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Metodologia

No documento joycekelinascimentosilva (páginas 143-148)

Nas Ciências Sociais dispomos de diversos instrumentos metodológicos na busca pela interpretação e compreensão da realidade social. No estudo da Sociologia Compreensiva do Direito de Weber encontramos a perspectiva historicista, utilizada pelo autor para a explicação da burocracia e da racionalidade das instituições político-jurídicas das sociedades contemporâneas. Para o sociólogo alemão, o historicismo, mais que um pressuposto teórico, é um pressuposto metodológico adequado para a análise dos fenômenos sociais e jurídicos, por tornar evidentes os nexos causais entre a ação e os significados atribuídos a ela pelos agentes sociais.

Em sua análise do Direito, Weber empregou um método de investigação que combinou “o racionalismo científico típico, classificatório e generalizante, mais identificado com as ciências naturais, com a perspectiva historicista, que captura os movimentos particulares e singulares que guardam a integridade de cada fenômeno social concreto” (MELLO, 2005, p. 155). O presente trabalho busca a compreensão da lógica que orienta os magistrados na tomada de decisões e na condenação de mulheres por tráfico de drogas. Envolve, portanto, práticas jurídicas cuja análise, sob uma perspectiva qualitativa, evidenciará os nexos causais entre a ação e os significados oriundos da ordem política e social a elas atribuídos pelos agentes do Sistema Jurídico Criminal.

Sendo assim, consideramos relevante a lição de Weber sobre o “processo de racionalização”, que é parte de um processo mais amplo de intelectualização (WEBER, 1982, p. 165). Para o autor, "racionalizar" significa compreender de maneira abstrata um fenômeno, reproduzindo mentalmente, intelectivamente um ato ou situação. O emprego da racionalidade é um recurso metodológico, entre tantos, utilizado na orientação das ações.

Através da Sociologia Compreensiva do Direito, Weber trabalha com a reconstrução da trajetória da constituição do Direito racional e formal nas sociedades ocidentais, enquanto forma dominante de administração das relações estatais, das relações de poder e das relações entre civis. Assim, o autor desenvolveu sua Sociologia do Direito em relação com sua Sociologia da Dominação, ou seja, apontando as interações entre o Direito e o poder político organizado (dominação). Localizou o Direito no cerne da administração pública78 e defendeu que cada tipo de dominação se expressa por um sistema jurídico peculiar.

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Segundo Weber (1999, v. II, p. 3), “o círculo da administração ‘pública’ abrange três coisas: a criação do Direito, a aplicação do Direito e aquilo que resta de atividades institucionais públicas depois de separar aquelas duas esferas (que aqui denominamos governo)”.

Por fim, entende-se por Sociologia Jurídica em Weber o estudo do comportamento dos indivíduos frente às normas vigentes, a identificação do grau de orientação destes por um conjunto de leis (ordem legítima) e do modo como eles as transformam.

A tarefa sociológica na seara do Direito se atém, portanto, a investigar, no plano fático, o que ocorre no comportamento daqueles que se submetem a um ordenamento ou instituição, e de que maneira ocorre sua orientação segundo o significado desta ordem legítima, institucionalizada. Essa tarefa deve ser empreendida através da análise histórica e da compreensão qualitativa dos processos históricos e sociais, combinando explicação e compreensão na busca pelo conhecimento científico dos elementos determinantes das práticas jurídicas reveladoras do domínio jurídico legal.

Visando empreender essa tarefa, optamos por uma abordagem plurimetodológica da “sentencing”, conjugando os aportes metodológicos da abordagem sociológica e da abordagem tradicional da teoria. Isto significa que empregamos de forma complementar o método qualitativo baseado na técnica de análise de conteúdo de documentos (sentença criminal) e o método quantitativo, buscando elementos que ilustrem as reflexões acerca do conteúdo das decisões coletadas.

Esclarecemos que, na esteira do pensamento de Martins (2011), flexibilizamos aqui as fronteiras erguidas na literatura estudada entre a abordagem tradicional e a abordagem sociológica da “sentencing” 79, pois entendemos que a complexidade do objeto da pesquisa inviabiliza a dissociação radical das metodologias qualitativa e quantitativa, posto que as categorias de análise da “sentencing” tradicional também podem ser submetidas à interpretação, revelando novos significados e aprofundando a compreensão das categorias de análise dos comportamentos sociais próprias da perspectiva sociológica.

