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O MÉTODO DE TRANSFORMAÇÃO A justiça divina

AS REGRAS DO CAMINHO

V. O MÉTODO DE TRANSFORMAÇÃO A justiça divina

Como o homem dispõe de livre arbítrio, segue-se naturalmente que suas ações devem gerar

conseqüências correspondentes à natureza de seus atos. A justiça retributiva divina, conhecida no

Oriente como carma, é a Lei da Causação Universal, a Lei de Causa e Efeito que governa todas as ações em todos os níveis, ou planos, da natureza. Em sânscrito, a palavra karma significa ação, portanto, a lei deixa implícito que cada ação gera uma reação de natureza e intensidade equivalente. Visto sob outro ângulo, o carma é o inter-relacionamento de tudo o que existe. Esse inter-relacionamento sempre

existiu, não tendo começo nem fim. Portanto, nada existe isoladamente, ou fora de um relacionamento determinado pelo carma numa seqüência de causa e efeito.[1] Embora no plano abstrato da consciência divina causa e efeito sejam simultâneos, no mundo físico geralmente ocorre um hiato temporal entre a causa e a materialização de seu efeito.

Poderíamos imaginar o Universo como uma imensa caverna em que o som de qualquer ruído reverbera nas paredes e volta até sua fonte de origem. Esse eco universal, que é o carma, funciona como

vibrações, em todos os planos, que fazem retornar a nós, mais cedo ou mais tarde, as conseqüências de nossos atos. O carma pode ser imaginado também como o reencontro com todos nossos pensamentos, palavras e atos, porém, agora, na qualidade de experimentador dos efeitos que anteriormente

causamos. A lei de causa e efeito no plano material é bem conhecida dos cientistas. Temos assim a formulação dada pela terceira lei de Newton: “A toda ação corresponde uma reação igual em sentido contrário.”

A justiça divina, ou carma, é apropriada à intensidade e à natureza de todos nossos atos físicos,

palavras e pensamentos. A conseqüência de um ato físico será sentida principalmente no corpo físico, más palavras trarão também más palavras dirigidas a nós e pensamentos ruins repercutirão em nosso corpo mental. Se alguém achar estranho que possa haver carma relacionado aos pensamentos, basta recordar quantas vezes sentiu-se perturbado, triste, desanimado, deprimido, com medo e, outras vezes, também o oposto destes estados mentais. Esses sentimentos são invariavelmente resultados do carma mental. O papel da mente na geração do carma é o primeiro ensinamento apresentado no livro sagrado dos budistas, o Dhammapada.

“Todas as coisas são precedidas pela mente, guiadas pela mente e criadas pela mente. Tudo o que somos hoje é o resultado do que temos pensado. O que pensamos hoje é o que seremos amanhã; nossa vida é uma criação da nossa mente. Se um homem fala ou age com uma mente impura, o sofrimento o acompanha tão de perto como a roda segue a pata do boi que puxa o carro. Se um

Vistos sob outro ângulo, todos pensamentos e sentimentos são agentes poderosos de energia criadora; criam de acordo com a natureza deles. Pensamentos criam sentimentos, estes criam atitudes,

comportamentos e vibrações que, por sua vez, criam as circunstâncias da vida.[3] Essa capacidade criadora do homem nem sempre é devidamente levada em consideração por aqueles que se aventuram pelo caminho espiritual. Assim, em nosso estado de ignorância criamos no passado o sofrimento que ora estamos colhendo em nossas vidas. Da mesma forma, agora que estamos começando a abrir a nossa mente para a operação das leis divinas, podemos criar as circunstâncias favoráveis para nosso progresso espiritual. Por isso, um comportamento e, principalmente, pensamentos apropriados são indispensáveis, como sugerem os versos de Tennyson:

“Semeias um pensamento, colherás uma ação. Semeias uma ação, colherás um hábito.

Semeias um hábito, colherás um caráter. Semeias um caráter, colherás teu destino.”

