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Muitos dos grandes instrutores da humanidade fizeram apresentações de suas idéias sobre a criação e o desenvolvimento do universo e do homem. Seria lícito, portanto, perguntar a razão de ser dessa fixação em assunto tão abstruso. Existem bons motivos para isso. Talvez o mais importante seja que a visão cosmológica, com os processos de criação do universo, oferece a perspectiva mais ampla possível para o homem entender seu lugar no cosmo.

Grandes sábios ensinaram que existe uma lei universal de correspondência entre o macro e o

microcosmo.[1] Do ponto de vista físico, a ciência moderna mostra claramente que existe uma grande semelhança entre as leis prevalecentes nos sistemas siderais e nos sistemas atômicos. A lei das

correspondências, como apresentadas nos ensinamentos herméticos, indica que: “Assim como é acima é em baixo; e assim como em baixo é acima. O interior é semelhante ao exterior, e o exterior ao interior”. Essa lei também foi mencionada por Jesus no evangelho de Felipe: “Vim fazer (as coisas abaixo) como

as coisas (acima e as coisas) fora como aquelas (dentro. Vim para uni-las) no lugar.”[2] Vale a pena

lembrar que as palavras da oração do Senhor “...seja feita a tua vontade, assim na Terra como no céu,” também sugerem o mesmo ordenamento nas esferas espirituais e materiais.

Geoffrey Hodson afirma que:

“Todo o Universo com suas partes, do plano mais elevado até a natureza física, é considerado como sendo interligado, entrelaçado, formando uma única unidade -- um corpo, um organismo, um poder, uma vida, uma consciência, todos evoluindo ciclicamente sob uma única lei. Os órgãos, ou partes, do Macrocosmo, ainda que aparentemente separados no espaço e nos planos de manifestação, estão na verdade harmoniosamente interrelacionados, intercomunicando-se e interagindo

constantemente.

De acordo com essa revelação da filosofia oculta, o zodíaco, as galáxias e seus sistemas

componentes, os planetas com seus reinos e planos da natureza, elementos, ordens de seres, irradiando forças, cores e notas não só são partes de um todo coordenado e em ‘correspondência,’ ou ressonância mútua com cada um, mas também -- o que é profundamente significativo -- têm suas representações dentro do próprio homem. Esse sistema de correspondências está em operação através de todo o microcosmo, desde a Mônada até a carne mortal, incluindo as partes do

manifesta por toda sua natureza, variando em grau de acordo com o estágio de desenvolvimento evolutivo. O ser humano que descobre esta verdade pode entrar no aspecto poder do Universo e valer-se de qualquer dessas forças. Ele se torna então possuidor de uma influência quase irresistível

sobre a Natureza e os homens.”[3]

Esse conceito aparentemente tão simples é a chave do estudo esotérico dos mundos sutis, ou planos da natureza, nos quais nossa mente, em condições usuais, não pode penetrar. Por meio de inferências a partir do plano, ou sistema, que conhecemos, podemos ter uma idéia aproximada daqueles que não conhecemos. Existe, por exemplo, um paralelo entre o conhecimento da célula e da mente. Cada célula do corpo tem codificada todas as informações para reproduzir a totalidade do corpo. Assim, também, a mente de cada ser recapitula por meio dos movimentos holográficos todos os eventos cósmicos.[4] Portanto, a partir dos sistemas cosmogônicos, com as diferentes etapas de manifestação do cosmo, podemos inferir que o ser humano seguiu as mesmas etapas de descida à matéria e retornará da mesma forma à sua fonte divina. Assim como o Deus Supremo, por intermédio de um processo de sucessivas emanações, manifestou o mundo material, também Deus no interior do homem, que é um aspecto microcósmico do Deus Supremo macrocósmico, manifesta-se como o Cristo interior, emanando outros níveis de manifestação, espiritual, psíquico e material, para formar o homem completo. O homem imortal, espiritual, pode então ser identificado e sua longa peregrinação entendida.

Assim, a lei das correspondências presta-se perfeitamente como instrumento de análise para o estudioso do ocultismo. O conhecimento de determinado nível da manifestação, seja macro ou microcósmico,

permite o acesso a outros níveis em virtude da harmoniosa ressonância mútua entre as muitas partes aparentemente separadas do universo. Essa técnica é especialmente útil para entender a constituição do homem e a natureza do divino.

Por que, então, vários movimentos gnósticos eram associados a sistemas cosmogônicos? A razão dessa ênfase na cosmogonia é que ela propicia uma visão ampla das questões fundamentais da vida humana, esclarecendo de onde viemos e para onde vamos. No entanto, deve ficar bem claro que os sistemas cosmogônicos não são a gnosis. Eles propiciam um mero vislumbre da verdade que não pode ser obtida em segunda mão, quer seja de livros ou de apresentações orais, ainda que proferidas por grandes

sábios. A gnosis é necessariamente uma conquista pessoal, uma revelação interior.

