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Capítulo 4 – Nominalidade e sintagma nominal

4.4 A nominalização

4.4.4 Produtividade da NLZ

A NLZ, como fenômeno de descrição, é um dos recursos produtivos da língua portuguesa, tanto nas derivações dos N pluriformes, quanto nas formações analíticas com N genéricos. É um dos dispositivos básicos de formação de palavras (Bauer, 2004; Basílio, 2004), mas também sustenta a predicação nominal e direciona o rearranjo argumental da oração, o que se reflete nas funções núcleo e modificador. A sistematicidade de alguns processos está, primeiramente, vinculada a regras de formação e à disponibilidade de formantes na língua. Em segundo lugar, já foi demonstrado que a produtividade depende de maior predicabilidade, ou, visto em termos de graus descritivos entre nominal e verbal, de maior verbalidade. Assim, as formas de base verbal, quando preservam a sintaxe interna, são mais determinadas por fatores sintáticos do que lexicais.

Os NActi, por exemplo, são menos produtivos porque têm menos sintaxe interna, isto é, não mantêm a estrutura argumental e assimilam a sintaxe externa de N prototípica com maior facilidade, enquanto os NAct e as formas com infinitivos tendem a ser dominados pela sintaxe interna, verbal. Também no caso dos ADJs deverbais, já foi mencionado que, como ADJ, as formas em ‘-do’, ‘-vel’ e ‘-dor’ geralmente exigem os complementos ditados pela valência, mas, como N, tendem a ser avalentes (4.4.2). Em resumo, prevalecem as estruturas e formas analíticas antes das NLZ unitárias, lexicalizadas, uma vez que estas últimas se lexicalizam com facilidade (Mackenzie, 1996). Por isso, os Ns lexicais para expressar Ent-2 e ordens mais altas não são completamente produtivas, e muitas ocorrências exigem interpretação de NLZ de resultado, apesar de terem a mesma forma de NLZ de ação. Veja os exemplos em (84) e (85).

(84) “Na atividade da editora, a receita cresceu 33% no ano, por conta da incorporação da Editora Atual, adquirida em 1998. Na operação da livraria, as vendas brutas cresceram 27% no ano. Isso devido ao aumento das vendas pela internet e ao maior número de lojas”, explica. (VE-26-10)

(85) Segundo ele, estas normas são necessárias mesmo no período atual, considerado como de testes - ou 'operação assistida', como se diz no MAE - e que, a princípio, será concluído em dezembro. (GM-01-11)

Note que a interpretação de ‘operação’, em (84), apesar do NAct introdutório ‘atividade’ no episódio e da ação ‘aumento das vendas pela internet’, não é bem de ação, mas, sim, de resultado, como conseqüência de outras atividades e processos envolvidos neste (‘vendas’, ‘aumento’), e por falta de Arg-2.

Um outro argumento para afirmar que a NLZ unitária é relativamente restrita consiste no fato de que há poucos morfemas produtivos para nominalizar predicados verbais (Bauer, 2004). Um levantamento das formas nos dados mostra que as inovações não são muitas e partem principalmente de formas verbais em ‘-izar’ e ‘-bilizar’ para N como ‘-ização’ e ‘- bilização’ (‘dolarização’, ‘verticalização’, ‘terceirização’, ‘rentabilização’, entre outros). Também há inovações pela NLZ em ‘-ção’ e seu ADJ relacional derivado em ‘-al’ ou ‘- cional’, que formam Vs incoativos com ‘-alizar’ ou ‘-cionalizar’, para depois nominalizá-los. Algumas poucas cadeias produtivas incluem ADJs em ‘-do’, ‘-vel’, ‘-dor’, ‘-nte’ ou ‘-ivo’. No entanto, essas formas tornaram-se parte de áreas mais especializadas, entre outros, de procedimentos fundamentais da economia (86):

(86) operação assistida, valor agregado; renda variável; serviços de telefonia entrantes e saintes; tomador, investidor etc.

Um grupo desses sufixos, assim como alguns morfemas nominais, fazem parte das terminologias internacionais e facilitam intercâmbio e tradução de termos. Constituem, para Correia (2004) e Gutièrrez Rodilla (1998), os chamados ‘sufixos internacionais’ da terminologia. Embora produtivo, é um grupo restrito, correspondendo a ‘-ção’, ‘-mento’, ‘- idade’, ‘-bilidade’, ‘-ário’, ‘-ivo’, ‘-al’, ‘-izar’, ‘-bilizar’, assim como a designações para o agente (‘-ista’, ‘-logo’) e áreas de conhecimento e atuação (‘logia’, ‘-ica’, ‘-ismo’). Porém, além de poucos morfemas disponíveis e da facilidade de lexicalização, há ainda o fato de que a NLZ produtiva, tanto a direta quanto a indireta, é uma estratégia lingüística rara e marcada na língua coloquial. É mais freqüente na linguagem formal e escrita, por exemplo, em administração, economia, política, e também em determinados discursos, como no discurso jornalístico, no discurso oficial, político ou acadêmico (Azpiazu, 2004; Glušak, 2001). Do mesmo modo, a mencionada alternância entre predicados verbais e nominais – como nos exemplos (17), (81) e (82), ou a existente entre Ns comuns e superordenados em 4.2 – está condicionada à ocorrência no texto e às relações pragmáticas e textuais estabelecidas. Com tudo isso, não parece justificado afirmar que a NLZ, como um todo, seja de produtividade ampla e geral, mas antes é parte de um processo lingüístico mais amplo, a chamada predicação nominal, que ocorre em determinadas circunstâncias.

Por fim, reitera-se a discussão sobre a função e o alcance da NLZ, a saber, que unidades lingüísticas complexas de núcleo e modificadores estão envolvidas no processo, e não apenas palavras. Esse fato estende os processos produtivos a estruturas inteiras, com unidades lingüísticas complexas, e não os limita somente àquelas formas derivacionais que marcam a superordenação nas palavras nucleares, ou às NLZ unitárias tradicionalmente tratadas nas abordagens estruturalistas e formalistas. Isso leva Azpiazu (2004) a concluir que são quatro as estratégias de NLZ e expressão de predicação nominal línguas indo-européias:

i) a composição nominal;

ii) a predicação nominal substantiva (PNSs); iii) as perífrases verbo-nominais (PVNs); iv) a frase nominal.

A estratégia de composição nominal não é tão recorrente no português (Alves, 2004) e não foi considerada para a presente tese. O fenômeno de ii) enquadra-se nos N deverbais e nos graus de NLZ, assim como nos nominais menos prototípicos – os de função substantiva, adjetiva e adverbial, que foram tratados nas subseções anteriores. Restam ainda as perífrases verbo-nominais, em iii), a serem discutidas a seguir, e a frase nominal (iv). Quanto às frases nominais, são definidos, de acordo com Azpiazu (2004:225) como orações indepedentes nas quais participa nenhuma forma verbal finita. Porém, como são expressões referenciais sem núcleo prototípico em N, podem ser funcionalmente dependentes como um todo e possuir função modificadora. Interessam por causa dos processos de predicação não-verbal e das conseqüências estruturais no interior de sintagmas, orações e trechos textuais inteiros. Serão examinadas nos capítulos 5 e 6 para mostrar que é a mudança categorial – em particular, a predicação nominal e a NLZ – que, de uma ou outra maneira, ativa todos esses recursos e, por conseguinte, envolve diversas categorias lexicais.