O entendimento da lei do carma marca uma importante etapa na vida do homem. Deve ser lembrado, no entanto, que enquanto o homem estiver usando o seu conhecimento da lei para criar seu próprio bem, estará apenas deixando de praticar o mal egoísta para praticar o bem egoísta. O verdadeiro

discípulo de Jesus, sabendo que seu reino não é deste mundo e que é uno com todos os seres, vai além e procura fazer o bem verdadeiro, que é o bem para os outros e não para o seu próprio benefício. “Se agirmos corretamente, o carma, a providência ou a justiça divina ¾ como preferirmos dizer ¾ cuidarão

do resto. Se buscarmos o tesouro que está no reino dos céus, o resto nos será dado por acréscimo.”[4]

A atuação do carma na vida do homem foi-nos apresentada numa linguagem inspirada, na obra de Sir Edwin Arnold:

“Não conhece nem a cólera nem o perdão; suas medidas são de uma precisão absoluta e sua balança é infalível; o tempo não existe para ele; julgará amanhã ou muito tempo depois. Graças a ele, o assassino se fere com sua própria arma; o juiz injusto perde seu defensor, a língua falaz condena sua própria mentira, o ladrão furtivo e o espoliador roubam para entregar o produto de suas rapinas. Tal é a Lei que se move para a Justiça, que ninguém pode evitar ou deter; seu

coração é o Amor e seu fim a Paz e a Perfeição última. Obedecei!”[5]

O carma, no entanto, não é meramente um conceito exótico oriental, mas uma lei universal que figura claramente na tradição cristã, geralmente referida como justiça divina e, às vezes, como a vingança de Deus, seguindo a tendência antropomórfica da Bíblia. São copiosas as passagens a esse respeito no Antigo Testamento; eis aqui alguns exemplos:

“Iahweh é justo, ele ama a justiça, e os corações retos contemplarão sua face.” (Sl 11:7) “O homem misericordioso faz bem a si mesmo, o homem cruel destroi sua própria carne.” (Pr 11:17)

“Quem estabelece a justiça viverá, quem procura o mal morrerá.” (Pr 11:19)

“Se o justo aqui na terra recebe o seu salário, quanto mais o ímpio e o pecador.” (Pr 11:31)

“Do fruto de sua boca o homem sacia-se com o que é bom, e cada qual receberá a recompensa por suas obras.” (Pr 12:14)

“(Iahweh) não julgará segundo a aparência. Ele não dará sentença apenas por ouvir dizer. Antes, julgará os fracos com justiça, com eqüidade pronunciará uma sentença em favor dos pobres da terra. Ele ferirá a terra com o bastão da sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio. A justiça será o cinto dos seus lombos e a fidelidade, o cinto dos seus rins.” (Is 11:3-5)

“Porei o direito como regra e a justiça como nível.” (Is 28:17)

“Iahweh, ó Deus das vinganças, aparece, ó Deus das vinganças! Levanta-te, ó juiz da terra, devolve o merecido aos soberbos!” (Sl 94:1-2)

As referências no Novo Testamento têm uma linguagem própria, e algumas vezes o sentido da justiça retributiva está implícito na passagem, precisando ser devidamente interpretado: eis algumas:

“O machado já está posto à raiz das árvores e toda árvore que não produzir bom fruto será cortada e lançada ao fogo.” (Mt 3:10)

“Porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado.” (Mt 5:18)

“Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no tribunal; aquele que chamar ao seu irmão ‘Cretino!’ estará sujeito ao julgamento do Sinédrio; aquele que lhe chamar ‘Louco’ terá de responder na geena de fogo.” (Mt 5:22)

“Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles. Do contrário, não recebereis recompensa junto ao vosso Pai que está nos céus.” (Mt 6:1)

“Não julgueis para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que julgais sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos.” (Mt 7:1-2)

os Profetas.” (Mt 7:12)

“Eu vos digo que de toda palavra inútil, que os homens disserem, darão contas no dia do Julgamento.” (Mt 12:36)

“E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar? Digo-vos que lhes fará justiça muito em breve.” (Lc 18:7-8)

“Viu um homem, cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram: ‘Rabi, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?’ Jesus respondeu: ‘Nem ele nem seus pais pecaram mas é para que nele sejam manifestadas as obras de Deus’.” (Jo 9:1-3)

Nessas passagens a lei do retorno é descrita como inexorável, ainda que lenta na concepção dos homens que geralmente esperam uma retribuição quase que instantânea. O efeito deve seguir a causa, assim como o dia segue a noite, porque a lei transcende o tempo e o espaço. A justiça virá no seu

devido tempo. E esse tempo pode ser alguns anos ou, muito depois, noutra encarnação, como indica a última passagem sobre o cego de nascença. Jesus explica que não foram seus pais nem aquele homem que pecou, ou seja, a personalidade naquela encarnação, pois já era cego ao nascer. A afirmação de que a cegueira era a manifestação das obras de Deus, deve ser entendida como a inexorável lei do carma, por pecados cometidos noutra encarnação.

