• Nenhum resultado encontrado

Processamento dos crimes de tráfico de drogas na Lei nº 11.343/2006

No documento joycekelinascimentosilva (páginas 81-86)

Apresentamos um resumo do fluxo processual do crime de tráfico de entorpecentes na Lei nº. 11.343/2006 (Nova Lei de Drogas). Na fase pré-processual, ou seja, no momento que antecede o oferecimento da denúncia, em caso de prisão em flagrante a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao Juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 horas (art. 50). O auto de prisão em flagrante será lavrado com o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, confeccionado por um perito oficial ou pessoa idônea, que provará a materialidade do crime.

O Inquérito Policial deverá ser concluído no prazo de 30 dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 dias, quando solto, podendo os prazos ser duplicados pelo Juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária (art. 51). Após elaboração de relatório, inexistindo necessidade de retorno para novas diligências, serão os autos encaminhados ao juízo.

A fase processual tem início com o oferecimento da denúncia. O Ministério Público terá 10 dias, a partir do recebimento do Inquérito Policial, para oferecer a denúncia (podendo arrolar até 05 testemunhas), estando o réu preso ou solto, pedir o arquivamento dos autos ou requisitar diligência que entender necessária.

Oferecida a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, também chamada de defesa preliminar, por escrito, no prazo de 10 dias. Na defesa prévia o réu poderá arguir questões processuais preliminares (e.g. a nulidade de atos praticados) e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e arrolar até 05 testemunhas. Se o réu não apresentar a defesa preliminar no prazo, a ele será nomeado defensor para que o faça em 10 dias.

No prazo de 05 dias, o Juiz deverá decidir se recebe a denúncia ou não. Assim, se entender imprescindível, o Juiz, no prazo máximo de 10 dias, determinará a apresentação do

preso, realização de diligências, exames e perícias (art. 55, §5º). Caso contrário, recebendo a denúncia, designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, e ordenará a intimação do acusado, do Ministério Público e, se for o caso, do assistente de acusação. Se a denúncia for rejeitada, caberá Recurso em Sentido Estrito. Se for recebida, caberá habeas corpus.

A audiência de instrução e julgamento deverá ser realizada dentro dos 30 dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 dias.

Primeiramente, haverá o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas; após, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, pelo tempo de 20 minutos para cada um, prorrogável por mais 10 minutos, a critério do Juiz.

Após proceder ao interrogatório, o Juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante (art. 57, parágrafo único). Findos os debates, o Juiz julgará. Não se achando apto para prolatar a decisão, o magistrado poderá fazê-la, no prazo de 10 dias.

Nos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º, e 34 a 37 da Lei nº. 11.343/2006, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória (art. 59).

3 A ATIVIDADE JUDICATIVA NO SISTEMA DE JUSTIÇA BRASILEIRO

Inicialmente, lembramos que, nos últimos anos, os pesquisadores brasileiros passaram a desenvolver mais estudos sobre o universo legal e judiciário buscando a descrição e compreensão de sua estrutura e entraves46. A discussão sobre a eficiência ou ineficiência do Sistema de Justiça Criminal em processar adequadamente os delitos que chegam ao seu conhecimento tem motivado a produção de complexos estudos sobre o “fluxo do sistema de justiça criminal” 47, que demandam o levantamento de numerosas informações e a construção de bancos de dados sobre uma modalidade de infração penal, desde sua notificação à Polícia até o julgamento.

Através dos “estudos de fluxo” os pesquisadores pretendem reconstituir o fluxo de pessoas e procedimentos que atravessam as diferentes instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal, possibilitando o cálculo das taxas de esclarecimento, processamento, sentenciamento, condenação e aprisionamento dos envolvidos em ocorrências criminais.

O cálculo dessas taxas permite a reconstituição do fluxo do processamento de crimes e a mensuração da eficiência do Sistema de Justiça Criminal na persecução daqueles que infligiram a lei e lesionaram direitos de terceiros. Em última análise, permite uma avaliação global do sistema e de sua capacidade de prevenção (dissuasão da intenção de se cometer um crime), visto que desvela a probabilidade de se sofrer (ou não) uma punição pela transgressão da lei penal, indicada pela grande diferença (afunilamento) entre o número de ocorrências registradas pelas polícias e o número de processos sentenciados pelo Judiciário, com condenação e aprisionamento.

Os métodos utilizados para o cálculo dessas taxas (seja o “longitudinal ortodoxo” 48 ou o do “desenho transversal”49) demandam a existência de um banco de dados extenso e confiável. Sendo assim, temos que a grande dificuldade em estudos dessa natureza no Brasil relaciona-se às fontes desses dados, já que, ao contrário do que acontece em países como

46

Tais como: LEMGRUBER (1983); SOARES e ILGENFRITZ (2002); VOEGELI (2003). 47

Dentre os quais citamos: VARGAS (2002); MISSE e VARGAS (2007); VARGAS (2007), SOUZA (2009). 48

Método utilizado até a década de 1970, demanda o acompanhamento dos procedimentos desde o registro do crime pela polícia até o seu sentenciamento no Judiciário, reunindo informações detalhadas sobre autor e vítima, contexto da ocorrência e características processuais do caso (RIBEIRO e SILVA, 2010).

