos atacadistas de automóveis de passageiros (87.03 da TIPI ); (ix) estabelecimentos comerciais atacadistas de produtos de preparação utilizadas na elaboração de bebidas e os que adquirirem destes diretamente, ou de encomendante.

Assim, deve existir elo a justificar a equiparação, como é o caso do inciso IV do art. 4º da Lei nº 4502/64, que equipara os que vendem por atacado matérias-primas, produtos intermediários, embalagens, equipamentos e outros bens de produção. Veja-se que tais sujeitos vendem bens que possuem relação direta com a produção; sem eles, não se produz. Ou seja, os insumos que fornecem serão industrializados, havendo, portanto, relação com o critério material, e a tributação se justifica.

Diferentemente, não existindo ligação compatível com o comportamento industrializar entre os equiparados e aquele ao qual se igualou, não se pode equiparar e nem criar por ficção essa equiparação. Tércio Sampaio Ferraz Jr. nos dá a dimensão dessas

figuras: “a equiparação afirma uma igualdade, desprezando desigualdades secundárias, enquanto a ficção afirma uma desigualdade essencial, procedendo, não obstante, a uma igualação”124.

Ainda nas lições dos mestres, Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo:

[…] na ficção, o ato, mais que improvável ou inverossímil, é falso e, nesta medida, jamais será real. É um artifício do legislador, que transforma uma impossibilidade material numa possibilidade de natureza jurídica. Nesse sentido, é uma criação do legislador, que faz nascer uma verdade jurídica diferente da verdade real125.

Destarte, ainda que o direito possa criar suas próprias realidades, certo é que, no que tange ao Direito Tributário, temos a afetação do direito a propriedade, o que se impõe que a utilização das ficções deva ser utilizada com cautela.

Cristiano Carvalho elucida:

As ficções são produtos da cultura, figuras linguísticas, cuja função não é descrever a realidade, mesmo a institucional, mas, sim, desconsiderar a realidade (natural ou institucional), para atingir algum propósito determinado. Esse propósito pode ser contar uma história, construir modelos científicos e até mesmo criar direitos e obrigações126.

O autor menciona que a essência das ficções está na expressão “como se”, um elemento do discurso, cuja função é fabuladora, linguagem essa, como destaca Paulo de Barros Carvalho, utilizada frequentemente quanto às ficções jurídicas127.

Adiante, o mesmo autor, abordando especificamente as ficções jurídicas, ensina:

Podemos definir a ficção a partir da função da hipótese de incidência atribuída por Lourival Vilanova (1997, p.96); “a hipótese é o descritor de

124 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Equiparação - CNT, Art. 51. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 28, p.

10-14, 1999. Disponível em: <http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/89>. Acesso em: 02 mar. 2013.

125 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista

Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 140, 2007, p. 98.

126 CARVALHO, Cristiano. Ficções Jurídicas no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 69. 127 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São

possível situação fáctica no mundo (natural ou social, social juridicizada inclusive), cuja ocorrência na realidade verifica o descrito na hipótese”. O que as ficções fazem é justamente não levar em consideração as situações naturais, sociais ou jurídicas, de modo a produzir determinados efeitos jurídicos.

Verificamos que as ficções jurídicas desconsideram determinadas situações, criando outras e a elas atribuem efeitos jurídicos. No caso da eleição de contribuintes na qualidade de equiparados ao industrial, foi exatamente o que ocorreu, surgindo, assim, a indagação sobre se seria possível tomar os equiparados a industrial “como se” industrial fossem.

Nesse sentido, servimo-nos, novamente, das lições de Cristiano Carvalho, que afirma serem legítimas as ficções quando sua “única função é tornar o subsistema tributário operacional, sem, no entanto, ferir a capacidade contributiva. Ficções que ultrapassam essa função meramente integradora devem sucumbir ao teste da constitucionalidade”.

Vimos dentre algumas figuras equiparadas o estabelecimento atacadista, os estabelecimentos comerciais varejistas e algumas cooperativas de produtores. Necessariamente tais figuras não realizam a industrialização, afastam-se completamente da materialidade “industrializar produtos”. Parece-nos que a figura dos equiparados ao industrial tem sua constitucionalidade duvidosa.

O sistema tributário nacional está construído dentro de uma estipulação constitucional rígida de competências, que delimita o campo de atuação dos entes políticos, que, ao exercer a sua competência, devem se pautar pelas dicções constitucionais, impondo que na instituição de seus tributos atentem-se rigorosamente às normas constitucionais.

