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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

5.5 A observação de práticas e participação dos bebês

Figura 9 – A contação de histórias

Fonte: acervo pessoal.

Colomer (2016) faz excelentes sugestões quanto à seleção dos primeiros livros para os bebês.

[...] são pequenos, com páginas grossas e quinas arredondadas. Utilizam muitos materiais diferentes do papel, como o tecido, o plástico para as bordas ou a incorporação de pequenos detalhes com texturas para o tato. Oferecem interações de todo tipo: linguetas, dobraduras, abas, etc. As imagens são bem definidas, de contornos nítidos e contrastadas sobre fundos claros e grandes espaços em branco; aparecem poucas personagens; tratam de situações cotidianas que podem ser familiares às crianças; se há texto, ele é curto e faz muito uso das rimas, das repetições de frases e fórmulas, além de pequenos diálogos. À medida que as crianças crescem, os contos vão ficando mais longos e complexos em todos os seus elementos (narrador, personagens, trama, tipo de desfecho, ilustração, etc.) (COLOMER, 2016. p. 104). Observamos que os bebês gostavam muito dos livros de histórias, sempre estavam à procura deles, embora sua variedade fosse pequena. Podemos dizer que eram leitores ávidos,

elemento também constatado na pesquisa de Silva (2017), quando esta pesquisadora aponta que os bebês sujeitos de sua pesquisa demonstravam verdadeiro fascínio por livros. Comparado com nossa pesquisa, as reações apresentadas pelos bebês são bem semelhantes, como ofertá- los a quem chega, folheá-los, e explorá-los.

Um fato que nos chamou a atenção na entrevista narrativa foi o relato da professora Utopia, ao afirmar que os bebês não gostavam de ouvir histórias, e justificou dizendo que o maior interesse das crianças era por questões matemáticas. No entanto, o que constatamos foi o contrário, ao observar os momentos de contação e exploração livre com o livro e outros portadores, como pode ser visto a partir dos registros abaixo:

Figura 10 – Contação de histórias com as professoras Utopia e Glaucinha

Fonte: acervo pessoal.

Figura 11 – Momentos de deleite

No momento da entrevista da professora Utopia, ao descrever que suas crianças não gostavam de ouvir histórias e de livros, questionamos a mesma afirmando que tínhamos observado o contrário, mostramos as fotos para que ela pudesse conferir. Dissemos que a leitura que fizemos dos bebês é que eles demonstravam comportamentos leitores, e em uma das contações havia um dos bebês que corria em volta da roda de história, realizando todos os movimentos dos animais que eram narrados nesse momento, o que demonstrou que, embora ele não estivesse sentado, estava atento à história, compreendendo o que se passava no enredo, pois repetia o que estava sendo narrado. Também questionamos sobre uma das crianças que parecia demonstrar interesse pela escrita, pois sempre que estávamos em sala, ele pedia papel e caneta ou lápis para realizar seus registros gráficos, como veremos detalhadamente adiante.

E é incrível essa questão da linguagem, é muito engraçado, por exemplo, eles não gostam de livros. De ler, de participar de histórias. Eles não gostam, por mais que eu faça qualquer negócio! Às eu penso, ah! deve ser a forma que estou ofertando, vou ofertar de outra forma! não querem. Mas nas questões matemáticas, é incrível. Eles são muito espertos, quanto essas questões matemáticas (Professora Utopia).

Após confrontarmos o que havíamos observado e suas impressões, a professora ficou um tempo pensativa, percebemos certo desconforto em seu rosto. A professora disse que realmente não tinha pensado sobre isso antes, tinha observado apenas o interesse das crianças por questões ligadas à matemática. Ao ser confrontado seu ponto de vista com o nosso, a respondeu: “Eu tenho duas que tem um interesse muito forte neles pela matemática, eu ainda não tinha visto tanto assim da escrita, não sei... (Professora Utopia)”.

De acordo com o exposto, notamos o quanto um segundo olhar, que ajude o professor a enxergar o que muitas vezes a dinâmica do dia a dia não permite, se faz necessário. O CP tem um papel valoroso nesse processo de confronto, reflexão e trocas que podem se dá entre ele e a professora. No entanto, para que isso ocorra é preciso que o CP esteja em sala de referência não como avaliador, mas como um colaborador do professor, a fim de que suas ações sejam potencializadoras do desenvolvimento dos bebês.

