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A alta vibração obtida durante o período de meditação diário tende geralmente a diminuir quando a pessoa volta-se para as exigências da vida cotidiana. O objetivo do devoto é manter essa vibração elevada ao longo do dia, como é sugerido no Evangelho de João: “Permanecei em mim como eu em vós” (Jo 15:4). A instrução evangélica continua, indicando o que ocorre quando o homem consegue manter essa sintonia com Deus: “Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vós o tereis” (Jo 15:7). Para alcançar esse propósito, Paulo recomenda a prática da oração permanente, instando: “Orai sem cessar” (1 Ts 5:17).

No livro anônimo Relatos de um Peregrino Russo, o autor narra como entende a oração interior, a

oração do coração que transforma o homem. Dentre as várias passagens interessantes destaca-se uma sobre a importância da oração permanente e como ela pode ser alcançada:

“É preciso lembrar-se de Deus em todo tempo, em todo lugar e em todas as coisas. Se fabricas alguma coisa, deves pensar no Criador de tudo o que existe; se vês a luz do dia, lembra-te Daquele que criou a luz para ti; se olhas o céu, a terra e o mar e tudo o que eles contêm, admira, glorifica Aquele que tudo criou; se te vestes com uma roupa, pensa Naquele de quem a recebeste e lhe

agradece, a Ele que provê a tua existência. Em resumo, que todo movimento seja para ti um motivo

para celebrar o Senhor: assim rezarás sem cessar e tua alma estará sempre alegre”.[1]

Se permanecêssemos conscientes de nossa natureza divina última, estaríamos mergulhados

permanentemente na lembrança de Deus, pois Deus é imanente. Para que esse processo tenha um poder transformador em nossa vida ele deve ser vivencial e não meramente intelectivo. Quando essa lembrança passa a ser uma realidade em nossa vida, somos submetidos, a cada momento, ao esmeril divino que desbasta as arestas de nossas imperfeições. A realidade, porém, é que a maior parte dos aspirantes mantém a atenção, o dia todo, na sua natureza inferior, esquecido do seu Eu Superior. Para que haja progresso no Caminho são necessários exercícios de recordação de nossa verdadeira natureza divina, ou seja, a lembrança de Deus. Esses exercícios são muito mais valiosos do que sua aparente simplicidade sugere.[2]

A ‘Lembrança de Deus’ é uma prática recomendada por algumas ordens monásticas, como a carmelita. No monaquismo da igreja cristã oriental, esse exercício é conhecida como Mneme Theou (lembrança de Deus). Para essas ordens, Mneme Theou é um componente essencial na vida de transformação da

mente (metanoia). A mente inteiramente voltada para Deus não deseja pensar a respeito de nada mais. A todo momento e em qualquer situação, quando ela precisa de ajuda para resolver seus problemas, volve-se não para as pessoas ou as coisas do mundo, mas para Deus.[3]

O processo de centralização em Deus foi chamado de “orientação magnética para Deus” por um bispo russo conhecido como Theophanis, o recluso, que no final do século passado traduziu o original grego de

Philokalia[4] para o russo, acrescentando vários textos adicionais. Theophanis escreveu como essa

orientação magnética para Deus pode ser desenvolvida:

“O objetivo é nos esforçarmos em direção a Deus; inicialmente isso é feito só na intenção. Deve ser feito em nossa vida real -- uma gravitação natural que é doce, voluntária e permanente. Esse é o tipo de atitude que nos mostra quando estamos no caminho certo. Só se torna claro que Deus está nos tocando quando experimentamos essa aspiração viva; quando nosso espírito vira as costas para tudo o mais e fixa-se Nele deixando-se levar.

No início isso não vai acontecer; a pessoa fervorosa ainda está inteiramente voltada para si mesma. Apesar de ter-se ‘decidido’ por Deus, isso só ocorre em sua mente. Então, quando seu coração

começa a se purificar e assumir a atitude correta, ele passa a trilhar o Seu caminho com amor e contentamento. A alma começa, então, a retirar-se de tudo mais como que do frio e a gravitar em direção a Deus, que a aquece.

Esse princípio de gravitação é implantado na alma fervorosa pela Graça divina. Por sua inspiração e orientação a atração cresce em progressão natural, nutrida internamente mesmo sem o

conhecimento da própria pessoa. Passa a ser, então, uma profunda felicidade estar sozinha com Deus, longe dos outros e esquecida das coisas externas. Ela adquire o reino de Deus dentro de si

mesma, que é paz e alegria no Espírito Santo.”[5]

Dada a realidade da vida moderna, com a constante premência de tempo para realizar inúmeras

atividades, pode parecer-nos que o método de lembrança de Deus foi mais apropriado para a época em que a vida era mais tranqüila, e quando os homens podiam voltar-se para a introspeção, mesmo que estivessem cuidando de seus afazeres mais simples e menos estressantes daquela época. Porém, quanto maior a demanda do mundo, maior a necessidade de estarmos constantemente sintonizados com Deus para mantermos o alto nível vibratório que conduz à transformação (metanoia), que por sua vez leva à união ou ioga. Por isso Jesus dizia: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26:41).

