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5 ANÁLISE DE PRINCÍPIOS APLICADOS AO IPI

5.2 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade impõe que a instituição de todo tributo se dê por meio de lei, conforme previsão constitucional específica constante do art. 150, inciso I, disposição essa integrante do capítulo Sistema Tributário Nacional da Constituição Federal de 1988. O princípio da legalidade é um limite intransponível à atuação Estatal e para os administrados é assegurado de que as restrições impostas ao seu patrimônio advenha por meio de lei.

O professor Roque Antonio Carrazza nos ensina que “criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. Em suma, é editar, pormenorizadamente, a norma jurídica tributária”.203

Em decorrência do princípio da legalidade, a lei deve delimitar concreta e exaustivamente a norma padrão de incidência ou a regra-matriz de incidência. Não pode haver a delegação de poderes à Administração para que venha a dispor sobre os elementos da referida norma, tarefa essa que cabe à lei instituidora do gravame.

Todos os elementos essenciais do tributo devem ser erigidos abstratamente pela lei, para que se considerem cumpridas as exigências do princípio da legalidade. Vale dizer, o princípio da legalidade no âmbito tributário exige que a imposição tributária esteja rigorosamente descrita na lei.

Não é sem razão que a professora Mizabel Abreu Machado Derzi, em nota de atualização à obra do de Aliomar Baleeiro, destaca “Somente a lei, formalmente compreendida, vale dizer, como ato oriundo do Poder Legislativo, é ato normativo próprio à criação dos fatos jurígenos, deveres e sanções tributárias.”204

Com o IPI não é diferente, embora haja a previsão de alteração das alíquotas por decreto. O texto constitucional permite estipulação das alíquotas por decreto, mas certo

203 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008, p. 257.

204 DERZI, Mizabel Abreu Machado. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de

é que essa competência é limitada e vigiada: limitada porque a variação possível da alíquota é pautada por lei; e vigiada porque qualquer excesso é possível de ser corrigido pelo Poder Judiciário.

A Carta Magna dispôs, em seu art. 153, § 1º, que “é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”.

O inciso IV se refere ao IPI. A Constituição Federal prescreveu que o Poder Executivo tem competência para alterar as alíquotas desse tributo, mas impôs que essa alteração observasse as condições e limites que estariam dispostos em lei. Veja-se que a abertura proporcionada pelo sistema constitucional é limitada.

O IPI apresenta-se como instrumental hábil a realizar e implementar políticas públicas, essencialmente demarcado pela intervenção na economia, variando a carga tributária sobre determinados artigos para estimular ou desestimular a sua produção, podendo o Poder Executivo fazê-lo por Decreto.

A produção industrial de um país envolve toda uma gama de situações, como desenvolvimento social, absorção de mão de obra, geração de riqueza, enfim influencia nos resultados da economia e na sociedade, situações essas que dependem do momento vivido, são circunstanciais, sendo que, nos mais das vezes, a intervenção para atingi-las exige tomada de medidas céleres, o que justifica a possibilidade de alteração das alíquotas por Decreto.

Essa flutuação de acontecimentos e a consequente necessidade de tomadas de decisões necessárias para corrigir eventuais distorções justificam a abertura feita pelo constituinte ao permitir a manipulação das alíquotas sobre o produto industrializado tributado por meio de IPI.

O constituinte, no entanto, não excepcionou o princípio da legalidade no IPI; o que fez, em verdade, foi permitir o manejo das alíquotas por decreto, mas dentro de limites impostos pela lei. Poderíamos até falar em uma flexibilização, mas apenas no sentido de o Poder Executivo poder proceder a uma variação de alíquotas sobre determinado produto da indústria com a estrita observância nos limites fixados pela lei.

Veja-se que o constituinte não afastou a observância do princípio da legalidade, apenas autorizou o Poder Executivo a fixar as alíquotas dentro dos parâmetros estipulados pelo legislador ordinário.

A competência para alterar as alíquotas do IPI, portanto, pertence ao Presidente da República, chefe do Poder Executivo e responsável pelas políticas governamentais e sociais; ainda que o constituinte expressamente não tenha estabelecido que a competência seria do chefe desse Poder, temos que somente este tem a referida competência, como agente eleito para o fim de comandar a estrutura governamental.

A imposição de lei para a criação de tributo condiz com o Estado Democrático de Direito, em que os representantes do povo possuem autorização constitucional para atingir o patrimônio dos particulares pela tributação. Assim, se o constituinte possibilitou que as alíquotas viessem a ser alteradas pelo Poder Executivo, somente o chefe desse Poder, também eleito para representar o povo, tem competência para proceder à alteração das alíquotas.

Nada obstante, não é isso que tem ocorrido, já que muitas alterações têm sido perpetradas por ministros das pastas das áreas de interesses, que são meros agentes executores e subordinados ao chefe do Poder Executivo.

Não há amparo jurídico para a previsão constante do atual regulamento do IPI, Decreto nº 7212/10, que possibilita ao Ministro realizar a alocação de produtos nas Classes de valores do imposto, art. 210: “O enquadramento dos produtos nacionais nas Classes de valores de imposto será feito por ato do Ministro de Estado da Fazenda.”

O enquadramento dos produtos nas respectivas Classes de valores significa proceder à alteração das alíquotas, já que, ao modificar o enquadramento do produto nessa ou naquela classe, pode resultar na aplicação de alíquotas diferentes. Os ministros, como auxiliares no exercício do Poder Executivo comandado pelo Presidente da República, não detêm competência para modificar as alíquotas, já que o art. 84, parágrafo único, do texto constitucional não trouxe tal matéria como possível de delegação.