Estar em alguns momentos em sala é também uma função do CP, enquanto formador no contexto do CEI, mas percebemos ainda certa resistência na efetivação dessa função. Na entrevista com a CP ela nos relatou que passava nas salas quando as professoras não estavam, fotografava e em outro momento mostrava a imagem a professora e refletiam sobre o que aquela sala demonstrava, com a disposição das mobílias, brinquedos, produções das crianças.

Acreditamos ser muito importante essa estratégia utilizada pela CP, porém é também necessário que ela esteja em sala junto ao professor e os bebês para ajudar a professora a desvelar o que às vezes não está explícito nas relações professora-bebês e entre os bebês e demais interações que nesse ambiente ocorrem. Há momentos das entrevistas que tanto a professora Utopia quanto a Glaucinha relatam que a CP passava nas salas, mas de forma breve e que elas percebiam que havia certo olhar para o que estava acontecendo, segundo narrativa das professoras e da própria CP. Assim ela descreve como entrava nas salas e fazia suas observações:

[...] E aí na prática o que eu fiz é tentar enxergar o que a professora não consegue enxergar, então eu passava nas salas fui vendo que estava acontecendo e fui fotografando sem entrar no espaço, eu vi, por exemplo, uma coisa interessante sem entrar no espaço, sem entrar em sala, que eu fiz, eu sempre circulo muito, faz parte da minha rotina, de tá na escola, por exemplo, a gente tá aqui tem duas crianças rodando o pneu, então aquela professora não tá vendo, é um momento que ela tava se deslocando E aí elas estão explorando aquele material, eu vi fotografo no momento de exploração e invenção daquela criança e trouxe dentro do que eu estou lendo algo para se dar para professora. Então, olha só o que você acha que tá acontecendo aqui e trazer um pensamento do Paulo, foque. Ou de Loris Malaguzzi, ou da própria Formosinha, e dizia o que que tá acontecendo aqui, o que você consegue perceber? E aí trazia, então, a frase em outro momento, postava, mostrar a foto de novo para elas no Zap e dizer “o que que você acha que tá acontecendo aqui?”, e aí quando a gente fazia nossos encontros, os que são individuais ou que são de formação ou mesmo no corredor (CP).

[...] foi mostrando essas fotos, essas filmagens, para ela que as fizeram refletir onde elas poderiam ir, que caminho que era... um caminho que poderia não está explícito ali, mas que conforme a reflexão ia surgir em um pensar sobre “Ai, ai, mas eu não tava na sala”, “Ah, eu não vi isso, perdi esse momento”. E eu dizia: “Não, você não perdeu, porque aqui está”. E aí eu disse: “Então, vamos lá!”. E aí, era quando elas estavam sozinhas ou quando a assistente estava só; e aí era quando eu chegava, a professora estava fazendo um trabalho e eu chegava para dar o recado e eu via. E aí eu puxava o celular, eu filmava... depois trazer uma reflexão. Também a gente queria que isso contribuísse além do planejamento, isso também contribuísse para a escrita do relatório, né?! (CP).

De acordo com a descrição acima, percebemos que a CP vem construindo com alternativas de acompanhamento aos professores, no entanto, pensamos que os acompanhamentos às salas de referência poderiam ser mais bem planejados entre CP e professoras, a fim de uma maior apreensão das aquisições que envolvem os bebês, e não apenas para ajudar no planejamento ou escrita de relatórios semestrais para apresentação aos pais, no entanto, compreendemos que esse processo está envolvido, contudo não é exclusivo.

A esse respeito, Imbernón (2010) assevera que a maior parte dos professores recebe pouco retorno sobre sua atuação em sala de aula, e em alguns momentos manifestam a

necessidade de saber como está enfrentando a prática diária para aprender sobre a mesma. Desse modo, “[...] a reflexão individual sobre a própria prática pode melhorar com a observação de outros, sobretudo porque a docência ainda é uma profissão isolada” (IMBERNÓN, 2010, p. 32).

Entendemos que este movimento do CP junto aos professores que favorece a criação de um espaço para gerar um conhecimento específico de atuação com e para os bebês que contribua à formação docente no CEI é elemento indispensável quando se pensa em práticas voltadas a essa faixa etária, principalmente devido as suas especificidades.

Retomando o prazer que as crianças sentiam na exploração dos livros, de acordo com Ramos (2012), o contato com este material conduz os bebês ao desenvolvimento de muitas possibilidades de leitura, de hábitos de exploração, embora elas ainda não leiam convencionalmente. E lembra que esses momentos não precisam estar reservados durante apenas alguns momentos da rotina, mas também em locais aconchegantes na sala para que as crianças possam manipulá-los com seus parceiros ou individualmente.

