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O MÉTODO DE TRANSFORMAÇÃO O enfoque de Jesus

A PORTA ESTREITA E O CAMINHO APERTADO

V. O MÉTODO DE TRANSFORMAÇÃO O enfoque de Jesus

Nos documentos canônicos e apócrifos existentes, não se encontra nenhuma apresentação sistemática do método de Jesus para a transformação do homem. Cabe a nós, buscadores da verdade e discípulos do Mestre, organizar seus diferentes e esparsos ensinamentos de forma a obter um instrumental

transformador coerente e sistemático. Nesse afã, não é difícil perceber nos ensinamentos de Jesus que ele preconizava uma abordagem semelhante a que hoje seria chamada de holística. Todos os aspectos do homem deveriam ser desenvolvidos, já que seu enfoque incluía tanto os métodos de

desenvolvimento de fora para dentro como os de dentro para fora. Seus ensinamentos serviam de

alimento à alma tanto das pessoas comuns, que buscavam consolo para as agruras de suas vidas diárias e esperança de dias melhores, como dos buscadores avançados que simbolicamente batiam às portas do Reino.

Para todo ser humano, o caminho começa exatamente no ponto em que ele se encontra quando decide trilhá-lo. Como o homem do mundo está necessariamente sob o jugo de sua natureza inferior, seus primeiros passos serão dados pelo seu eu adulto consciente, que começa a buscar em si a força para a mudança. Assim, numa primeira etapa, a mudança será efetuada de fora para dentro e,

consequentemente, de forma lenta e penosa. Só mais tarde, quando a intuição for despertada, será possível a ajuda do Eu Superior, do Cristo interno, que começa a orientar a alma, inspirando-a a seguir o caminho do alto. Inicia-se, então, uma etapa de desenvolvimento acelerado, em que a transformação ocorre de dentro para fora, possibilitando a alma queimar etapas.

Jesus, como todo Mestre, conhecia a complexidade da natureza humana, que tende a resistir à mudança. Por isso, ele legou à humanidade ensinamentos concebidos para trabalhar a natureza do homem sob diferentes ângulos. Sua primeira preocupação parece ter sido quebrar os condicionamentos que limitavam a capacidade de transformação dos judeus naquela época, da mesma forma como ainda limitam o homem moderno.

O comportamento do homem é determinado por seus condicionamentos que refletem os valores recebidos da família e da sociedade, que são progressivamente adaptados para refletir seu

temperamento, suas experiências e seu estágio evolutivo. Grande parte dos condicionamentos origina- se de experiências da infância, quando a criança busca amor e proteção dos pais e nem sempre os

encontra na forma e intensidade desejadas e, em alguns casos, chega até mesmo a receber maus tratos e descaso, gerando, então, traumas que a criança procura superar, criando defesas para evitar o

sofrimento. Essas defesas, envolvendo um ‘raciocínio’ emocional,[1] são mantidas no inconsciente e passam a governar importantes aspectos da vida do jovem e, mais tarde, do adulto, até serem

trabalhadas e superadas, geralmente com bastante esforço.

A liberdade do ser humano, expressa por seu livre arbítrio, deve ser entendida num sentido relativo, pois os condicionamentos agem de forma inconsciente, como um programa de computador que

automaticamente processa todos os dados novos, apresentando respostas ou resultados de acordo com o programa inicial. Jesus procurou quebrar essa programação inconsciente do homem que o torna

egoísta e distante de Deus. Nos ensinamentos públicos isso era feito de forma contundente por meio das parábolas, que criticavam a sabedoria convencional,[2] fonte de importantes condicionamentos, como por exemplo:

“Ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5:45).

“Aquele que ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10:37)

“Se alguém vem a mim e não odeia[3] seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmã e até a própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14:26).

A sabedoria convencional é a expressão da tradição, abarcando os valores da vida social, principalmente no que se refere à família, riqueza, honra e religião. As rígidas normas de obediência à Torá, com suas prescrições detalhadas de práticas religiosas, inevitavelmente criavam situações conflitivas na vida dos judeus. Um exemplo desse conflito foram as curas efetuadas por Jesus no sábado, que se prestaram a críticas por parte dos fariseus e escribas e deram ocasião aos inesquecíveis ensinamentos do Mestre a respeito da compaixão e das prioridades na vida do verdadeiro homem justo.[4]

Assim, tendo Jesus curado num sábado uma mulher que há dezoito anos era possuída por um espírito que a mantinha recurvada e doente, foi criticado pelo chefe da sinagoga. Jesus, então, replicou:

“Hipócritas! Cada um de vós, no sábado, não solta seu boi ou seu asno do estábulo para levá-lo a beber? E esta filha de Abraão que Satanás prendeu há dezoito anos, não convinha soltá-la no dia de sábado?” (Lc 13:15-16). Diversas outras passagens dos evangelho (Mt 12:6-7, Mt 12:10-12 e Lc 14:1- 5) são igualmente ricas em ensinamentos espirituais do gênero.

