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Sobre a influência dos critérios extralegais na sentença

No documento joycekelinascimentosilva (páginas 113-118)

4.3 Categorias de análise e metodologia em estudos de “sentencing”

4.3.1 A abordagem tradicional da “sentencing”

4.3.1.2 Sobre a influência dos critérios extralegais na sentença

No tocante aos critérios extralegais, a abordagem tradicional considera as características dos acusados: os antecedentes criminais, o gênero, a posição social, a origem étnica, e a idade.

O Código Penal brasileiro, no artigo 68, determina que para aferir a pena base o Juiz deve considerar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima. E sobre a pena base incidirão, se presentes, as circunstâncias agravantes (arts. 61 e 62) e atenuantes (arts. 65 e 66), bem como as causas específicas de diminuição ou aumento da pena previstas em cada tipo penal.

Assim, os magistrados brasileiros receberam autorização legal para valorar elementos extralegais num único momento da aplicação da pena, vedado o bis in idem, ou seja, tais circunstâncias devem ser apreciadas apenas uma vez na aplicação da pena, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis ao acusado.

A avaliação dos antecedentes criminais (reincidência) envolve a discussão sociológica dos estudos sobre o passado do agressor e repercute em desfavor do acusado no processo de incriminação. Isso porque a existência de antecedentes criminais pode justificar a prisão, indicando uma tendência do acusado à delinqüência latente e à insubordinação social.

Quanto aos antecedentes existe a possibilidade de consulta a documento oficial, qual seja a Certidão de Antecedentes Criminais – CAC, geralmente anexada pela Polícia Civil aos autos do Inquérito Policial, sendo certo que o magistrado também poderá determinar, de ofício ou a requerimento das partes, a juntada de certidão atualizada durante a instrução judicial.

O gênero do acusado é outra característica importante, porém, as altas taxas de encarceramento masculino e a subrepresentação feminina nas estatísticas criminais, fizeram

com que os estudiosos da “sentencing” não se preocupassem em promover a diferenciação entre homens e mulheres condenados.

Vanhamme e Beyens (2007) registram que geralmente as pesquisas em “sentencing” adotam uma perspectiva masculina, motivo pelo qual não são unânimes os resultados obtidos nas investigações sobre a influência do gênero sobre a decisão. De um lado, citam pesquisas estatísticas que indicam que, mesmo depois de aferir os antecedentes criminais e a gravidade do fato, as mulheres recebem um número menor de condenações à prisão e suas penas são menos longas. De outro, citam estudos que associam à relativa leveza das sentenças atribuídas às mulheres ao cometimento de crimes menos graves, aos antecedentes criminais leves ou ausentes, bem como à conduta social positiva. Ou, ainda, estudos norte-americanos que não encontraram relação entre o gênero e a pena aplicada na sentença.

Já Franklin e Fearn (2008) consideram que a pesquisa empírica sobre o efeito do gênero do ofensor no processamento dos casos e no resultado de condenação tem sido relativamente consistente. Estudos realizados descobriram que as mulheres tem maior probabilidade de serem liberadas antes do julgamento, são menos propensas a serem enviadas para a prisão e mais propensas a receber clemência nas sentenças quando são condenadas a um período de encarceramento, se comparados com a situação de acusados do sexo masculino (JEFFRIES et al., 2003).

Alguns estudos de “sentencing”, que observaram esse comportamento mais indulgente dos magistrados no julgamento de acusados do gênero feminino, explicam essa tendência pela afirmação de que as mulheres são favorecidas pelo paternalismo/cavalheirismo nos resultados da condenação (CURRY, et al., 2004).

A tese do paternalismo/cavalheirismo explica o tratamento benevolente oferecido às mulheres delinquentes pelo Sistema de Justiça Criminal a partir das visões estereotipadas das mulheres vistas pelos magistrados como maternais, passivas, fracas, dependentes da proteção dos homens. Contudo, essa indulgência indevida não se estende às mulheres que são consideradas “indignas de proteção”, como aquelas oriundas de minorias raciais e étnicas, que são sancionadas mais severamente do que mulheres brancas (BELKNAP, 2007; VISHER, 1983; YOUNG, 1986). O mesmo se aplica às mulheres vistas como problemáticas (como as economicamente desfavorecidas, beneficiárias da previdência social, desempregadas/não qualificadas) ou como menos respeitáveis (FRANKLIN e FEARN, 2008).