Entendemos que a técnica de análise de conteúdo apresenta-se como a mais adequada para o estudo das sentenças, pois permite “desmontar a estrutura e os elementos [do seu] conteúdo para esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação” (LAVILLE e DIONNE, 1999, p. 214). Como destaca Paul Sabourin,

A análise de conteúdo procura conhecer a vida social a partir da dimensão simbólica dos comportamentos humanos. Ela parte de vestígios mortos, documentos de todos os tipos, para observar os processos vivos: a mente humana em sua dimensão social. Este pensamento pode ser entendido a nível individual ou coletivo e conceituado, especialmente, nas teorias da ideologia ou, ainda, numa teoria das representações sociais. Se enfatizamos o simbólico, é porque o conhecimento das características próprias da atividade simbólica humana é um antecessor do domínio da análise de conteúdo. Fazer uma análise de conteúdo é produzir linguagem (discurso acadêmico de interpretação dos

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documentos) a partir da linguagem (os documentos analisados resultantes de uma interpretação do mundo). (SABOURIN, 2006, p. 358, tradução nossa, grifos do autor)

Segundo Berelson (1952, 1968 apud GRAWITZ, 2001, p. 606), a análise de conteúdo pode ser definida como “uma técnica de pesquisa para descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações, com a finalidade de lhes interpretar”.

Grawitz (2001, p. 606-607) esclarece os elementos da definição de Berelson, afirmando que a análise de conteúdo deve ser realizada segundo regras, obedecendo a instruções suficientemente claras e precisas para que analistas diferentes, trabalhando sobre o mesmo conteúdo, obtenham os mesmos resultados, sendo que isso demanda um consenso sobre os aspectos a serem analisados, sobre as categorias utilizadas e sobre a definição operacional de cada uma destas. Todo o conteúdo deve ser ordenado e integrado às categorias selecionadas, em função de sua finalidade. Os elementos de informação relacionados ao objetivo do estudo não podem ser ignorados. Sendo que frequentemente, é feita a contagem de elementos significativos para calcular a sua frequência, o que não é condição indispensável em algumas análises qualitativas cujos temas não são mensuráveis.

Escolhido e coletado o material de análise, ou seja, as sentenças judiciais extraídas de autos processuais, entendidos como “fichas simbólicas” 80 (GIDDENS, 1991), optou-se pela utilização da técnica de exploração ou de verificação dirigida (GRAWITZ, 2001), também conhecida como análise de conteúdo “clássica” ou temática (SABOURIN, 2006).

Essa técnica visa testar uma hipótese previamente definida a partir da análise de um objeto preciso (GRAWITZ, 2001). Atrelado à hipótese surge certo número de conceitos cujas dimensões traduzem-se em indicadores que, por sua vez, definem uma grade que permite a categorização dos enunciados conforme a base teórica adotada (LAVILLE e DIONNE, 1999). Dessa forma, buscamos inspiração nos aportes teóricos da “sentencing” para formular nossa hipótese de pesquisa, ou seja, pretendemos identificar nas sentenças elementos que favoreçam o debate sobre a (im) parcialidade dos magistrados e a desigualdade nos julgamentos pela aplicação de penas díspares nos casos de mulheres envolvidas com o tráfico de drogas.

Assim, considerando a hipótese apresentada os principais elementos que serão estudados envolvem os condicionantes da prática judicativa dos magistrados e sua relação

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Segundo Giddens (1991, p. 25), “fichas simbólicas” são “meios de intercâmbio que podem ser ‘circulados’ sem ter em vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer conjuntura particular”.

com o processo de racionalização de representações sociais que podem ser determinantes da parcialidade do Juiz, repercutindo em desigualdades dos Tribunais manifestas nas disparidades das penas atribuídas a acusadas julgadas pela prática de infrações semelhantes.

A definição das categorias de análise relacionadas à essa hipótese seguirá um modelo misto (LAVILLE e DIONNE, 1999), ou seja, serão definidas categorias a priori baseadas nas categorias das abordagens tradicional e sociológica da “sentencing”, mas o quadro operatório inicial não tem caráter imutável, pois, não queremos restringir a análise à verificação de elementos predeterminados, correndo o risco de deixar escapar elementos significativos que possam surgir nas sentenças, ainda que isso implique numa moderada ampliação, modificação ou eliminação decorrente da revisão crítica das categorias iniciais.

