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A mulher como sujeito criminoso

No documento joycekelinascimentosilva (páginas 45-50)

Como vimos, existem inúmeras abordagens e hipóteses explicativas para a pouca visibilidade da mulher como sujeito criminoso, em especial nas estatísticas criminais das agências de controle social formal. No entanto, mesmo com taxas de incriminação e penalização, em muito, inferiores às masculinas, diversos estudos apontam para o crescimento da população carcerária feminina no Brasil e no mundo.

Embora persista a grande diferença entre os totais absolutos de homens e mulheres encarcerados, dados estatísticos disponibilizados pelo Ministério da Justiça brasileiro, através do Departamento Penitenciário Nacional apontam uma elevação significativa do número de mulheres encarceradas no período entre 2000 e 2012, conforme tabela a seguir.

Tabela 1 Evolução Presos/Gênero Sistema Penitenciário Nacional e SSP/Polícias (2000-2012)

Presos/Gênero nov/00 jun/02 dez/04 dez/06 dez/08 dez/10 jun/12 Homens 222.643 229.060 317.568 378.171 422.775 461.444 513.538 Mulheres 10.112 10.285 18.790 23.065 28.654 34.807 36.039

Total 232.755 239.345 336.358 401.236 451.429 496.251 549.577 Fonte: relatórios do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça (Infopen/DEPEN/MJ). Referência 2000 - 2012.

Devemos notar que estamos diante de duas ordens de grandeza distintas: enquanto o acréscimo de 256% na população carcerária feminina correspondeu a um contingente adicional de 25.927 mulheres; o aumento de 131% na população carcerária masculina representou um acréscimo de 290.895 homens nas unidades prisionais, no período entre 2000 e 2012. De qualquer forma, chama a atenção o fato de que, no mesmo período, o percentual de incremento da população carcerária feminina foi significativamente superior ao da população carcerária masculina.

Ainda segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, o panorama da violência feminina no Estado de Minas Gerais não difere da realidade nacional. No ano de 2003 havia 238 mulheres e 5.200 homens encarcerados no estado, número que em 2012 saltou para 2.658 presas e 42.640 presos. Esses números revelam que, no período entre 2003 e 2012, a população carcerária feminina de Minas Gerais cresceu impressionantes 1.017%, percentual que supera o acréscimo de 720% na população carcerária masculina no mesmo período.

Tabela 2 Comparação da população carcerária do Estado de Minas Gerias, masculina e feminina (2003-2012) Gênero Ano Referência/2003 % Ano Referência/2012 %

Mulheres 238 4 2.658 6

Homens 5.200 96 42.640 94

Total 5.438 100 45.298 100

Fonte: relatórios do Estado de Minas Gerais no Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça (Infopen/DEPEN/MJ). Referência 2003 e 2012.

Diversos estudos constataram a crescente evolução do encarceramento feminino, também, nos demais estados da região sudeste do Brasil. Partindo de dados da Secretaria da Administração Penitenciária para o estado de São Paulo, Moki (2005, p. 94) destaca que no

ano de 1988 havia 235 mulheres presas e 15.259 homens presos, número que em 2004 saltou para 2.984 presas e 98.540 presos. Esses números revelam que, no período entre 1988 e 2004, a população carcerária feminina de São Paulo registrou um crescimento de 1.169%, percentual muito superior se comparado ao acréscimo de 545% na população carcerária masculina no mesmo período.

Ainda para o estado de São Paulo, considerando dados do IBGE, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Administração Penitenciária estadual, Braunstein (2007, p. 77-78) destaca que no ano de 1950 de um total de 1.145 pessoas encarceradas, apenas 30 eram mulheres. Ao passo que no ano de 2006 do total de 130.391 prisioneiros, 6.077 eram mulheres. Segundo Souza (2009), Brausntein e Moki argumentam no sentido de que o estado de São Paulo concentra mais de 30% do total de presidiárias do Brasil.

Considerando a modalidade de pena e o regime de cumprimento, Rita (2006, p. 44) aponta que no ano de 2005 o Estado de São Paulo apresentava o maior número de detentas em regime fechado (3.375 mulheres), semiaberto (450 mulheres) e em medidas de segurança e tratamento ambulatorial (78 mulheres).

No estado do Rio de Janeiro, Soares e Ilgenfritz (2002), analisando dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), destacam que entre 1988 e 2000 houve um aumento de 132% no número de presidiárias, sendo este 36% maior que o aumento do número de homens encarcerados no mesmo período. No ano 2000 havia 633 mulheres presas no estado, sendo que a taxa feminina de aprisionamento, isto é, o número de presidiárias em cada cem mil mulheres adultas, aumentou 85,5%, enquanto a masculina cresceu 58,1%. Logo, a taxa feminina de aumento seria 27% maior que a masculina. Ainda assim, o total de detentas ainda é pequeno se comparado ao de homens presos, pois o crescimento de 132% equivale a 360 presas adicionais, enquanto a elevação de 96% da população carcerária masculina representa um acréscimo de 7.974 presos.

Assis e Constantino (apud SOUZA, 2009, p. 650) também “demonstram um aumento dos crimes cometidos por mulheres, baseados em dados do Departamento de Sistema Penitenciário de 1995 a 1999: em 1995 havia 381 presidiárias contra 9.144 homens e em 1999, 585 mulheres contra 14.036 homens”.