A própria prática da oração, aparentemente de acordo com a lei, ou seja de acordo com a sabedoria convencional, podia ser ocasião para expressão de orgulho e não de verdadeiro louvor a Deus, como no caso da parábola do publicano (coletor de impostos).

“Dois homens subiram ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava interiormente deste modo: ‘Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos

homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano; jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim,

Essa parábola é especialmente feliz em mostrar o contraste entre a pessoa que se identifica com a máscara de ser “boa e correta” e outra que reconhece o comportamento negativo de seu eu inferior, dando assim o passo necessário para trabalhá-lo e ser, então, purificada.

Todos esses exemplos do ministério de Jesus são reiteradas críticas à uma interpretação estreita da lei mosaica, principalmente de seus preceitos de pureza e observância do sábado, como interpretados pelos escribas e fariseus, porque não eram temperados pela compaixão. Aliás, outros profetas da tradição judaica já haviam feito essas mesmas críticas no passado, como os autores de Isaias, Eclesiastes e Jó. Portanto, o comportamento pautado pelos ditames da sabedoria convencional, ou seja, pelos padrões de excelência que guiam a maior parte da sociedade, não eram no tempo de Jesus, e não são nos dias de hoje, garantia de comportamento verdadeiramente espiritual. O homem deve usar o seu discernimento em cada caso, guiando-se pelo coração, ou seja, tendo a compaixão como bússola para nortear sua rota no relacionamento com as pessoas e o mundo.

Talvez a expressão de Jesus: “é pelos seus frutos que os reconhecereis” (Mt 7:20) seja um resumo de sua crítica à posição farisaica. As aparências externas de práticas religiosas e obediência à lei não eram garantia de uma alma pura e elevada.[5] O comportamento naturalmente amoroso e um verdadeiro senso de dever comandado pelo coração e pela razão é uma indicação mais certa do homem

verdadeiramente justo. O que importa é o que vem do coração e não a preocupação com crenças e comportamentos sancionados pela tradição. Na prática, crença e comportamento podem se tornar uma religião de segunda mão, herdada pela tradição, deixando, porém, o homem egoísta em seu interior, apesar dele acreditar estar fazendo as coisas corretas.

Em Pistis Sophia (Anexo 3), é dito que os condicionamentos agem como verdadeiros demônios

interiores, procurando levar o ser humano ao erro, mesmo quando ele procura a vida espiritual. Esses demônios são formas de influência persistentes, as tendências, que se incorporam aos nossos conteúdos mentais. Assim, a transformação do homem permanecerá lenta enquanto a personalidade lutar sozinha contra seus condicionamentos. É por isso que deve ser solicitada ajuda ao grande aliado da alma, o Cristo interno, para superar a resistência às influências ‘demoníacas’ na forma de tendências arraigadas. Quando isso ocorre, o ser integral, o homem exterior e seu Eu Superior começam a agir em uníssono, promovendo a transformação de dentro para fora. E a mudança terá que ser radical, pois, enquanto as tendências persistirem, enquanto a negatividade não for reconhecida, o homem voltará a cair no erro. Essa transformação ocorre progressivamente durante o desenrolar das experiências da vida, em níveis cada vez mais elevados da espiral do progresso infinito, até que o homem alcance a gnosis suprema, a iluminação libertadora, tornando-se, então, um homem perfeito.

Um autor experiente chama esses dois enfoques de o caminho longo e o caminho curto. “Há o Caminho Longo do auto-aperfeiçoamento, da autopurificação e do auto-esforço; e há o Caminho Breve do

completo esquecimento do eu e do direcionamento da mente para o Objetivo, para a Vida Una Real, pela

lembrança constante dela e pela prática da identificação com ela.”[6] O caminho longo é ensinado aos

principiantes, sendo praticado até um estágio bem avançado da busca. É extremamente penoso, demandando que as mesmas batalhas sejam travadas repetidamente, até que a semente do mal seja

extirpada do coração do aspirante, daí ser chamado de caminho longo, pois leva muitas encarnações para que a iluminação seja alcançada por este método. O caminho breve geralmente é trilhado quando o aspirante já labutou por muito tempo da forma tradicional sem conseguir os vislumbres do mundo

interior e, finalmente, decide entregar-se ao Mestre interior, negando as demandas de sua natureza inferior e aquietando inteiramente sua mente em contemplação. Quando isso ocorre, quebram-se as duas últimas amarras que seguram o homem ao mundo: o orgulho e a ambição espiritual. Assim, a Graça encontra um ambiente favorável para atuar.