Paulo exorta os romanos (Rm 12:19) a não fazerem justiça com suas próprias mãos, para não

incorrerem em carma, mas deixá-la a cargo de Deus, como pregava a tradição judaica (Lv 19:18 e Dt 32:35). Em Hebreus essa orientação é reiterada: “A mim pertence a vingança, eu é que retribuirei!” (Hb 10:30). Uma das mais claras e diretas indicações da justiça retributiva é enunciada em Gálatas:

“Não vos iludais: de Deus não se zomba. O que o homem semear, isso colherá: quem semear na sua carne, na carne colherá corrupção; quem semear no espírito, do espírito colherá a vida eterna. Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo, colheremos” (Gl 6:7-9).

A lei do carma, deve ser entendida não só no seu sentido de instrumento da justiça divina, mas também como a expressão da compaixão do Pai que procura instruir o homem rumo a uma vida de retidão. Como as conseqüências de atos negativos implicam necessariamente em sofrimento, os homens, aos poucos, aprendem a associar causa e efeito e, assim, a afastar-se do mal.[6] Esse

aprendizado, no entanto, é bastante lento, pois na maior parte das vezes as pessoas não conseguem entender que as violências que sofrem, as doenças que de repente as acometem, os entes queridos que perdem, enfim, toda uma série de eventos dolorosos que acontecem sem nenhuma razão aparente são conseqüências de atos cometidos muitos anos atrás ou mesmo em vidas anteriores. Como os ajustes cármicos são efetuados sempre de forma natural, ou seja, por meios decorrentes de circunstâncias perfeitamente normais, podem, às vezes, demandar um tempo considerável para ocorrer.

interferência. Ao contrário, cada um de nós tem a obrigação de interferir em seu carma, ou seja, de criar as condições mais favoráveis possíveis para a sua vida futura. Como diariamente efetuamos dezenas de ações, dizemos centenas de palavras e produzimos milhares de pensamentos, a cada instante o nosso carma está sendo modificado. Ele pode ser imaginado como a resultante da atuação de uma infinidade de vetores de força atuando de forma dinâmica e contínua. Portanto, o carma de cada indivíduo está constantemente sendo ajustado e reajustado; nossas pendências cármicas podem ser modificadas por nossas ações no presente. Assim, podemos amenizar ou até mesmo cancelar certos débitos cármicos com boas ações na vida atual.

É por isso que Jesus nos advertiu: “Assume logo uma atitude conciliadora com o teu adversário,

enquanto estás com ele no caminho, para não acontecer que o adversário te entregue ao juiz e o juiz ao oficial de justiça e, assim, sejas lançado na prisão. Em verdade te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo.” (Mt 5:25-26). O juiz e o oficial de justiça representam a Lei da retribuição divina. A prisão é o corpo físico, onde seremos confinados, vida após vida, enquanto não pagarmos até o último centavo figurativo de nossos débitos cármicos.

A reencarnação é outro aspecto da realidade Divina que opera juntamente com a lei do carma. Esse era um dos ensinamentos reservados que Jesus ministrava a seus discípulos, como era feito

tradicionalmente nas Escolas de Mistérios. A lógica nos leva a entender que a reencarnação é uma necessidade para que se cumpra o propósito de Deus. Como poderia haver evolução, como o homem poderia alcançar a perfeição para a qual Jesus nos conclama (Deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito. Mt 5:48), se só houvesse uma única oportunidade de vida no mundo para