Essa revelação ocorre quando a mente do buscador, inteiramente serena, torna-se translúcida. Quando isso ocorre, a mente é iluminada pela intuição. Usando a terminologia cristã, nesse momento o Cristo interior revela a verdade à alma serena e receptiva. A revelação é feita num outro plano de percepção que prescinde de palavras. A percepção vem em relances sintéticos, simbólicos, junto com uma imensa quantidade de informações transmitidas num curtíssimo intervalo de tempo. Somente após a

experiência é que o místico procede à decodificação das verdades abstratas conferidas durante o vôo da alma, passando a expressá-las por meio de palavras e imagens que podem ser compreendidas, ainda que só vagamente, pelos outros. Nessa decodificação, ou tradução da experiência simbólica interior em palavras, o místico deve valer-se de sua capacidade imaginativa e dos conceitos correntes em sua

cultura para transmitir os valores ou imagens que procura expressar. Isso explica, portanto, parte das diferenças entre as várias apresentações cosmogônicas, quando elas expressam realmente as

experiências interiores de seus autores. A mesma experiência interior inefável provavelmente será descrita por meio de palavras diferentes por diferentes indivíduos, em diferentes épocas.

Não podemos nos esquecer, também, que a gnosis não é uma experiência uniforme. Existem diferentes graus de gnosis, ou seja, a iluminação interior ocorre com diferentes níveis de intensidade. Assim como uma lâmpada no mundo moderno pode ser de diferentes potências, indo desde a luzinha usada numa lanterna até os grandes holofotes, também a potência da iluminação interior apresenta-se em diferentes graus durante o processo de adentramento no Reino dos Céus. Por isso, alguns autores gnósticos podem ter percebido apenas o contorno da verdade, enquanto outros foram banhados com a Luz do Alto em grande intensidade, recebendo, portanto, revelações mais profundas que, aliadas a sua melhor

capacidade de comunicação no mundo exterior, explicam, então, as diferenças de detalhes dos sistemas cosmológicos existentes.

Portanto, as representações cosmogônicas derivadas dos ensinamentos de Jesus, como finalmente foram apresentadas pelos diferentes autores, gnósticos ou não, oferecem valiosos instrumentos para o entendimento do magnífico processo da manifestação divina, incluindo a peregrinação da alma.

Infelizmente, diferentes interpretações cosmogônicas e metafísicas geraram disputas e cisões dentro do cristianismo. Dentre essas vale citar a questão da substância do Filho, se igual ou semelhante à do Pai (a questão filioque); se o corpo de Cristo era de carne ou de uma natureza ilusória, denominada questão docética; se Jesus foi concebido de forma natural ou pelo Espírito Santo; se sua mãe permaneceu virgem após a concepção, etc.

Essas questões, que geraram disputas tão acirradas no passado, tornam-se absolutamente irrelevantes quando examinadas à luz do nosso esforço para alcançar o Reino. Será que a opção por uma ou outra opinião faz-nos avançar um milímetro sequer na evolução da alma? Por outro lado, será que o

desenvolvimento da tolerância e do respeito e mesmo do amor por aqueles que mantêm opiniões

diferentes da nossa não nos adianta quilômetros no caminho da perfeição? Felizmente, nos dias de hoje, é possível uma posição de questionamento religioso temperada pela tolerância para com as posições contrárias. Isso nem sempre foi assim. O Papa Inocente III, que ordenou o genocídio dos albigenses e da população de Constantinopla, no início do século XIII, declarou que “todo aquele que tentar

estabelecer uma visão pessoal de Deus que conflite com o dogma da Igreja deve ser queimado sem

piedade.”[5]

A realidade é que o entendimento profundo de todas essas questões cosmológicas de natureza abstrata e simbólica estão além da capacidade de nossa mente concreta. Se nos fosse permitido olhar um eclipse do sol através da imagem refletida numa série de espelhos com diferentes graus de

distorção, cada uma delas tendo passado por filtros que diminuem a intensidade e a nitidez do brilho solar para proteger nossos olhos, teríamos uma imagem muito mais fidedigna da natureza do sol do que a que podemos ter da verdadeira natureza e dos processos espirituais descritos nos tratados de

cosmogonia.

[1] Vide, por exemplo, Hermetica, os escritos atribuidos a Hermes Trimegistos, editado e traduzido por Walter Scott (Boston, Shambhala, 1985), 4 volumes.

[2] Evangelho de Felipe, em Nag Hammadi Library, op.cit., pg. 150. [3] The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., Vol. I, pg. vii.

[4] Vide Sam Keen, Amor Próprio e Conexão Cósmica, em O Paradigma Holográfico (S.P.: Cultrix), pg. 115.

[5] Peter Tompkins, “Symbols of Heresy” em The Magic of Obelisks (N.Y.: Harper, 1981), pg. 57. Voltar

OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CÉUS NA TERRA

IV. O PROCESSO DE RETORNO À CASA DO PAI Capítulo 6