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Capítulo 4 – Nominalidade e sintagma nominal

4.4 A nominalização

4.4.3 A nominalização indireta

Já foi mostrado que as estruturas nominais podem ter núcleos lexicais em N ou em construções encaixadas com núcleos de maior ou menor nominalidade. Nas de núcleo em N, também há dois tipos, um com N deverbal, a chamada NLZ direta, e outro com N genérico, ou núcleo vazio (void head), a chamada NLZ indireta (Vossen, 1995). Cada um desses Ns nucleares tem um complemento que descreve o EstC expresso pelo núcleo, apesar de serem de tipos diferentes. De acordo com Mackenzie (1986), a designação direta com predicado verbal (ou adjetival ou não-nominal) é tarefa da NLZ direta (80), enquanto a representação do EstC por meio de um termo com todos os seus atributos cabe à NLZ indireta (81).

(80) a produção de têxteis de alta qualidade no Brasil (81) o fato de produzir têxteis de alta qualidade no Brasil

O núcleo de (80) é deverbal e relacional, um N pluriforme, e o complemento corresponde a um de seus argumentos, o Arg-2. Já o núcleo de (81) é um N genérico, não- derivado. Seu complemento é uma proposição (Ent-3) e o descreve por modificação, em semelhança à diferença de genus e differentiae da estrutura clássica das definições com N genérico (Vossen, 1995). Ao procurar possível paralelismo entre os dois, pode-se expressar o lexema PRODUÇÃO de maneira analítica para ‘ação de produzir’, com o N genérico em forma de NLZ indireta. Com base nessas reflexões, pode ser elaborada uma série inteira de formas

analíticas em torno de realidades ontológicas, na qual se inclui a proposição ‘fato de produzir’. Observa-se em (84) que não existem Ns pluriformes relacionados para todas, já que o português não possui NLZ para a expressão derivacional de temporalidade, factualidade, modo; e restrições para aquela de lugar e qualidade.

(82) ação de produzir: produção resultado de produzir: produto

agente de produzir: produtor lugar de produzir: --- momento de produzir: --- fato de produzir: --- modo de produzir: --- qualidade de produzir: 34 ---

Em referência às classes de individuação conceitual de N em 4.2.2, precisamente ao tipo dos superordenados, constata-se que a NLZ direta ‘incorpora’ a classe de N genérico em forma de sufixo derivacional e propicia a lexicalização entre base e sufixo, formando ‘NLZ unitárias’ (unitary nominalization, Mackenzie, 1985). As classes de Ação/Processo, Agente, Objeto que resulta de um evento, Propriedade etc., representadas, por exemplo, por ‘-ção’, ‘- dor’, ‘-idade’ e outros, formam unidades do nível da palavra. Categorizam os Ns pluriformes e integram-nos em grupos relativamente homogêneos, por exemplo, nos de ações, agentes, resultados, propriedades etc. – as categorias ontológicas dos tipos de entidades –, mas também em outros, convencionalizados por motivos sociais e culturais. Nos Ns pluriformes, a categoria N do núcleo sinaliza a aproximação ao protótipo de N, por ter assimilado relativamente bem o componente que designa a classe ontológica.

Já na NLZ indireta, a nominalidade está mais no constituinte todo do que somente no núcleo. Juntos ao N genérico que representa o núcleo, os complementos estruturam-se em graus variados de verbalidade, como discutidos na subseção anterior. Núcleos como o já citado ‘fato’, mas também outros Ns que expressam determinados traços semânticos gerais e permitem agrupar os constituintes analíticos em classes amplas, que exigem uma especificação. No entanto, como nem todas as classes possíveis têm um morfema próprio, ou como pode haver objetivos pragmáticos ou textuais específicos para formar uma expressão analítica, ocorre, nesses casos, a ‘nominalização indireta’. Isso confirma que a NLZ é um

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Não existe uma forma sintética para ‘qualidade de produzir’, mas, sim, para ‘qualidade de ser produtivo’ (= ‘produtividade’)

fenômeno de descrição e que, em conseqüências disso, está intrinsecamente ligada à escala entre o nominal e o verbal, já que estruturas analíticas são mais informativas. Veja alguns exemplos em (83):

(83) fato: o fato de os empregados do Banespa terem passado os últimos dias de braços cruzados (Cprop); o fato de operar fora dos limites da legislação nacional (EstC)

outros: o valor de, o foco de, as conseqüências de, a dificuldade de, o risco de, a velocidade de, a condição de, a capacidade de, a razão de etc.