Para nos lembrarmos de Deus, temos que esquecer de nós mesmos, de nossos pensamentos, de nossos interesses, de nossos insistentes medos e anseios. Esse processo está relacionado com a renúncia das lembranças passadas e das esperanças futuras, a fim de que possamos nos lembrar de Deus, agora no presente, como o centro de nossa vida. É também uma conseqüência do primeiro e maior mandamento, amar a Deus de todo coração, com toda a alma e de todo nosso entendimento (Mt 22:38). Se Deus é realmente o nosso maior tesouro, nele deverá estar sempre nosso coração,[6] como ocorre com as pessoas verdadeiramente apaixonadas. Esse é o espírito da lembrança de Deus.

Quando o praticante engaja-se no processo de lembrança de Deus, ainda que inicialmente de forma imperfeita e com lapsos freqüentes durante o dia, ele inicia uma nova etapa no Caminho. Antes ele lutava contra seus demônios interiores sozinho. Agora ele terá um aliado permanente a seu lado, o próprio Senhor do Universo, a Luz infinita que automaticamente repele a escuridão, a Onisciência divina que vence toda ignorância. A partir de então o progresso será muito mais rápido, porque a Verdade é incompatível com a falsidade do mundo, o Amor com o egoísmo da personalidade. Como Deus é

Verdade e Amor, enquanto estivermos sintonizados com Ele, as vibrações distorcidas do mundo material não terão lugar em nosso coração. Estaremos vivendo, então, numa vibração elevada, praticando

naturalmente as virtudes divinas e avançando no Caminho da Perfeição.

A lembrança de Deus pode dar-se de diferentes maneiras de acordo com o temperamento de cada homem. Ela pode aparecer como uma constante sintonia com Deus, em que a pessoa percebe a presença de Deus no íntimo de seu coração. Para o indivíduo que ama a natureza ou que tem um

pendor poético, a lembrança pode ser a percepção de Deus na beleza de toda manifestação da natureza e em todos os seres.

Para o devoto, pode ser mais natural viver com o Cristo a seu lado, em permanente comunhão, como se Ele fosse seu companheiro inseparável. Ele está sempre a nossa disposição; somos nós que temos que optar por nos mantermos a Seu lado, sem perder-nos em considerações mundanas e fúteis. Poderemos, também, observar nosso comportamento e nossas tendências, contrastando o Cristo interior que

procura nos levar para o alto, com a personalidade, que nos puxa para baixo. E, quando alguma

atividade demandar toda a nossa atenção, podemos oferecer ou dedicar a Deus aquela tarefa, pedindo que Ele guie o nosso coração para podermos realizá-la da melhor maneira possível.

Deve ficar claro, no entanto, que a prática da presença de Deus não é uma mera técnica que possa ser adotada por qualquer um a qualquer momento. Ela é uma conseqüência do profundo amor a Deus

sentido pelo devoto que, na alegria de seu anseio por comungar com o Supremo, procura estender o seu contentamento a todo momento e a toda ocasião.

Muitos aspirantes, convencidos da importância da prática da lembrança de Deus, tentam incorporá-la à sua rotina diária, mas verificam que, por razões que não conseguem entender, não fazem muito

progresso. Sentem como se seu coração não estivesse realmente engajado, como se lá dentro do coração algo estivesse dizendo que isso não é mesmo para ele. Esses casos, que infelizmente não são raros, geralmente são um reflexo da imagem que temos de Deus. Esse é um assunto de importância transcendental. Geralmente não nos damos conta de que a maior parte das práticas espirituais

dependem do que sentimos a respeito de Deus e não do que pensamos a seu respeito.

Nossos sentimentos a respeito de Deus dependem da imagem que fazemos a seu respeito. Esta imagem não é o resultado do conceito que temos de Deus, que é nossa visão intelectiva, mas sim da imagem que formamos inconscientemente durante nossa infância, como uma extensão natural da imagem de nossos pais, a autoridade que conhecemos. Dependendo de como a criança é tratada pelos pais, se com disciplina rigorosa e castigos, com indulgência e permissividade ou com frieza e descaso, a criança, aos