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A META: O REINO DOS CÉUS O Reino para a Igreja

O SIGNIFICADO DO REINO PARA A ORTODOXIA

III. A META: O REINO DOS CÉUS O Reino para a Igreja

Em primeiro lugar, deve ficar claro que estamos usando o termo ‘igreja’ com sua conotação hierárquica usual dentro de nossa tradição e não no seu sentido original. O termo original grego, eklhsia tinha o significado de assembléia, da qual participavam igualmente todos os que estavam reunidos. Nos

primórdios do cristianismo, significava a comunidade fraterna dos seguidores de Jesus, os praticantes de seus ensinamentos. A comunidade inteira, irmanada pelo ideal fraterno do amor, compartilhava das tarefas e do poder. Os diferentes ministérios eram exercidos por todos, em consonância com os dons carismáticos de cada um. Com o passar do tempo, os líderes das comunidades cristãs começaram a utilizar o termo igreja para retratar a hierarquia em comando. Foi instituída uma divisão clara entre a hierarquia clerical, que detinha todo o poder, referida como ‘igreja’, e a comunidade dos fiéis, que devia obedecer às instruções do clero sob o comando de seu bispo. Dentro desse esquema, as grandes

virtudes do leigo passaram a ser apresentadas como a fé na doutrina e a obediência ao clero, ficando a prática dos ensinamentos de Jesus em segundo plano. É a essa igreja restrita, hierárquica e totalitária que nos referimos a seguir.

A importância do Reino na mensagem de Jesus não podia ser negada pela ortodoxia, mesmo não sendo realmente entendida. Passemos a palavra aos teólogos para que expressem sua sincera perplexidade sobre o real significado do conceito que sabem ser central nos ensinamentos do Salvador e que, ao longo dos quase vinte séculos da história das igrejas cristãs, vem sendo interpretado de diferentes maneiras:

“Não é fácil definir com precisão o que significa realmente a expressão ‘reino de Deus’. Ao longo da história da teologia, a interpretação desta expressão mudou muitas vezes, de acordo com a situação e o espírito da época. A palavra ‘reino’ é expressão arcaica que não desperta nenhuma ressonância em nossa atual experiência da realidade. A expressão precisa ser retraduzida para poder exprimir seu significado. Por isto, o problema que diz respeito à mensagem de Jesus sobre o reino é de como superar a distância hermenêutica[1] entre o que o reino de Deus significava no ensinamento de Jesus e o que significa hoje para nós.

Jesus nunca definiu o reino de Deus com uma linguagem discursiva. Apresentou sua mensagem do reino em parábolas. As parábolas devem ser vistas como a escolha por parte de Jesus do mais

adequado veículo para a compreensão do reino de Deus.”[2]

Os autores do texto acima não esclarecem o significado da expressão, porém, compensam sua perplexidade com o uso generoso do jargão teológico. Mais adiante, esses autores sugerem uma

interpretação sobre a natureza paradoxal do reino, que se lhes configura como algo que se inicia no presente, mas que ainda está por vir:

“Embora a presença histórica do reino, dentro e através do ministério de Jesus, seja fortemente afirmada, deve ainda vir a consumação do que agora é apenas experimentado de maneira

antecipatória. Embora Jesus tenha ficado na tradição dos grandes profetas, sua mensagem é profundamente influenciada pelas expectativas apocalípticas da época. Apesar disto, não

compartilhou do pessimismo dos escritores apocalípticos no tocante a este mundo, mas descreveu de maneira realista o poder do mal. Sua mensagem do reino de Deus só pode ser entendida em seu contraste com o reino do mal, que está em ação neste mundo, permeando tudo. Jesus entendeu sua missão como a destruição e derrubada das potências do mal para trazer uma libertação que

tende a acabar com todo o mal e à transformação da criação inteira.”[3]

Esse tipo de consideração teológica obscura não é restrito aos autores desse texto. Idéias

semelhantes permeiam os escritos da maioria dos teólogos, fazendo com que, em alguns casos, suas tentativas de explicar a natureza do reino beirem a incoerência:

“(Jesus) pregava algo novo: a chegada da plenitude dos tempos, do ‘Reino’ que realizava de modo eminente as profecias da Salvação. O ensinamento de Jesus continha sem dúvida mais que um anúncio, mas estava centrado nessa mensagem, a da misericórdia divina, que tornava próxima dos homens a salvação escatológica.[4] Na pregação sobre o ‘mistério do Reino de Deus’ (Mc 4:11), ou sobre o ingresso na ‘vida’, revela-se chegada a hora de os homens se defrontarem com a divina misericórdia. Sim, é verdade que Deus reina desde sempre, sobre o céu e a terra, sobre Israel e sobre as nações pagãs, mas além disto Ele prepara um Reino Escatológico, todo feito de consolação exuberante e de experiência de Seu amor, e é o que Jesus anuncia como aproximado enfim do

homem.”[5]

Num esforço ingente para transmitir aos seus leitores um conceito que parece não ter entendido, o autor dessa passagem balança entre o aqui e agora e o futuro ‘escatológico’, tateando com o respaldo de

citações bíblicas:

“Na mensagem de Jesus, o ‘Reino de Deus’, a salvação escatológica, era algo que já chegara com sua pessoa e que, tendo embora uma futura manifestação gloriosa, não estava ligado apenas a essa condição epifânica[6] e futura. A mensagem de Jesus fora preparada no Antigo Testamento quanto à idéia de um Reino de Deus iniciado dentro da história. Abrir-se-ia com o Messias, disseram os Profetas, a nova e eterna Aliança, em que Deus fixaria seu santuário em Israel, dali estabelecendo seu reinado sobre todos os povos, numa era de santidade e paz.

O Reino de Deus, que Jesus proclama, transcende a concepção da felicidade terrena, erigida sob o signo do triunfo político de Israel. Neste sentido difere das interpretações comuns dadas aos dias do Messias. Mas também não se identifica simplesmente com a expectativa do Reino da ressurreição, após o Juízo Final. De um lado anuncia ele que em dia ainda futuro se perceberá que o Filho do homem está às portas (Mc 13:32). Mas desde já o Filho do homem veio à terra, e o advento do

Reino de Deus é qualquer coisa ‘que não se deixa observar’, pois está presente entre os homens (Lc

17:20-21)”[7]

Os teólogos afirmam que existem várias referências aparentes ao fim dos tempos e do julgamento final nos evangelhos. A descrição dos sinais dos fins dos tempos é apontada com freqüência como sendo a parábola da figueira, reproduzida quase sem modificações nos três evangelhos sinóticos.

Aprendei da figueira esta parábola: quando o seu ramo se torna tenro e as suas folhas começam a brotar, sabeis que o verão está próximo. Da mesma forma também vós, quando virdes todas essas coisas, sabei que ele está próximo, às portas. Em verdade vos digo que esta geração não passará sem que tudo isso aconteça. Passarão o céu e a terra. Minhas palavras, porém, não passarão.

Daquele dia e da hora, ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas só o Pai. (Mt 24:32- 36; e passagens semelhantes em Mc 13:28-29; Lc 21:29-31).

Um bom e dedicado teólogo não poderia se esquecer de garantir um papel para a Igreja no Reino, ainda que esse último não esteja bem definido[8]. Como já dizia S. Jerônimo, o poder das palavras

ressonantes é bem maior do que se poderia imaginar no mundo, tanto no seu tempo como agora. “É o reino ora presente que cria a igreja e a conserva constantemente viva. Por isto, a igreja é o resultado da vinda do reino de Deus ao mundo. O poder dinâmico do Espírito, que torna eficazmente presente a intencionalidade salvífica e final de Deus, é verdadeira causa da comunidade chamada igreja. Embora o reino não possa ser identificado com a igreja, isto não significa que o reino não esteja presente nela. Podemos dizer que a igreja é uma realização ‘inicial’, ‘proléptica’ ou antecipada do plano de Deus para a humanidade. Na expressão do Vaticano II, ‘ela se torna na terra o germe inicial do Reino’. Em segundo lugar, a igreja é um instrumento ou sacramento, através do qual este

projeto de Deus no mundo se realiza na história”.[9]