Observa-se que esse tipo de NLZ é adequado para classes mais abertas e diversificadas, mas que também exigem uma especificação detalhada. Assim, há como descrever as características de fatos, de momentos, de modos, de valores etc. De acordo com Vossen (1995), alguns dos Ns genéricos que integram uma NLZ indireta – como ‘fato’, ‘idéia’ – parecem ter origem em NActi fossilizados. De fato, no protuguês pode ser constatado que os Ns nucleares indicam ora resultado (‘valor’, ‘foco’, ‘conse’üências’ etc.) ou propriedades, quando N deadjetivais (‘a alta de’, ‘a produtividade de’, ‘a rentabilidade de’, ‘a capacidade de’). Seus complementos podem ser de diversos tipos de entidades, como mostrado com ‘fato’ em (83), e são unidos à base por meio de relatores (‘de’ ou ‘que’). As formas analíticas em (82) confirmam o lugar do infinitivo, como forma relativamente nominal.

Em uma abordagem relacional, ligada a estudos da semântica lexical, identificam-se campos relacionais que expressam dependências meronímicas (Vossen, 1995). Os N nucleares formam uma espécie de elemento superordenador (hiperônimo) para agrupar diversos componentes ou membros, embora com, pelo menos, uma característica em comum: a de ser, por exemplo, ‘fato’, ‘momento’, ‘modo’, ‘valor’ de algo. Essas relações podem ser enquadradas nas relações denominadas ‘quase-paradigmáticas’ por Lyons (1977:299), ou nas ‘quase-relações’ e ‘para-relações’ de Cruse (1986).35 As últimas interessam por serem agrupamentos que expressam uma relação lexical em termos do que é esperado ou aceito, ou que é corrente social e culturalmente (relações não-lógicas). Esses paradigmas são, portanto, feitos pelo homem e pelos especialistas. Com isso, podem representar um conjunto de

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Como exemplo de quase-relações, Cruse (1986) menciona ‘talheres’, que está para garfo, faca, colher, portanto a relação de coletivos. Pseudo-relações são, para o autor, o que ele chama de ‘sinônimos cognitivos’, mencionados no capítulo 2.

elementos pertinentes para determinadas áreas e atividades, também de ontologias de áreas de especialidade. Analisar-se-á um conjunto desses da área de economia/finanças no capítulo 5.

Considerando, por um lado, os processos sintéticos, como a NLZ direta e os N pluriformes, e, por outro lado, os processos analíticos, tais como a NLZ indireta e a passagem gradual para a expressão lingüística de relações conceituais, pode-se avaliar o alcance desse fenômeno, também sob o ponto de vista funcional. O objetivo da NLZ é a redistribuição da informação contida no predicado para referência. Assim, a informação pode ser referida, comunicada e interpretada. De acordo com Mackenzie (1996), as vantagens da NLZ são (i) sintáticas, (ii) semânticas e (iii) pragmáticas e comunicativas. Em termos sintáticos (i), as expressões nominalizadas têm menor complexidade categorial e sintática e, por isso, são mais flexíveis para ocupar diversas posições sintáticas na oração, tais como Sujeito, Objeto, ou em modificadores circunstanciais. As vantagens semânticas (ii) abrangem a expressão de diferentes tipos de entidades, maior abstração e tipificação, assim como a expressão de diversas relações e conceitualizações. Das vantagens pragmáticas (iii), sobressaem a focalidade, a condensação da informação, a compressão do texto e a introdução dos participantes do discurso (Hopper & Thompson, 1984). Também são relevantes fatores como alternâncias entre nominalizações e orações completas na coesão textual, nas anáforas, na estruturação e distribuição das informações dadas e novas, assim como na variação estilística (Azpiazu, 2004).