• Nenhum resultado encontrado

O INSTRUMENTAL TRANSFORMADOR NA TRADIÇÃO CRISTÃ

O cristão devoto, desejoso de seguir os passos do Mestre, defronta-se com uma barreira quase intransponível de desinformação a respeito do instrumental transformador disponível em nossa tradição. Os ensinamentos da igreja, ao longo dos séculos, não foram de muito ajuda para seus fiéis. Ao

contrário, as instruções e normas eclesiásticas dificultaram o trabalho dos buscadores leigos que não tinham o amparo da literatura e da tradição das ordens religiosas, principalmente das monásticas. A orientação tradicional normalmente dada aos leigos era ter fé nos dogmas da igreja, ir à missa todos os domingos e dias santos, confessar, comungar, rezar, não pecar e, uma vez feito tudo isto, ter mais fé ainda na Graça de Deus para que pudessem receber a devida recompensa na outra vida, no paraíso. A necessidade de autotransformação não era enfatizada. O estudo não era incentivado. Na verdade, por muitos séculos a igreja romana proibiu aos leigos a leitura da Bíblia e preconizou que o estudo de outros livros, que não aqueles poucos publicados com sua permissão, era extremamente perigoso e podia

desencaminhar a alma, levando-a para o inferno.[1]

As práticas espirituais complementares abertas aos leigos tendiam a promover a devoção e não a razão e o entendimento, como as ladainhas, procissões e romarias. Os protestantes, pela natureza mesma de sua origem como movimento de protesto contra os abusos e distorções da igreja romana, sempre deram mais atenção à vida espiritual do que seus irmãos católicos. Contrastando com a proibição de leitura da Bíblia imposta por Roma, os protestantes consideravam a leitura das escrituras sagradas um dever de todo cristão. Uma conseqüência dessa orientação é que os povos protestantes sempre mostraram índices de alfabetização e de instrução mais altos do que os católicos.

Talvez uma das razões por que a orientação do clero aos fieis seja tão tímida e limitada no Caminho da Perfeição deva-se à ênfase dada em sua doutrina ao aspecto transcendente da Divindade. Visto sob esse prisma, Deus estaria no alto dos céus, além do alcance dos homens, e para chegar até Ele precisaríamos da intermediação da santa madre igreja com todos os seus santos. Daí o caráter extremamente

devocional e passivo da tradição ortodoxa: o homem deve entregar a sua sorte a Deus, colocando-se neste mundo aos cuidados da igreja.

Contrastando com a posição ortodoxa, o buscador da verdade deve estar cada vez mais consciente do aspecto imanente de Deus, pois Ele está sempre em nosso coração “pois é Deus quem opera em vós o querer e o operar, segundo a sua vontade” (Fl 2:13). Na verdade, somos uma emanação Dele, e não

estamos separados do Pai em nenhum momento. A impressão de separação, a grande ilusão, é inteiramente devida a nossa consciência ainda imperfeita e dualista. O processo de metanoia visa transformar os nossos conteúdos mentais para que nossa percepção possa se estender até aqueles planos interiores onde podemos alcançar a consciência da Unidade, sabendo, então, por experiência pessoal, e não por elucubrações intelectivas, que somos unos com Deus.

Em que pese a pouca eficácia transformadora do instrumental ortodoxo, da forma como é geralmente apresentado pelo clero, deve ficar claro que, em sua origem, este instrumental era embasado nos ensinamentos do Mestre e na prática de seus seguidores. Com o tempo e diante da nova orientação dada pela hierarquia clerical à vida religiosa dos cristãos, esses métodos foram sendo deturpados e tirados do contexto em que deveriam ser praticados. O resultado é conhecido: as verdadeiras práticas foram sendo esquecidas, e as utilizadas tornaram-se de pouca ajuda para a transformação interior. Procuraremos, a seguir, oferecer algumas considerações visando resgatar as práticas da igreja primitiva, colocando-as numa linguagem mais acessível ao leitor moderno. Essas práticas, porém, deveriam ser adotadas dentro do contexto em que foram originalmente concebidas e ser utilizadas como um todo, pois que formam um conjunto orgânico em que cada elemento serve de suporte e reforço aos outros, levando, assim, o praticante aos objetivos desejados.

Antes de examinarmos as práticas transformadoras da tradição interna, é indispensável ter bem claro que a premissa fundamental dessas práticas é derivada de um ponto central de nossa fé cristã, qual seja, que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Dessa premissa, surge o corolário bastante negligenciado, apesar de óbvio, de que o homem também é um criador. Ao longo de nossas existências criamos o mundo exterior, o ambiente em que vivemos, pela força de nossas ações e

pensamentos, conscientes e inconscientes. Infelizmente, em nossa ignorância e movidos pelo egoísmo, criamos principalmente de forma negativa, haja vista a desarmonia, os problemas e sofrimentos que nos perseguem como conseqüência de nossa atividade criadora insensata.

As chaves do Reino legadas por Jesus permitem reverter esse processo de criação negativa e

estabelecer uma rotina consciente e inteligente de criação positiva. O processo positivo inicia-se com a decisão e a determinação da personalidade de buscar a Deus. Esse processo é acelerado quando o Cristo interior é devidamente invocado para canalizar seu infinito poder criador para a realização da meta final do homem, a perfeição.

Após extenso estudo da literatura disponível, da vida dos místicos e de ingente busca interior em meditação concluímos que são doze as chaves do Reino. Essa conclusão parece ser corroborada por alguns indícios internos. O número doze tem o significado esotérico de completude, de totalidade. Os doze meses do ano, os doze signos do zodíaco, as doze horas do dia e da noite, por exemplo,

apresentam a idéia de completude. No cristianismo primitivo esse número ocorre em diferentes

contextos. Assim, simbolicamente, Jesus teria tido doze apóstolos, uma extensão do simbolismo judaico das doze tribos de Israel. Em Pistis Sophia, encontramos doze pares de emanações em quase todos os planos, assim como doze pares de Mistérios. Não seria de estranhar, portanto, que o método

OS INSTRUMENTOS TRANSFORMADORES