alcançarmos esse objetivo? Como o Pai celestial, que ama todos seus filhos, sejam eles pobres ou ricos, santos ou pecadores, poderia esperar a perfeição, numa única vida, da grande legião de almas que nasce com deficiências mentais e em ambientes de ódio, ignorância e miséria? As condições difíceis em que muitas pessoas se encontram ao nascer refletem seu carma de vidas anteriores. Todas nossas boas ações, palavras e pensamentos são inexoravelmente contabilizadas pela justiça divina, fazendo com que, vida após vida, nossas condições e oportunidades sejam cada vez mais propícias para nos

aproximarmos paulatinamente da meta de união com o Pai, a suprema perfeição e bem-aventurança. A realidade da reencarnação era conhecida dos iniciados judeus ao tempo de Jesus, em especial da comunidade dos essênios e dos cabalistas. Algumas passagens da Bíblia indicam essa realidade, como a já citada do cego de nascença. A passagem citada do Livro da Sabedoria de Salomão, no AT, não deixa dúvida que os judeus esclarecidos sabiam da preexistência da alma: “Eu era um jovem de boas

qualidades, coubera-me, por sorte, uma boa alma; ou antes, sendo bom, entrara num corpo sem mancha” (Sb 8:19-20).

Em Êxodo, temos uma passagem em que Iahweh diz: “Sou um Deu ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo com amor até a milésima geração para aqueles que me amam e guardam meus mandamentos” (Ex 20:5-6). Tomada literalmente, essa passagem estaria descrevendo a atitude de um monstro sanguinário, que persegue seus inimigos até a quarta geração, o que não pode ser o caso com o Pai celestial. O sentido alegórico é que os filhos das gerações futuras são, na verdade as futuras reencarnações do indivíduo,

que recebe a conseqüência de seus atos, a justiça de Iahweh. Essa retribuição cármica tanto pode ser desagradável como benéfica e não é limitada pelo tempo, podendo ocorrer na mesma vida da pessoa ou numa encarnação futura.

No Novo Testamento uma passagem bastante explícita sobre a reencarnação refere-se a vinda de Elias: “Os discípulos perguntaram-lhe: ’Por que razão os escribas dizem que é preciso que Elias venha

primeiro?’ Respondeu-lhes Jesus: ‘Certamente Elias terá de vir para restaurar tudo. Eu vos digo, porém, que Elias já veio, mas não o reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem irá sofrer da parte deles.’ Então os discípulos entenderam que se referia a João Batista.” (Mt 17:10-13). Noutra ocasião Jesus perguntou a seus discípulos: “Quem dizem os

homens ser o Filho do Homem? Disseram: ‘Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas’.” (Mt 16:13-14). Nessa passagem fica claro que o povo da época acreditava na reencarnação e que para muitos Jesus era tido como a reencarnação de um dos grandes profetas judeus.

Como Deus é amor, a operação de todas as leis divinas é, em sua essência última, uma expressão do amor. Isso também se dá com o carma. Podemos interpretá-lo de forma mais abrangente como a maneira compassiva da ação de Deus como Supremo Instrutor. Todas as situações de nossa vida, que são conseqüências de ações anteriores, são exatamente o que mais precisamos, no momento, para prosseguirmos em nosso processo de aprendizado. Todas as pessoas com quem temos relacionamentos difíceis ou mesmo tumultuados são, na verdade, agentes do carma, os instrutores divinos que estão inconscientemente nos ajudando a aprender alguma lição que se tornou indispensável para o nosso progresso.

[1] Annie Besant, Um Estudo Sobre o Karma (S.P., Pensamento), pg. 21 [2] Dhammapada, caminho da lei (S.P.: Pensamento, 1993), pg. 19.

[3] Para maior aprofundamento ler: O Caminho da Auto-Transformação, op.cit., pg. 32. [4] O Poder da Sabedoria, op.cit., pg. 44.

[5] E. Arnold, A Luz da Ásia (S.P., Pensamento), pg. 180-81

[6] Um corolário da lei do carma é a responsabilidade de cada homem por sua própria vida. “Cada homem é seu próprio absoluto legislador, o dispensador de glória ou escuridão para si mesmo; o decretador de sua vida, sua recompensa, sua punição.” M. Collins, O Idílio do Lótus Branco (S.P.: Pensamento), pg. 83

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V. O MÉTODO DE TRANSFORMAÇÃO