No estado do Espírito Santo, Frinhani (2004, p. 41), constata que “apesar de estatisticamente a população feminina ser bem menor que a masculina, (...) esta população que em 1995 era de 1,4% do total, hoje chega a 5% da população carcerária do Estado. Em termos absolutos, de 25 presas em 1995, o Estado [passou a contar em 2004] com 195

detentas, entre presas condenadas e provisórias, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)”.

Diante de mudanças qualitativas e quantitativas na representação da mulher enquanto sujeito criminoso, Schwartz e Steffensmeier (2004, p. 117) lançam mão de nove hipóteses para explicar o maior envolvimento das mulheres com o crime e/ou a diversificação dos delitos por elas perpetrados nos últimos anos na sociedade norte-americana.

A primeira hipótese refere-se a mudanças na lei e na gestão organizacional do crime, ou seja, a alteração na evolução das prisões de infratores do sexo feminino está relacionada a respostas oficiais menos tendenciosas ou mais eficientes para a criminalidade, ao invés, de mudanças reais no comportamento criminoso entre as mulheres. A burocratização das agências estatais de controle enfraqueceu a repercussão dos estereótipos de gênero no processo de incriminação, conferindo maior evidência às mulheres.

A segunda hipótese aponta para ampliações e mudanças na lei ordinária norte- americana e na forma como a mesma é aplicada, visando também formas menos graves de infração à lei, o que aumentou o conjunto de mulheres delinquentes que correm risco de prisão. A consolidação de um ambiente de política criminal mais punitiva tem sido um fator importante no processo de crescimento das prisões de ambos os sexos, mas a sua repercussão sobre infratores do gênero feminino tem sido mais evidente.

A terceira hipótese remonta ao clássico argumento da “igualdade de gênero e emancipação feminina”, segundo a qual a melhoria do status das mulheres, particularmente seus avanços no mercado de trabalho remunerado, aumentaria o desejo e as oportunidades para prática de crimes. No entanto, a equalização das oportunidades entre os gêneros não seria necessariamente criminogênica, pois, poderia inclusive mitigar a influência de fatores apontados pela literatura como causas do crime.

A quarta hipótese apõem-se a anterior ao sustentar que o aumento da marginalização econômica das mulheres; os níveis mais elevados de insegurança econômica enfrentada por grandes subgrupos de mulheres na sociedade norte-americana; o elevado número de divórcios e de famílias chefiadas por mulheres representaria maior pressão para o cometimento de crimes, especialmente aqueles relacionados ao consumo, como o estelionato e fraudes, além de crimes contra o patrimônio.

A quinta hipótese remete à tese do aumento da desorganização social das comunidades urbanas, marcadas pela fraca presença estatal, pelo desmantelamento das famílias e pelo crescente distanciamento das instituições convencionais, como as educacionais, de atenção à saúde, de promoção do emprego, levando ao enfraquecimento do

controle social e gerando estratégias adaptativas que incluem a criminalidade como solução para os problemas cotidianos. Os efeitos do enfraquecimento dos controles sociais são especialmente prejudiciais ao processo de socialização e de controle social das mulheres.

A sexta hipótese chama a atenção para a ampliação das oportunidades para a prática dos crimes ditos tipicamente femininos. Mudanças nos padrões da atividade produtiva, incluindo o estímulo ao consumismo, a grande disponibilidade de bens de consumo, o sistema financeiro baseado na oferta de crédito, bem como os inúmeros programas de promoção do bem-estar social, que teriam expandido as oportunidades para a prática de crimes femininos, como as fraudes, que prescindem de força física.

A sétima hipótese aponta para uma maior aceitação de mulheres em alguns grupos criminosos devido a mudanças recentes no submundo do crime, tais como: 1. a redução da oferta de delinquentes do sexo masculino livres devido ao aumento das taxas de encarceramento; 2. as transformações dos mercados ilegais e das oportunidades para prática de crimes, especialmente o surgimento do narcotráfico como mercado criminoso dominante, que demanda um número cada vez maior de colaboradores, inclusive mulheres; e 3. mudanças na composição étnica da população norte-americana.

A oitava hipótese indica que embora a dependência química seja um fator criminógeno para ambos os sexos, o seu crescimento favorece o aumento da inserção das mulheres no mundo do crime, uma vez viciadas elas prestariam serviços aos traficantes para sustentar o consumo.

A nona e última hipótese se aproxima da lógica da sétima, pois afirma que a implementação de programas de prevenção de crimes voltados exclusivamente para infratores do sexo masculino reduziu o envolvimento dos homens com alguns crimes, abrindo espaço para que as mulheres ocupem os vácuos deixados por eles, reduzindo as disparidades de gênero nas estatísticas criminais.

Consideramos que essas hipóteses, apesar de embasadas em dados colhidos pelos pesquisadores americanos, precisariam de mais testes empíricos, inclusive para uma posterior transposição de seus argumentos para a análise da delinquência feminina no Brasil. De todo modo, o seu apontamento mostra-se relevante no contexto deste trabalho, fornecendo subsídios para a análise do seu objeto e evidenciando o aumento da presença feminina no crime em outras sociedades.

No documento joycekelinascimentosilva (páginas 45-50)