Destarte, não podem fazer uso dessa competência tributária para alargar a incidência do tributo, elegendo, por ficção jurídica, como contribuinte quem, efetivamente, nem por semelhança, realiza a materialidade da exigência fiscal; “não podem transformar

qualquer pessoa em contribuinte de IPI”128, sob pena de desrespeitar as normas constitucionais.

Assim, se dentro do núcleo “produtos industrializados” uma de suas hipóteses de incidência é “industrializar produtos”, a eleição do sujeito passivo não pode se afastar desse comportamento, já que a norma padrão de incidência deve colher seus elementos a partir da situação que se busca atingir pela tributação. Essa moldura estrutural da norma deve ser respeitada sob pena de insegurança jurídica, não se pode falar em atribuir a sujeição passiva a quem não industrializa.

José Souto Maior Borges evidência a eminência do princípio da segurança jurídica, destacando que sem ele sequer pode o Brasil definir-se como Estado Democrático de Direito:

Segurança é direito e garantia fundamentais, não sendo possível desconsiderá-la em qualquer nível de aplicação infraconstitucional, isto é, nas leis e regulamentos fiscais e até nos atos de sua execução. É essa uma característica dos princípios fundamentais que permeiam a exegese constitucional em qualquer tópico de aplicação do sistema jurídico positivo, no plano hierárquico infraconstitucional, o das leis e regulamentos fiscais129.

A vinculação do sujeito passivo à materialidade da hipótese tributária é diretriz que se constrói a partir do próprio texto constitucional, sendo critério limitador para o legislador e garantia dos administrados; destoar desse contexto é romper a segurança jurídica que se reflete em toda essa organização constitucional estabelecida.

A aludida equiparação também viola o princípio da capacidade contributiva, em cujas exigências caracterizadoras está a necessidade de haver identidade entre o sujeito que realiza a situação prevista na hipótese tributária e aquele que efetivamente irá ocupar o polo passivo da obrigação tributária:

Erigir uma ficção desconsiderando essa necessária identidade é violar a capacidade contributiva que deve integrar toda produção normativa,

128 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista

Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 140, 2007, p. 104.

129 BORGES, José Souto Maior. Segurança jurídica: sobre a distinção entre as competências fiscais para

orientar e autuar o contribuinte. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 100, 2008, p. 20.

como diretivo nuclear do sistema. Como exemplo temos a equiparação de organizações que não realizam realmente atividades tributáveis com aquelas que realizam, desconsiderando a realidade institucional e jurídica, ao tributar pessoas jurídicas que não ocupam status dos reais contribuintes daquele tributo. O imposto sobre produtos industrializados é fértil dessas ficções de segundo e terceiro grau, ao equiparar determinadas empresas com estabelecimentos industriais, para fins de exação tributária130.

José Eduardo Soares de Melo 131 reprime, veementemente, a referida equiparação:

Injurídica a figura do estabelecimento equiparado a industrial, porque a real capacidade econômica é intrínseca ao fabricante do produto, em face de sua natural estrutura empresarial, tecnologia, e pessoal habilitado. São inaceitáveis os mecanismos engendrados pelo legislador com a finalidade de obter a liquidação do tributo por pessoas estranhas à realização da industrialização, em razão do que o elenco dos contribuintes não pode ser ampliado de modo a permitir a exigência tributária fora dos parâmetros constitucionais.

Somente poderia ser equiparada a industrial a pessoa que realiza industrialização. Quem realiza venda de bens, reveste a natureza jurídica distinta de industrial. Não pode o legislador ordinário modificar a natureza do tributo, qualificando o comerciante como industrial.

José Eduardo Soares de Melo assevera que, ao assim proceder, o legislador infraconstitucional criou ficções jurídicas incompatíveis com o princípio da tipicidade fechada e da segurança jurídica, “comprometendo o patrimônio de terceiros (comerciantes) que não praticam fatos geradores de IPI (industrialização)”.

Os equiparados ao industrial, em verdade, fazem a venda de bens ou revenda de bens, não realizam a industrialização de produtos. Deveras, colocar na qualidade de sujeito passivo quem não realizou qualquer atividade de industrialização nas operações internas evidencia um extrapolamento das dicções constitucionais.

A constituição trouxe a previsão da figura do “produto industrializado” a ser atingido. A Lei instituidora 4520/64 prescreveu que estabelecimento produtor é todo aquele que industrializar produtos, ou seja, são produtos que se submeteram a uma operação de industrialização. Logo, equiparar a industrial “como se” fosse industrial é criar