Assim, as categorias de análise previamente definidas na abordagem tradicional da “sentencing” foram:

Critérios legais: que estão diretamente relacionados à interpretação desenvolvida pelo magistrado sobre a gravidade dos fatos narrados na Denúncia e averiguados durante a instrução do processo judicial.

Qualificação/tipificação da conduta – definição na Denúncia e na Sentença, reconhecimento do concurso de crimes.

Materialidade do delito – repercussão da natureza e da quantidade de droga apreendida.

Autoria do delito – caracterização e prova, teses defensivas (confissão, negativa da autoria, desclassificação para uso), função desempenhada no tráfico.

Circunstâncias agravantes ou atenuantes e Causas de aumento e de diminuição da pena – caracterização, reconhecimento na sentença e repercussão na pena.

Critérios extralegais: que dizem respeito à interpretação desenvolvida pelo magistrado sobre as características pessoais e ao comportamento das acusadas observados durante as audiências.

Gênero – possível repercussão para uma discriminação positiva ou negativa.

Classe/origem social – possível repercussão para uma discriminação positiva ou negativa.

Raça/etnia – possível repercussão para uma discriminação positiva ou negativa.

Circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal – caracterização, reconhecimento na sentença e repercussão na pena da análise pelos magistrados da culpabilidade, dos antecedentes criminais, da conduta social a personalidade da acusada, dos motivos, bem como das circunstâncias e consequências do crime.

Sendo que a categoria de análise definida na abordagem sociológica da “sentencing” relaciona-se à contextualização social, institucional e político-jurídica dos magistrados, caracterizadas aqui pela cultura jurídica, entendida como “o conjunto de

orientações a valores e interesses que configuram um padrão de atitudes diante do direito e dos direitos e diante das instituições do Estado que produzem, aplicam, garantem ou violam o direito e os direitos”, relaciona-se também à cultura política e profissional dos magistrados decorrentes da formação, da socialização, do associativismo etc. (SOUZA SANTOS, 1996 apud MARTINS, 2011, p. 132).

Ressaltamos que tecemos considerações a respeito da conceituação de cada uma dessas categorias de análise no Capítulo 4 deste trabalho, motivo pelo qual faremos maiores considerações sobre os mesmos no próximo capítulo a partir da análise do material coletado na pesquisa de campo.

Registramos que embora as sentenças extraídas dos “autos” processuais sejam documentos públicos, visando salvaguardar o anonimato das partes envolvidas, ao citarmos passagens que ilustram as análises deste estudo empregamos apenas as iniciais dos nomes das acusadas e das testemunhas a fim de preservá-los, sendo está, inclusive, uma condição imposta pelos magistrados para autorização da pesquisa.

Definida as hipóteses de pesquisa e as categorias a serem empregadas na análise dos conteúdos das sentenças coletadas, estas foram impressas para a leitura e sistematização dos dados que foram submetidos a um esforço interpretativo, levando aos resultados apresentados no próximo capítulo.

6 A VOZ DOS MAGISTRADOS NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

6.1 Considerações iniciais

De posse do material coletado durante a pesquisa, empreendemos a análise do conteúdo das sentenças, em busca de passagens que, por um lado, forneçam subsídios para a identificação e análise dos condicionantes da sentença judicial para condenação ou absolvição pelos crimes previstos no “Capítulo II – Dos Crimes” da Lei nº. 11.343/2006 (Lei de Drogas) e dos elementos que caracterizam as disparidades das penas, e, por outro, indiquem as particularidades que envolvem as mulheres condenadas por tráfico de drogas em Juiz de Fora. A seguir, apresentamos os resultados da análise das sentenças coletadas à luz da revisão da literatura sobre o tema, sob a perspectiva das hipóteses e categorias de análise definidas para o estudo. Ressaltamos que nos guiamos pela sequência em que os elementos de análise aparecem nas sentenças penais condenatórias, motivo pelo qual iniciamos nossa exposição a partir da análise dos critérios legais relacionados à interpretação sobre a gravidade do fato. Depois versamos sobre os fatores extralegais, relacionados às características das acusadas; para, por fim, tecermos algumas considerações acerca da influência da cultura jurídica no processo decisório.

No documento joycekelinascimentosilva (páginas 143-148)