Um dos principais responsáveis pelos conceitos materializantes e apocalípticos do Reino dentre os

teólogos foi Agostinho, uma das figuras centrais da ortodoxia, que escreveu várias obras, sendo que sua “Cidade de Deus” foi, desde então, especialmente influente na literatura da Igreja. Agostinho apresentou o símbolo primordial do pecado, que produziu o mito da queda de Adão como sendo o pecado original. Foi dele, também, a idéia especulativa de que a Igreja seria o Reino de Deus, um Reino englobando a totalidade da humanidade redimida, sendo essa entidade chamada por ele de Cidade de Deus, a cidade dos santos. Esse Reino de Deus não era necessariamente a Igreja como existia então, mas como seria no fim dos tempos. Alguns séculos depois, os teólogos da Idade Média passaram a conceber o Reino de Deus como a Igreja com sua hierarquia clerical no mundo.[10]

Nem todos os estudiosos dentro da Igreja compartilham dessas posições confusas e, de certa forma, inconseqüentes. Aqueles que passam por experiências místicas geralmente conseguem

transcender as limitações do dogmatismo e chegam intuitivamente ao entendimento do Reino como foi ensinado por Jesus. A citação a seguir demonstra essa assertiva, com um enfoque que muito se

“Jesus nunca definiu o reino de Deus. Descreveu o reino com parábolas e similitudes (Mt 13; Mc 4), com imagens como vida, glória, alegria e luz. Paulo, em Rm 14:17, apresenta uma descrição que está bem próxima de uma definição: ‘o Reino de Deus não consiste em comida e bebida, mas é justiça, paz e alegria no Espírito Santo’.

A declaração que Jesus faz do reino está, em última análise, enraizada em sua experiência do Abba (Pai em hebraico). A mensagem do reino foi-lhe ‘enviada’ durante a oração, por isto, está

intimamente ligada e é determinada por sua experiência pessoal de Deus como Abba. Na

experiência de Jesus, Deus era aquele que vinha com amor incondicional, como aquele que tomava a iniciativa e entrava na história humana de um modo e em um grau desconhecido dos profetas. Esta experiência de Deus decidiu toda a sua vida e formou o autêntico núcleo de sua mensagem do Reino.

Num determinado momento de sua vida, Jesus deu-se conta de que Jhwh queria conduzir Israel, e finalmente todos os homens, àquela intimidade com ele que ele mesmo havia experimentado em seu relacionamento pessoal, que ele chamava de pai. Isto é expresso muito explicitamente no ‘Pai- Nosso’. Nele Jesus autoriza seus discípulos a imitarem-no, ao dirigirem-se a Deus como Abba. Agindo assim, fá-los participar de sua comunhão pessoal com Deus. Somente os que podem

pronunciar este Abba com a disposição de uma criança poderão entrar no reino de Deus”.[11]

Esse apanhado resumido da posição das autoridades eclesiásticas sobre o Reino parece indicar que a maioria dos teólogos permanece confusa e até mesmo perplexa a respeito da natureza do Reino, mas que alguns estudiosos dentro do clero chegaram intuitivamente a um conceito mais elevado. Os

místicos, no entanto, nunca tiveram problema para entender o conceito do Reino, pois têm experiência própria do Reino de Deus no seu interior e o refletem em suas vidas.

[1] Hermenêutica quer dizer interpretação dos textos sagrados.

[2] R. Latouelle e R. Fisichella (ed.), Dicionário de Teologia Fundamental (edição conjunta das editoras Vozes e Santuário, 1994), pg. 738-39

[3] Dicionário de Teologia Fundamental, op.cit., pg. 740.

[4] Para os teólogos, ‘escatologia’ significa a doutrina sobre a consumação do tempo e da história. O uso desse termo não é muito feliz, tanto em sua etimologia como em sua conotação teológica, pois, em

grego, o significado primário da palavra (escató + logia) é ‘tratado acerca dos excrementos’, ou

‘coprologia’. Em seu sentido teológico, o termo escatologia é derivado da palavra grega eschaton, que significa final ou término, daí a doutrina do final dos tempos.

[5] C.F. Gomes, Riquezas da Mensagem Cristã (R.J.: Lumen Christi, 1981), pg. 347. [6] No jargão teológico significa aparição ou manifestação divina.

[7] Riquezas da Mensagem Cristã, op.cit., pg. 487-488.

[8] Neste particular, vale o alerta de um místico: “Os teólogos se esquecem que servem melhor por meio do desabrochar de seus próprios poderes espirituais e não pela expansão e glorificação de suas instituições.” The Mystical Christ, op.cit., pg. 18.

