• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 – Embasamento teórico: a Gramática Funcional do Discurso

2.4 O nível representacional (NR)

2.4.1 Marcos e formação de termos

Os elementos constitutivos do modelo gramatical são, em todos os níveis, elementos primitivos, operadores, regras de mapeamento e funções. A presença desses elementos tem como objetivo garantir a funcionalidade e a adequação em cada nível de atuação. Há marcos de ilocução, marcos pragmáticos e marcos de predicação. Os marcos de ilocução (por exemplo, DECL - declarativo, INTERROG – interrogativo, EXCL – exclamativo) parecem ser gerais para a linguagem e apenas distinguem-se em termos de codificação nas línguas, isto é, nos seus esquemas. Quando aplicados, são fixos e ‘predispõem’ a expressão lingüística para aplicação das regras de expressão dos níveis mais baixos. Também os marcos pragmáticos estão baseados em configurações gerais de distribuição de Tópico e Foco. Contêm, no seu interior, marcos de predicação, por exemplo o marco de uma oração, de um constituinte ou de um determinado lexema. Os marcos contêm lugares (slots) para serem preenchidos por itens lexicais (lexemas), sejam estes simples ou complexos e, do mesmo modo, possuem disposições para serem ajustadas por operadores, regras de mapeamento e funções. Os elementos primitivos, por exemplo, os lexemas, e as regras de mapeamento, em forma de marcos e esquemas, são parte do Fundo, enquanto operadores e funções se aplicam por meio da codificação. Para melhor ilustração, o Quadro IV apresenta a estrutura geral de camadas no interior de cada nível, com estratégias gramaticais e lexicais de modificação e atualização (Hengeveld & Mackenzie, 2006).

QUADRO IV:ESTRUTURA GERAL DE CAMADAS

(π αi: [núcleo (complexo)] (αi): σ (αi))φ

π = operador: é uma estratégia gramatical não-relacional, expressa, por exemplo, por categorias gramaticais;

α = variável geral da camada: está para os diversos tipos de entidades, por exemplo, x, e, p, mas também f;

σ = modificador: é uma estratégia lexical, por exemplo, por ADJ e ADV, ou por locuções;

φ = função: é uma estratégia gramatical relacional, abstrata, por exemplo, as funções pragmáticas, semânticas, sintáticas, mas também as funções interpessoais de adscrição e referenciação e as de núcleo e modificador.

Com essa estrutura geral e as especificações dadas ainda gerais e não-ordenadas, é possível representar as categorias semânticas que se atualizam em expressões lingüísticas. A base semântica da F(D)G é plenamente justificada pelo fato de que tanto os núcleos, em forma de lexemas, quanto a predicação, que envolve operadores e entidades, contribuem para o valor semântico da expressão lingüística. O Quadro V exemplifica uma representação semântica (simplificada) de uma oração com as posições de núcleo e modificação preenchida por lexemas.

QUADRO V:EXEMPLO DE REPRESENTAÇÃO SEMÂNTICA

‘As exportações brasileiras cresceram consideravelmente.’

(π fi: CRESCERV (fi): (fj: CONSIDERÁVEL- ADV (fj)) (fi)) (ω xi: (fk: EXPORTAÇÃON(fk)) (xi): (fl: BRASILEIRA-ADJ (fl)) (xi))Ag

ω = operador de sintagma, por exemplo, de Definitude e de SG-PL, está para o artigo ‘as’;

π = operador de predicação, por exemplo, para expressão de Tempo, Aspecto e Modo, está para as categorias gramaticais que se aplicam no V;

i, j, k, l = co-indexação para a aplicação da variável f; são subscritos; Ag = função semântica Agente

V, ADV, N, ADJ = as categorias lexicais como parte dos lexemas, subscritos.

A representação inclui os lexemas CRESCER, CONSIDERÁVEL, EXPORTAÇÃO, BRASILEIRA, convencionalizados na representação e marcados com a categoria lexical.13 Onde há regras produtivas, como a formação em ‘-mente’, que se origina na função de modificador de um núcleo verbal ou não-nominal, ou a concordância no sintagma nominal, devido à

13

Entre as convenções também está a representação dos lexemas em caixa alta tamanho 10, como ‘quase- primitivos’, quando são inseridos no NR. De fato, a desinência de concordância no ADJ indica uma palavra- ocorrência no português. No entanto, não se tomou uma posição rígida a respeito, já que o isolamento da base (por exemplo, ‘brasileiro-‘) trunca o lexema e dificulta a compreensão. No inglês, não há esse problema. A mudança categorial no ADV CONSIDERAVELMENTE possibilita a clara distinção entre as formas de ADJ e ADV.

função de modificador do ADJ de um núcleo nominal, são os operadores que se encarregam da codificação de categorias gramaticais e de funções, de acordo com seus escopos.

Assume-se, na FDG, que os lexemas ocorrem, no Fundo, separados dos marcos de predicação ou marcos representacionais (acepções ou meaning definitions) e que os subatos de adscrição ou referenciação determinam a seleção dos elementos primitivos adequados para serem aplicados, isto é, determinam a seleção dos lexemas na expressão lingüística. No Fundo encontram-se, portanto, os lexemas, por exemplo, CRESCER, CONSIDERÁVEL, EXPORTAÇÃO, BRASILEIRA, que assumem sua forma final, como palavra-ocorrência, após a aplicação de marcos, operadores e funções. Desta forma, os marcos, são selecionados simultaneamente com os lexemas e elaborados e preenchidos progressivamente até sua atualização lingüística completa no componente de saída, conforme o sistema da língua. A aplicação de marcos representacionais visa a reduzir o ‘trabalho’ das regras de formação e restituir ao léxico sua função de fornecedor de elementos prontos para serem usados na expressão lingüística Portanto, o postulado de marcos prontos, tanto de ilocução quanto representacionais, está bem adequado ao modelo dinâmico da FDG e aumenta sua adequação tipológica, pragmática e psicológica. Em relação à atuação das funções, deve ser feita referência a Hengeveld (2004b), que afirma que as funções fazem parte, em todos os níveis, dos marcos. Nos marcos pragmáticos já estão incluídas as funções pragmáticas, nos marcos semânticos, as funções semânticas etc. Quanto ao comportamento funcional como lexema, remete-se à próxima seção.

Os elementos pré-formados (marcos e esquemas) e a ordem hierárquica de aplicação das regras de mapeamento permitem não só a produção mais efetiva, mas também esclarecem alguns fenômenos intrigantes da interação verbal e da tipologia da(s) linguagem(ns). Além das perspectivas para um estudo funcionalista de texto, o postulado do marco representacional, e dos marcos em geral, também permite um tratamento apropriado do fenômeno de variação intralingüística. Possibilita a abordagem adequada das diferenças lexicais e formais em função de fatores situacionais, de registro, de especialização, de fatores regionais, históricos, entre outros (Faulstich, 2002), sem precisar insistir em processos cognitivos demorados e processos lingüísticos completamente diferentes para cada forma variante. Como os marcos são abstratos e só se atualizam com a inserção de lexemas e a aplicação de operadores, a variação se dá espontaneamente na atualização, uma vez que o complexo processo de elaboração de uma expressão lingüística se apóia em um conjunto de

fatores de influência. Ora são os lexemas inseridos nos marcos, ora são determinados operadores ou combinações de operadores e esquemas que explicam as formas variantes. Com isso, remete-se à discussção de esquemas morfossintáticos e operadores na próxima seção.