Ademais, a função de modificar as alíquotas dentro dos parâmetros legais caracteriza-se como função atípica do Poder Executivo, o que nos autoriza a interpretar restritivamente a autorização encartada no texto constitucional; eis que prepondera no

sistema jurídico tributário como pressuposto essencial de toda atividade tributária a observância da legalidade.

Se ao executivo é dada a possibilidade de graduar as alíquotas do IPI por Decreto, dentro dos parâmetros legais, entendemos que somente o chefe desse Poder como autoridade máxima é quem detém a competência; eis que à semelhança dos legisladores é o presidente também submetido à escolha pelo povo que efetivamente está autorizado a “legislar”.205

No desempenho dessa atividade de modificação das alíquotas, o chefe do Poder Executivo, ressalta-se, mais uma vez, não o faz livremente; eis que o dispositivo constitucional que lhe faculta tal atividade impõe que a referida alteração deve respeitar “as condições e os limites estabelecidos em lei”.

Américo Lacombe, reportando-se a essa permissão constitucional, leciona:

[…] limita-se a conferir ao Executivo poder de alterar, isto é, modificar aquilo que já existe, que já foi criado. Só esta pode prever e alterar a hipótese de incidência (antecedente normativo) e a previsão dos sujeitos no mandamento (consequente normativo)206.

A professora Mizabel Abreu Machado Derzi, em nota à obra de Aliomar Baleeiro, ensina: “No que tange à especificidade legal quantitativa, a Carta Magna vigente concede ao Poder Executivo a faculdade de graduar as alíquotas, dentro dos limites previamente postos pela lei disciplinadora dos impostos […]”.207

Com supedâneo nas lições da citada professora, concluímos que a melhor expressão para a autorização constitucional de modificar as alíquotas pelo Poder Executivo é a “graduação de alíquotas”, na medida em que representa exatamente o que acontece, pois a referida modificação das alíquotas dos produtos da indústria, em verdade, ocorre por uma graduação de alíquotas.

205 A expressão “legislar” foi utilizada em sentido amplo.

206 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa –

Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 125.

207 DERZI, Mizabel Abreu Machado. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de

Graduar nada mais é do que aumentar ou diminuir progressivamente a quantidade de algo208, que, no caso das alíquotas do IPI, seria dentro da “quantidade” estipulada pela lei, ou seja, o Poder Executivo não cria alíquotas, mas as gradua dentro dos limites mínimos e máximo prescritos na lei.

Pois bem, e quais seriam esses limites? No plano infraconstitucional, temos o Decreto-lei nº 1.199/71 que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que trouxe os limites e as condições legais para o Poder Executivo proceder às alterações das alíquotas, permitindo reduzir até zero ou aumentá-las em até trinta unidades o percentual de incidência fixado em lei, dispondo:

Art. 4º O Poder Executivo, em relação ao Impôsto sôbre Produtos Industrializados, quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, fica autorizado:

I - a reduzir alíquotas até 0 (zero);

II - a majorar alíquotas, acrescentando até 30 (trinta) unidades ao percentual de incidência fixado na lei;

O Poder Executivo, para atingir os objetivos da política econômica governamental, bem como para dar efetividade à política definidora do atendimento à essencialidade dos produtos, pode, então, promover a graduação das alíquotas do IPI dentro dos parâmetros legais prescritos.

Importante destacar também que essa possibilidade de alteração deve ser seguida de motivação. Ao proceder às alterações de alíquotas, o Executivo deve motivar suas razões, ou seja, explicar os motivos que o levaram a promover a modificação – aumentando-as ou diminuindo-as –, devendo ser acompanhada de justificativa que vá ao encontro das políticas públicas visadas.

Ao interpretarmos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, mormente o Decreto-lei nº 1.199/71 citado, que autoriza a modificação das alíquotas “quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental”, conclui-se que a motivação da alteração seria pressuposto necessário para a referida autorização.

Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo com precisão afirmam: “qualquer ato do Poder Executivo, que venha a alterar as alíquotas do IPI, há de ser motivado. Caso não se paute por critérios fundados e pertinentes, explicitados em justificação adequada, padecerá de manifesta injuridicidade”209.

A falta de motivação ou a motivação apartada das diretrizes da essencialidade dos produtos e do escopo de atingir os objetivos da política econômica governamental levará, portanto, à ilegalidade da alteração.

A título de exemplo, mencionamos a majoração da alíquota do IPI trazido pelo Decreto nº 7.567, de 15 de setembro de 2011, que aumentou a alíquota para o limite máximo incidente sobre os veículos importados. A motivação exposta para o referido aumento foi o de regular o mercado e proteger a indústria nacional, induzindo o consumidor a optar pelo veículo nacional.

Ainda nas lições dos mestres citados, “é necessário que esta motivação revele a existência de valores, benefícios ao consumidor final, capazes de sobreporem-se aos que tenham determinado, precedentemente, a fixação da alíquota do IPI objeto da alteração”.

Podemos verificar que a liberdade concedida ao Poder Executivo para alterar as alíquotas do IPI está pautada por limites, caso em que a liberdade é posta sob limites, podendo atuar com discricionariedade na graduação das alíquotas, mas dentro dos parâmetros estabelecidos pela lei.

O Poder Executivo não pode criar as alíquotas dos produtos industrializados, mas apenas modificar as já existentes e estabelecidas em lei, sendo que qualquer delegação, nesse sentido, contraria o comando constitucional do princípio da legalidade.