Verificamos, portanto, que o método de Jesus visava, numa primeira etapa, desenvolver o

discernimento do buscador, quebrando seus condicionamentos limitadores. Mas, isso não era suficiente para que seus discípulos alcançassem o estado de consciência do Reino. Esse estado transcende a consciência usual do homem e só pode ser adentrado quando a mente é iluminada pela intuição. A realidade última, sendo espiritual, só pode ser apreendida por aqueles que desenvolveram os sentidos espirituais. Pode também ser percebida de forma aproximada pelos que conhecem a linguagem do plano abstrato, qual seja, a dos símbolos. A linguagem simbólica usada por Jesus em suas parábolas e

ensinamentos alegóricos, visava promover o desenvolvimento da intuição em seus seguidores. Os símbolos são para a mente o mesmo que as ferramentas são para as mãos, meios de estender a aplicação de seus poderes. Assim, a linguagem carregada de simbolismo usada por Jesus era, em última instância, um método para forçar a mente a transcender sua consciência usual e atingir os estados de consciência do Reino. O método de ensino de Jesus tem um paralelo com o da Cabala, que é um método profundamente esotérico de transmitir o conhecimento de verdades que transcendem o entendimento da mente. O uso de símbolos serve como uma escada pela qual a mente pode subir, degrau a degrau, até adquirir as asas da intuição que lhe permitirão voar para o alto.[7]

O efeito do simbolismo e da alegoria é sentido de forma dinâmica. Quando o discípulo medita sobre as parábolas e outras instruções veladas, os símbolos vão sendo como que incubados na mente até

alcançarem o grau de amadurecimento em que naturalmente despontam como percepções iluminadas sobre uma realidade que transcende a mente. Nesse processo, as alegorias simbólicas, mesmo que não compreendidas, fixam-se no subconsciente de onde são evocadas sempre que a mente concreta

trabalha com idéias relacionadas ao símbolo. Assim, gradualmente, uma percepção do conceito transcendental vai sendo desenvolvida por relances parciais até que num determinado momento a somatória dessas percepções alcança a necessária massa crítica para perfurar o véu da alegoria e perceber a realidade.

Quando sugerimos que o método de ensino de Jesus poderia ser considerado holístico, por abranger todos os aspectos da natureza humana, não podemos esquecer que um dos legados da tradição cristã foi a divulgação, ainda que velada, de verdades que anteriormente só eram reveladas aos iniciados nos Mistérios Maiores. A vida do Cristo, como relatada nos quatro evangelhos, é uma representação

alegórica das cinco grandes etapas ou iniciações do caminho ocultista que levam o discípulo ao pináculo da perfeição humana. Essas etapas serão examinadas no último capítulo deste livro. Muitas outras

passagens relatadas na Bíblia são instruções de natureza profundamente esotérica, visando preparar o aspirante para prosseguir na busca. Finalmente, um aspecto importante e pouco conhecido de seu

método eram os rituais e sacramentos, examinados mais adiante, que tinham por objetivo proporcionar condições interiores particularmente favoráveis aos discípulos que estavam preparados para recebê-los.

[1] Daniel Goleman, Inteligência Emocional (R.J.: Editora Objetiva, 1995).

[2] Vide Marcus J. Borg, Jesus, a New Vision (Harper San Francisco, 1987), pg. 97 - 116

[3] As passagens em Lucas (14:26) e Mateus (10:37), mencionando que para ser seguidor de Jesus a pessoa precisava “odiar” pais, irmãos e demais parentes, é geralmente citada fora do contexto

lingüístico da época, pois em aramaico a expressão coloquial ‘odiar’, nesse caso, significava colocar em segundo plano ou amar menos.

[4] Quando os fariseus criticaram os discípulos de Jesus, que ao passarem pelas plantações num sábado, arrancaram algumas espigas e comeram-nas, este lembrou-os de que Davi e seus

companheiros haviam comido os pães da proposição na sinagoga, pois também estavam com fome. E acrescentou: “Digo-vos que aqui está algo maior do que o Templo. Se soubésseis o que significa: Misericórdia é que eu quero e não sacrifício, não condenaríeis os que não têm culpa” (Mt 12:6-7) [5] Essa mesma idéia é claramente expressa na tradição hindu: “Alguns deles, em sua hipocrisia,

desejam aparecer como bons perante o mundo e, por isso, praticam atos de piedade e ritos da religião, seguindo, entretanto, apenas a letra, e repelindo o espírito das doutrinas religiosas, e dando as esmolas com ostentação e com coração frio.” Bhagavad Gita, op.cit., pg. 152.

[6] Paul Brunton, Idéias em Perspectiva (S.P.: Pensamento), pg. 300-303

[7] Vide Dion Fortune, The Mystical Qabalah (N.Y.: Samuel Weiser, 1996), pg. 29. Voltar

OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CÉUS NA TERRA

V. O MÉTODO DE TRANSFORMAÇÃO Capítulo 11

OS PRIMEIROS PASSOS