Segundo Gelsthorpe (apud VANHAMME e BEYENS, 2007), os juízes enquadram os acusados em duas categorias: aqueles que têm problemas e aqueles que fazem o problema. Segundo a autora, as mulheres estariam na categoria de acusados que têm problemas, por isso,

antes da punição, necessitam de ajuda. Contudo, as mulheres que se envolvem em crimes mais masculinos, crimes que estão fora do estereótipo do feminino e as mulheres que não se conformam com os tradicionais papéis do gênero feminino não são merecedoras do tratamento paternalista/cavalheiresco. Elas podem, por conseguinte, ser punidas mais severamente do que mulheres em situações similares que se conformam aos tradicionais papéis do gênero feminino ou que sejam consideradas culpadas por formas de desvio mais femininas (SMART, 2008).

Para Daly (1987), o custo social e familiar da pena também é levado em conta pelos magistrados, quando a mulher ou homem são condenados, remetendo a questão para a proteção familiar e das crianças (filhos). A autora verificou que os magistrados sentem grande dificuldade em condenar, mandar para a cadeia mulheres que são responsáveis pelo suporte financeiro da família ou pelo cuidado com outros membros (filhos ou parentes), porque estas demonstram estar comprometidas com as normas sociais e serem capazes de assumir responsabilidades. Nesse sentido os magistrados classificam as acusadas de crimes em “boas mulheres de família com filhos ou outros dependentes de seu cuidado” que são mais suscetíveis ao controle social informal e em “mulheres irresponsáveis que tem filhos, aos quais não oferecem cuidados e suporte financeiro”, mais resistentes ao controle social informal.

Uma outra explicação para o tratamento diferenciado conferido às mulheres pelo Sistema de Justiça Criminal está ancorada na teoria do conflito de gênero, que é essencialmente a aplicação geral da teoria do conflito (centrada no homem) para compreender e explicar o comportamento com um foco nas relações de poder de gênero na sociedade. Conflito de gênero sugere que as mulheres são o grupo sem poder contra o qual os homens fazem e aplicam as leis para defender seu privilégio relativo à posição subordinada das mulheres (DALY, 1989).

À luz dos pressupostos gerais da teoria do conflito, o conflito de gênero sugere que o Sistema de Justiça Criminal sancionará as mulheres que agridem homens mais severamente, porque a agressão feminina contra os homens é considerada problemática e potencialmente ameaçadora, como um resultado de diferenças de poder entre os gêneros e as desigualdades sociais que existem entre mulheres e homens. Com efeito, este comportamento pode igualmente ser interpretado como uma tentativa de dominar o grupo dominante (FRANKLIN e FEARN, 2008).

A variável classe social do acusado está relacionada à clássica discussão sociológica presente nos estudos de classe, estratificação, desigualdade social e na teoria do conflito (MARTINS, 2011).

Vanhamme e Beyens (2007) explicam que a maior representatividade de grupos sociais desfavorecidos nas prisões, fez com que os estudos de “sentencing” procurassem saber se há alguma relação entre a classe social do acusado e a probabilidade de pronúncia pelos Juízes, bem como de condenação à prisão (tese da discriminação). Grande parte destes estudos limitou-se à análise da probabilidade de prisão dos réus desempregados.

Kannegieter (apud VANHAMME e BEYENS, 2007) constatou, por exemplo, que os desempregados são frequentemente condenados à prisão, salvo nos grupos de criminosos em que a diferença entre trabalhadores e desempregados desaparece. Esta seria uma demonstração de que o custo social da punição é levado em conta pelos Juízes: a prisão é vista como uma pena mais severa para os trabalhadores do que para os desempregados. Assim, ter um emprego é um critério para uma discriminação positiva. Kannegieter conclui que, embora a posição social do acusado tenha alguma influência nas decisões judiciais, os fatores relacionados com a gravidade do crime e os antecedentes criminais têm mais peso.

Ainda no tocante às disparidade das penas em virtude da classe social do acusado, em geral, os estudos apontam que a classe interage com a raça e a etnia, de modo que os criminosos mais “problemáticos” ou aqueles que são considerados os mais ameaçadores (o “lumpen proletariado”) recebem sanções mais graves (SPOHN, 2000).

Poucos estudos investigaram em que medida a situação de emprego afeta diretamente a severidade da sanção entre criminosos condenados e os resultados produzidos são mistos. Alguns estudos têm indicado que os infratores desempregados recebem sanções mais duras do que os infratores que estão empregados (NOBILING et al., 1998; SPOHN e HOLLERAN, 2000). Neste caso, a atividade profissional pode servir como uma garantia de maiores níveis de responsabilidade, enquanto a falta de emprego pode ser percebida como preditivos de um futuro comportamento criminoso / desviante (BOX, 1987; BOX e HALE, 1985; QUINNEY, 1977). Outros, no entanto, têm descoberto que o emprego do infrator não tem efeitos estatísticos significativos na gravidade da condenação (FRANKLIN e FEARN, 2008).