[9] Dicionário de Teologia Fundamental, op.cit., pg. 744

[10] Norman Perrin, Jesus and the Language of the Kingdom (Philadelphia: Fortress Press, 1976), pg. 63.

[11] Estes três parágrafos, extremamente elucidativos, também citados no Dicionário de Teologia Fundamental, op.cit., pg. 742, foram escritos por outro autor, ao que parece H. Schermann (Gottes Reich, 21-64).

OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CÉUS NA TERRA

III. A META: O REINO DOS CÉUS Capítulo 4

uma visão ESOTÉRICA dO Reino nOs ENSINAMENTOS de Jesus

Em linguagem corrente, a expressão “Reino” transmite a idéia de uma área de domínio dentro da qual o reino é delimitado e também da extensão de poder que seu governante, o Rei, exerce. Alguns autores [1] sugerem que o termo grego original, basileia, transmite mais o conceito de domínio. Assim, quando Jesus falava do ‘Reino’, estava se referindo às condições ou situações em que o domínio de Deus

imperava. Essa interpretação é especialmente importante para entendermos a mensagem de Jesus. Ainda que a expressão “Domínio de Deus” seja mais apropriada para transmitir o conceito original da expressão grega, decidimos manter a expressão “Reino de Deus” nesta obra em virtude de seu uso corrente em nossa tradição.

Verificamos, portanto, que as conotações do mundo terreno acabam colorindo as imagens que são apresentadas sobre o Reino dos Céus. A verdade é que o mundo espiritual é totalmente diferente do mundo terreno, não estando sujeito às nossas limitações. O Reino de Deus não tem fronteiras nem limites, pois inclui todo o universo com todos os seus planos de manifestação, além do imanifesto que está totalmente além da nossa compreensão.

Se o Reino não pode ser limitado no espaço, também não pode ser limitado no tempo. As esperanças de um Reino futuro, na Terra, com o retorno do Cristo, ou no outro mundo, após a morte, fizeram com que milhões de cristãos ao longo dos séculos voltassem sua atenção para a direção errada. Quando Jesus anunciou que o Reino dos Céus está próximo (Mt 3:2), ele não estava se referindo necessariamente a uma proximidade temporal nem, tampouco, fazendo uma proclamação apocalíptica. O entendimento errôneo de suas palavras levou grande número de devotos a esperar por um iminente retorno do Cristo, a vaticinada parousia, para estabelecer um reino de Deus na terra.[2] Como, com o passar do tempo, esse retorno material de Jesus não ocorria, os teólogos passaram a interpretar as palavras bíblicas como o anúncio do fim dos tempos, quando deverá supostamente ocorrer o temido juízo final.

A simples verdade é que Jesus procurou nos alertar que o Reino estava, e ainda está, muito próximo de todos nós, pois pode ser encontrado em nossos corações aqui e agora. Por isso disse que o Reino de Deus está no meio de vós (Lc 17:20-21) e “o Reino do Pai está espalhado pela terra e os homens não o vêem” (To 113). Não percebemos o Reino porque procuramos por ele fora de nós, enquanto ele só pode ser encontrado em nosso próprio coração.

Como o homem pode perceber o Reino? O Salvador, seguindo seu método de instrução característico, dá-nos os ingredientes para o entendimento e não o prato feito. Ao dizer que “meu Reino não é deste mundo” (Jo 18:36), Jesus estava indicando que o Reino, sendo um conceito espiritual, só pode ser percebido num sentido espiritual. Para alcançar o Reino, o homem não precisa morrer e tornar-se espírito, como muitos acreditam. O Reino pode e deve ser alcançado aqui e agora, com a elevação da consciência de nosso plano material para o plano espiritual. É por isso que Paulo disse que ‘o Reino de Deus não consiste em comida e bebida, mas é justiça, paz e alegria no Espírito Santo’ (Rm 14:17). Os místicos que vislumbram ou até mesmo penetram no Reino descrevem suas experiências como de imensa paz e harmonia, bem-aventurança indescritível, amor incondicional e total, compreensão da realidade sobre o nosso mundo e de outras dimensões, a certeza da imortalidade e a percepção de que tudo e todos fazem parte de um grande Todo, que é Deus. As experiências místicas são de diferentes tipos e ocorrem em diferentes níveis, confirmando as palavras de Jesus de que a casa de meu Pai tem muitas moradas. É por isso que Jesus também se refere ao Reino dos Céus, no plural, indicando a diversidade de experiências que nos aguardam quando alcançarmos o estado de consciência do Reino. Como o Reino de Deus não é deste mundo, logicamente não pode ser percebido por nossos sentidos terrenos. Mas sendo um Reino espiritual ele está ao alcance de todos aqueles que desenvolveram os sentidos espirituais. Esses sentidos não podem ser definidos, precisamente pelo fato de serem

espirituais. No entanto, podem ser referidos de forma simbólica, oferecendo imagens que possibilitam ao buscador uma percepção intuitiva de seu significado.

