• Nenhum resultado encontrado

Mapeamento lexical e categorial na LEsp da economia

Capítulo 3 – Categorização lexical e classes de palavras

3.5 Classes de palavras predicativas e mapeamento na LEsp da economia

3.5.2 Mapeamento lexical e categorial na LEsp da economia

Supõe-se que o exame da distribuição de PdD na área de análise leve à compreensão das relações entre predicabilidade, categorização e funções gramaticais, mas também forneça informações sobre possíveis fundamentos ontológicos da àrea ‘economia’ e sobre como estes são expressos lingüisticamente. A perspectiva de analisar UTs de uma AE a partir de categorias predicativas não é muito comum, embora haja tentativas e observações pertinentes em relação a isso (Sager, 1990; Rastier et al., 2002; L´Homme, 2004; Cabré, Estopá & Lorente, 1998; Bevilacqua, 2004). Para tanto, é preciso não sobrevalorizar a expressão de conceitos em forma lexical e, nesse caso, da categoria N, uma vez que o estabelecimento típico de relações por meio da predicação nem sempre se mostra pelos conceitos em N. A tentativa de considerar núcleos de caráter relacional, ou eventivo, como feito pela hipótese categorial (Cabré, Estopá & Lorente, 1998), inclui Ns deverbais, além de verbos e particípios e suas características nas AE (Lorente, 2002; L´Homme, 2004). Todavia, esses esforços são mais produtivos ainda quando vinculados a abordagens funcionalistas abrangentes e quando a predicabilidade dos núcleos relacionais é vista como produtiva e modificadora de expressões complexas.

De acordo com a discussão em 1.3, o léxico, por ser constituído de unidades discretas, permite sistematização e mapeamento das unidades lexicais em um espaço de conhecimento contínuo (Sager, 1990, referindo-se à referenciação). Contudo, não há perfeita identidade entre palavras e os conceitos expressos por elas, pois também contam relações, esquemas e construções, assim como categorias lexicais que se estruturam funcionalmente. A proposta de

Rastier (Rastier et al., 2002) de levantar relações conceituais por meio de ‘classes lexicais’, por exemplo, é um importante passo em direção à análise sistemática do inventário lexical de uma LEsp. O autor considera as classes de i) dimensões, ii) áreas (domains), iii) campos semânticos e iv) taxemas, quando estas classes são expressas por unidades lexicais.

As classes mais genéricas, e também menos numerosas, para diferenciar áreas semânticas são as ‘dimensões’ (i). As áreas (ii), mais freqüentes do que as dimensões, são definidas como “classes de significado mais genérico, que estão relacionadas a práticas sociais” (Rastier et al., 2002:120). Aplicam-se a subáreas de uma área de conhecimento mais geral, que são estabelecidas de forma epistemológica, e se diferenciam em diversos aspectos. As áreas são constituídas por (diversos) taxemas (iv), os quais, por sua vez, integram campos semânticos, ou seja, conjuntos estruturados de taxemas (iii). Os taxemas são definidos como unidades de classes semânticas mínimas de um mesmo campo semântico, para representar relações que podem ser estabelecidas entre diversos componentes de um mesmo campo (por exemplo, ‘operações financeiras’), sem, no entanto, possuírem relações estruturais rigorosas entre eles. Nos exemplos de classes lexicais da AE da economia com seus lexemas (16), ECONOMIA está para a área de saber; INVESTIMENTO para prática social; APLICAÇÕES FINANCEIRAS como exemplo de campo geral da área, caracterizado por um conjunto de atividades; e conceitos, ou tipos, que participam do campo, para taxemas.

(16) i) dimensão: economia ii) área: investimento

iii) campo semântico: aplicações financeiras iv) taxemas: títulos, ações, fundos, papéis etc.

As classes servem de proposta para estabelecer uma organização taxonômica, mostrando que não só as noções de ‘dimensão’ e ‘área’ são relevantes pelas suas características genéricas, mas também que ‘campo semântico’ e ‘taxema’ representam unidades interessantes para organizar a realidade de uma AE. Desta forma, reconhecem-se campos semânticos nos conceitos ‘coletivos’ de Temmerman (2000) e taxemas na maioria das expressões que habitualmente são dadas como UT de uma área. Uma das vantagens é que essa classificação permite maior flexibilidade no estabelecimento de relações, sem desconsiderar uma eventual estrutura hierárquica e sem insistir em rígidas redes conceituais, uma vez que estas são muito raras na AE da economia.

Há, porém, alguns problemas e insuficiências. Em primeiro lugar, nota-se que só são contemplados lexemas de categoria N, embora haja presença de entidades de diferentes ordens, por exemplo atividades, propriedades em ‘campos semânticos’. Estas são, no entanto, dadas em forma de N e visam abarcá-los mais como designações do que como relações. Em segundo lugar, essa estruturação aceitaria mais subdivisões, possivelmente ‘subáreas’ e ‘subtaxemas’, já que várias unidades lexicais relacionadas à área não se encaixam. Em terceiro lugar, pode-se supor que a predicabilidade lingüística não permita a expressão de determinadas entidades e realidades em forma de N, portanto, que deva haver lacunas lexicais nessas classes. Por outro lado, não haveria como preencher as lacunas por expressões analíticas ou que envolvem classes categoriais além de N. Fora disso, há pouco lugar para UTs complexas e expressões lingüísticas com estruturas de modificação, como ‘títulos de renda fixa’, ‘papéis pré-fixados’, ‘fundos off-shore’ etc., fato que dificulta mostrar o papel dos processos morfossintáticos produtivos que indicam as possibilidades de predicação e de variação lingüística e que confirmam que a categorização é uma questão intrinsicamente lingüística.