A variável origem étnica recebeu grande atenção dos pesquisadores em países onde se verifica uma proporção significativa de estrangeiros e de minorias étnicas na prisão. Em países com um grande número de imigrantes, as minorias étnicas são mais facilmente associadas à alteridade cultural e à periculosidade, muitas vezes em razão do contexto social e histórico de desenvolvimento dos países de origem. Para Vanhamme e Beyens (2007), a

diferenciação dos acusados conforme a origem étnica relaciona-se intimamente com a variável classe social.

A discricionariedade na tomada de decisão formal e a presença de discriminação racial/étnica nos Tribunais é um dos temas mais polêmicos e debatidos na Justiça Criminal em geral (SPOHN, 2000). As primeiras pesquisas sobre o assunto descobriram que a raça teve pequeno impacto sobre a condenação e, como resultado, os estudiosos argumentam que a evidência empírica não apoia uma hipótese de discriminação racial (HAGAN, 1974; KLECK, 1981).

Estudos mais recentes concluíram que raça e etnia, de fato, influenciam nos resultados da tomada de decisão, desafiando as conclusões dos trabalhos empíricos anteriores (SPOHN, 2000; SPOHN e HOLLERAN, 2000). A pesquisa atual, examinando os efeitos de raça/etnia nas sentenças verifica que a combinação de raça/etnia com outros fatores extralegais (por exemplo, gênero, emprego, renda e educação) resulta em maior disparidade na sanção do que quando apenas raça/etnia são consideradas. Esses fatores extralegais interagem com raça etnia, de modo que infratores negros e hispânicos “problemáticos” são sancionados mais severamente (SPOHN e HOLLERAN, 2000). Variáveis processuais também influenciam a condição de raça/etnia, por exemplo, a prática de crime de tráfico de drogas (DEMUTH e STEFFENSMEIER, 2004) e sérios antecedentes criminais resultam em penas mais severas para infratores negros e hispânicos quando comparados aos brancos em situação semelhante. Além disso, Spohn (2000) relata que a raça do agressor e a raça da vítima interagem para produzir sentenças mais severas para os negros que vitimizam brancos.

Quanto à idade do infrator, estudos também revelaram que este elemento desempenha um papel significativo nos resultados da sentença. Por exemplo, os infratores de grupos etários com idade mais avançada são frequentemente tratados com maior indulgência do que aqueles que pertencem a grupos etários mais jovens (por exemplo, infratores com idade acima de 50 anos contra infratores com idade abaixo de 50 anos) (FRANKLIN e FEARN, 2008).

Steffensmeier et al. (1995) observam que quando a idade do infrator é dividida em categorias mais restritas, surgem relações indicando que os adolescentes tardios (18 a 20 anos de idade) recebem sentenças mais brandas do que os adultos jovens (21-29 anos), mas a clemência é semelhante com os infratores entre 30 e 39 anos de idade. Além deste ponto, a clemência continua a aumentar, para infratores com 50 anos de idade e mais velhos são conferidas mais sentenças com perdão judicial.

Acrescentamos, também, que há relativamente pouco tempo, os estudiosos passaram a considerar dentre os critérios extralegais a influência e interação das características das

vítimas, tais como sexo, raça e classe, no processamento dos casos e nos resultados da tomada de decisão condenatória (FRANKLIN e FEARN, 2008). Contudo não teceremos maiores considerações sobre este critério extralegal, pois entendemos que o mesmo não se aplica ao objeto do presente estudo. Isto porque, no Direito Penal brasileiro, o crime de tráfico de drogas é considerado um crime de perigo abstrato, ou seja, que pressupõe o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, no caso a saúde pública. Assim, não há vítima e não há que se falar na análise de tal critério no presente trabalho.

Martins (2011) ressalta que uma das dificuldades dessa variável está na dispersão das categorizações de raça/cor/etnia, conforme o contexto histórico e social do acusado. Além disso, a pertença étnica muitas vezes é declarada pelo acusado e depende da padronização da autoridade policial, o que abre margem para distorções. No Brasil, diversos estudos constataram que a população carcerária nacional é composta por uma esmagadora maioria de indivíduos não brancos (LEMGRUBER, 1983; VARGAS, 2000; SOARES e ILGENFRITZ, 2002; RIBEIRO, 2003; VOEGELI, 2003; CARVALHO, 2007; MARTINS, 2011).

Uma vez exposta a metodologia e as categorias de análise empregadas pela abordagem tradicional da “sentencing”, cumpre registrar que esta foi alvo de duras críticas. As pesquisas desta tradição foram acusadas de não alcançarem elementos capazes de definir um paradigma interpretativo do magistrado, enquanto ator em seu contexto organizacional; de limitarem a análise aos resultados das decisões cognitivas, com ênfase em decodificações do comportamento dentro de formulações matemáticas; e de promoverem o isolamento de cada variável relacionada à decisão do Juiz descontextualizando-a (PRATES FRAGA, 2008).

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