Os sentidos espirituais têm um paralelo com os sentidos físicos. Geralmente o primeiro sentido espiritual desenvolvido corresponde ao olfato. Deus e o mundo espiritual, o Reino de Deus, são percebidos como um perfume inefável. No mundo terreno os odores têm o efeito de nos atrair ou repelir. Quanto mais deliciosa a fragrância mais somos atraídos por ela. Como no mundo espiritual o foco máximo de atração é a presença do Pai celestial, o interesse crescente do devoto pelas coisas espirituais evoca a imagem de um perfume extraordinário e irresistível. O sentido espiritual do olfato manifesta-se como uma atração pela introspeção, oração e meditação, em que o indivíduo busca a solidão e o silêncio para encontrar a Deus.

No curso natural do desabrochar interior, outros sentidos espirituais vão desabrochando. Em muitos casos, a audição e a visão espirituais desenvolvem-se a seguir. Porém, as percepções mais profundas do Reino dos Céus só ocorrem com o desenvolvimento dos correspondentes tato e paladar espirituais. O estágio intermediário do desenvolvimento da audição e da visão espirituais representa uma grande conquista, mas oferece grandes perigos. O devoto passa a ouvir sons diáfanos, vozes angélicas e até mesmo instruções de natureza espiritual. Com o tempo passará a perceber, também, imagens de outros planos. Inicialmente são luzes e vultos indistintos, mais tarde, cenas e seres diversos. Essas conquistas naturalmente trazem grande satisfação ao devoto, aumentando sua fé e determinação de seguir o

Caminho. Porém, tudo na vida tem seu preço. O preço dessa conquista são duas armadilhas perigosas: (a) a possibilidade do desvirtuamento de imagens e mensagens obtidas no plano astral,[3] que podem

levar o devoto a confundir certas entidades astrais, cascões de pessoas desencarnadas ou formas- pensamentos de nossos condicionamentos anteriores, com anjos ou mensageiros do alto; e (b) a inflação do ego, com o desenvolvimento do orgulho espiritual, a desdita e a perdição de muitos discípulos avançados.

Talvez como proteção contra os perigos do desenvolvimento prematuro da audição e da visão

espirituais, a providência divina faz com que muitos devotos passem da atração irresistível pelo mundo divino, devido ao perfume espiritual, para o desenvolvimento do tato espiritual. Em alguns casos, só com amadurecimento conferido pela conquista do tato e do sabor espirituais que, no devoto, desabrocha a audição e a visão espirituais.

Mas em que consiste o tato espiritual? Quando o devoto passa a dedicar-se de todo coração à busca de Deus, procurando de todas as formas acatar a vontade do divino Pai, chega um determinado momento nesse relacionamento em que ele passa a sentir a presença de Deus em suas orações ou meditações, até que, finalmente, essa Presença concede uma graça especial que é sentida pelo devoto como um abraço inefável. Essa experiência é referida como o sentido do tato espiritual. Nas palavras de um monge católico que parece ter passado por ela: “O toque divino pode ser sentido como se Deus tivesse descido do alto e nos envolvido num abraço, ou nos abraçado a partir de dentro e colocado um grande beijo no meio de nosso espírito. Nossa própria identidade se esvai e, por um instante, Deus é tudo em

tudo.”[4]

Essa, no entanto, não é a mais alta percepção do Reino. Uma experiência ainda mais profunda pode ocorrer com o que chamaríamos de sentido do paladar espiritual. Tendo recebido a imensa graça de ser abraçado por Deus, o próximo passo é unir-se a Ele, fundindo-se no Supremo Bem. Essa experiência confere uma bem-aventurança inefável, que os místicos de todos os tempos tentam descrever com