49

Desenvolvido a partir da década de 1980 pelas Nações Unidas em seu programa “Surveys of Crime Trends and Operations of Criminal Justice Systems”, que coleta informações apuradas anualmente pelas agências nacionais encarregadas da prevenção e controle da criminalidade acerca do número de crimes registrados; do número de processos iniciados por categoria criminal e do número de sentenças proferidas com referencia ao tipo de delito. Estas informações viabilizam a análise do fluxo criminal através do uso do desenho transversal, caracterizado pelo contraste dos números produzidos por cada instituição do Sistema de Justiça Criminal para uma categoria de crime. O Brasil não participa desse programa das Nações Unidas porque aqui as informações sobre a prevenção e controle da criminalidade, quando existem, são produzidas apenas no nível estadual ou municipal.

França, Estados Unidos e Canadá, não dispomos de um órgão federal responsável pela coleta e organização de informações sobre o processamento de delitos.

Além disso, cada uma das instituições integrantes do Sistema de Justiça Criminal brasileiro produz informações distintas, consolidadas em documentos diferenciados50, o que dificulta a reconstituição do processamento dos delitos desde a sua ocorrência até a sentença.

Temos, ainda, que em nossa legislação, crimes diferenciados podem implicar modalidades distintas de processamento, desta forma a natureza do delito é determinante na configuração do fluxo que o mesmo assume. Em que pesem as dificuldades apontadas, pesquisadores brasileiros têm se esforçado para realizar estudos sobre o fluxo de processamento no Sistema de Justiça Criminal pátrio51.

Consideramos que todas as decisões tomadas pelos agentes do sistema de justiça criminal no seletivo processo de “criminação-incriminação” e “sujeição criminal” 52 (MISSE, 1999) integram e influenciam os rumos do “fluxo processual”, assim como as taxas de esclarecimento, processamento, sentenciamento, condenação e aprisionamento dos acusados.

Vargas (2000, 142), em pesquisa sobre a configuração do fluxo da justiça criminal para os crimes de estupro na cidade de Campinas em São Paulo, chamou a atenção para o fato de que a etapa do fluxo processual referente ao sentenciamento, ou seja, à tomada de decisão pelos magistrados, é um tema instigante a ser explorado.

Sendo assim, empreenderemos uma análise do universo legal e judiciário, porém, com um enfoque muito específico, qual seja o diagnóstico de como se dá o processo de elaboração da sentença penal, enquanto importante etapa do fluxo do Sistema de Justiça Criminal.

50

Para ilustrar essa diferenciação temos que: 1) a Polícia Militar produz Boletins de Ocorrências que fornecem o número de crimes registrados; 2) a Polícia Civil produz Inquéritos Policiais que indicam o número de investigações iniciadas e encerradas; 3) o Ministério Público oferece Denúncias que indicam o número de delitos apurados que reclamaram a manifestação do Judiciário sobre a instauração (ou não) de um processo penal; e 4) o Judiciário movimenta processos a partir dos quais podemos apreender o número destes que foram iniciados (denuncias aceitas) e encerrados (sentenciados). (RIBEIRO e SILVA, 2010).

51

Uma revisão sucinta destes estudos pode ser encontrada em RIBEIRO e SILVA (2010, p.18-24). Em MISSE e VARGAS (2007), encontramos um estudo de fluxo sobre a incriminação no estado do Rio de Janeiro elaborado através de séries de dados referentes à década de 50 e ao período entre 1997-2001. Já em VARGAS (2007) é feita uma análise comparada sobre o fluxo da Justiça Criminal para o crime de estupro nas cidades de Campinas (São Paulo/Brasil) e Indianápolis (Indiana/EUA).

52

Esclarecemos que as expressões “criminação-incriminação” e “sujeição criminal” são aqui utilizadas conforme definição proposta por Misse (1999), na tese “Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no rio de janeiro”. Para uma compreensão mais ampla do significado desses conceitos recomendamos a leitura dessa relevante pesquisa, uma vez que as expressões citadas remetem a processos complexos que envolvem, respectivamente, o enquadramento de um curso de ação na classificação criminalizante definida no tipo penal e o processo social pelo qual identidades são construídas e atribuídas para habitar adequadamente o que é representado como o “mundo do crime”.

Para tanto precisamos empreender uma investigação sobre as práticas legais e a significação da atividade judicativa no Sistema brasileiro de Justiça, em especial, da posição ocupada neste pelos magistrados, pois estará em foco o processo de tomada de decisão consubstanciado nas sentenças por eles prolatadas.

No documento joycekelinascimentosilva (páginas 81-86)