Embora as relações mencionadas anteriormente sejam relevantes também, seguem-se, para os propósitos do presente trabalho, caminhos metodológicos que permitam a análise da dimensão lingüística, com explicações semânticas e funcionais de formação e variação e das suas conseqüências. Interessam, por um lado, o que Sager (1990) chamou de ‘conceitos funcionais’, como aqueles que expressam atividades, propriedades e relações e, eventualmente, objetos. Por outro lado, há expressões lingüísticas que se agrupam em campos lexicais, cujo lexema de base é predicativo. A partir de um lexema da área de especialidade, a metodologia semasiológica ajuda a detectar as palavras-ocorrências em diferentes PdD que expressam um conteúdo relevante da área, e a metodologia onomasiológica ajuda a verificar a atualização dos conceitos nas suas funções. Isso possibilita o levantamento das ocorrências em categorias lexicais e a distinção entre categorias lexicais e categorias gramaticais.

Assim, o Quadro XIX confirma que as categorias lexicais V e N são as mais propícias para codificar conceitos já que V e N desempenham função de núcleo e por esta ser hierarquicamente mais alta do que a de modificador. Além disso, representa o V a predicabilidade típica e o N a referencialidade típica. A ênfase na predicação explica a categoria lexical V como ponto de partida. O ADJ e, particularmente, o ADV tendem menos a expressar conceitos predicativos relacionais, já que são predominantemente modificadores e,

com isso, mais acrescentam propriedades novas aos seus núcleos do que mantêm as já introduzidas – embora a expressão de conceitos especializados não esteja excluída. Observa- se no quadro que foram consideradas formas prototípicas como representantes das categorias. O quadro comprova que, se não forem consideradas as marcas flexionais no V, há mais variedade nas palavras-ocorrência em N do que em outras.

QUADRO XIX:EXEMPLO DE MAPEAMENTO CATEGORIAL DE ALGUNS LEXEMAS DA ECONOMIA

Verbo Nome Adjetivo Advérbio

- alta alto alto / altamente

CRESCER crescimento crescido

crescente crescentemente FINANCIAR Finanças e Investimentos financiamento financista financiador financiado financeiro - financeiramente LANÇAR lançamento lance lançador lançado - PRODUZIR produção produto produtor produtividade produzido produtivo - produtivamente

A categoria N expressa várias ordens de entidades e apresenta maior expressão de palavras-ocorrências do que as de ADJ e ADV. Incluem-se ações, processos, agentes, resultados, propriedades. Essa flexibilidade conceitual da categoria N certamente facilitou a tradicional ênfase na nominalidade das terminologias. Em forma de N, ocorrem Ent-1 como Finanças e Investimentos, financiador, lance, produto, e Ent-2, como financiamento, lançamento, produção. Também há nominalizações a partir de ADJ, chamados hipóstases de qualidades (Mackenzie, 2004, Lyons, 1977), como em produtivo – produtividade.21 Outro fator que reduz a facilidade de expressão do mesmo conteúdo semântico de base por meio de ADJ ou ADV é que essas formas são freqüentemente mais lexicalizadas, como os particípios adjetivais da coluna ‘ADJ’. É também possível que os modificadores em ADJ e ADV tenham

21

Inspirado em Halliday (1985), Mackenzie (2004) usa o termo ‘hipóstase’ em relação à metáfora gramatical, em que um termo não-nominal é ‘reificado’ (vergegenständlicht) quando em forma de N. Mackenzie aplica esse conceito para expressões de qualidades que são tratadas como se fossem entidades de primeira ordem.

sido lexicalizados em combinação com seu núcleo, por exemplo alto, crescido e ocorrências com altamente, e seu significado já se tenha afastado do lexema de origem. Devido aos processos derivacionais de mudança categorial, muitas formas de N e aquelas em função de modificação (ADJ e ADV) são morfologicamente mais complexas.

O mapeamento apresentado condiz com a predicabilidade lingüística dos conceitos de base e testa a sua abrangência. Atividades pontuais, como LANÇAR, não formam ADJs nem ADVs com facilidade, pois não demonstram nenhuma relação com propriedades ou modos. O oposto é igualmente válido: propriedades como ALTO dificilmente formam Vs com uso na AE, mas formam estados (‘alta’). Outros lexemas, por exemplo CRESCER, FINANCIAR e PRODUZIR são bases para ADJs deverbais, ainda que por meio de morfemas derivacionais próprios. Ver-se-á que, para que o lexema seja incorporado a categorias lexicais que designam propriedades (ADJ), é necessário que haja qualificação. Para chegar a ADV, há o requisito de o modificador ora expressar modo, ora perspectiva, ora âmbito (capítulos 5 e 6).