Nesse mesmo sentido, López (2016) destaca que o livro entrega, além da riqueza estética, a possibilidade de elaborar fenômenos subjetivos; ajuda a confiar na própria “continuidade do ser”, ou seja, que somos nós mesmos o tempo todo, em diversos lugares; algo de que como adultos já nem nos lembramos, mas que é sumamente inquietante na vida dos bebês.

Afirma a autora que os livros são enormes estímulos para a vivência afetiva. É um elo de união entre a criança e um adulto, envolvê-la em uma manta protetora comum, feita de ficções, palavras, tempos compartilhados e, portanto, garantidores.

Assim, López (2016) afirma que são importantes e transcendentes essas primeiras aproximações dos bebês com os livros, tantas vezes quanto eles peçam, sem ordem de páginas; muitas vezes livros-brinquedos, que são lambidos, sacudidos, lidos, amados e interiorizados.

Uma das crianças demostrava grande interesse pela escrita e todas as vezes que estávamos na sala de referência e sentava ao nosso lado pedia o lápis, a caneta ou o papel que tivéssemos na mão solicitando a escrita do seu nome, da professora, dos seus colegas e outras palavras da história lida. O excerto abaixo do diário de campo descreve um desses momentos:

No intervalo da professora Utopia, a auxiliar estava só com os bebês. É sempre um momento muito delicado para dar conta das necessidades de todas as crianças, mas percebemos que ela consegue conversar com todos, a partir da solicitação dos bebês. Nesse momento ENZO, meu companheiro de todos os dias, se aproxima de mim e mostra vários chapéus. Põe na cabeça o da bruxa e diz fazendo o gesto de mexer um caldeirão com as mãos:

ENZO: __ Mexe...mexe...mexe!

Pergunto a ENZO: __É assim que a bruxa faz com seu caldeirão?

ENZO responde que sim com a cabeça. Enzo fala poucas palavras e suas frases são constituídas de duas ou três palavras. Quando se comunica conosco olha nos nossos olhos e fala pausadamente, com esforço ao pronunciar as palavras, mas parece ser uma estratégia utilizada por ele, numa tentativa de ser compreensível. Imediatamente ao perceber que estou a tomar nota de tudo ele diz apontando para o bloco em que eu escrevia: BRUXA!

Pesquisadora: Você quer que eu escreva a palavra BRUXA onde? E me mostrou. Escrevi BRUXA. Em seguida continuou pedindo para que eu escrevesse o nome de sua professora que pronunciou com certa dificuldade, mas compreensível. Foi citando nome de seus colegas, e a essa altura eu já conhecia o nome de todos, e à medida que ele apontava com o dedo na folha eu os escrevia. Quando terminei a escrita dos nomes ele mesmo pegou a lapiseira e o meu bloco, então entendi que ele queria escrever e lhe dei. Depois de alguns minutos solicitei a Auxiliar folhas e lápis para que ENZO satisfizesse sua necessidade naquele momento (Diário de campo, em 06/10/18).

Figura 12 – O companheiro de pesquisa

Fonte: acervo pessoal.

Desde então, os dias que estivemos em sala, ENZO estava ao nosso lado também, realizando seus registros gráficos.

Em um desses dias quando lhe entreguei folha e lápis e ENZO sentou no chão ao meu lado, pegou o lápis e agora tinha uma situação problema a resolver, posicionar o lápis de forma confortável para que ele pudesse escrever, como demostra as cenas abaixo:

Figura 13 – Cena: a experiência de registro

Fonte: acervo pessoal.

Acreditamos que apesar de sua professora descrever que as crianças não tinham tanto interesse por contação de história e pela escrita - e esse era um questionamento que ela mesma se fazia, do por que as crianças não gostavam, se o problema era a forma dela contar - supomos que esta deveria ser uma prática recorrente na sala de atividades, pois as crianças possuíam comportamentos de exploração do livro que só poderiam ser advindos de um contexto

de muita manipulação, contação e contato com este recurso. A narrativa abaixo, da mesma professora sobre uma crítica tecida à falta de livros apropriados aos bebês nos CEIs, dá visibilidade ao nosso argumento:

[...] então quando chega livro do Infantil I! Eu: “Ai, meu Deus, porque é livro desse papelzinho aqui?” Eles rasgam! hoje não, eles já conseguem folhear livro desse papel tradicional né?!, mas no começo não dá pra fazer isso, é impossível, porque eles não têm esse cultivo do hábito em casa com a família, as famílias não cultivam o hábito. Você conta poucas famílias que têm o hábito de brincar, que tenham o hábito de escutar o filho. Você conta nos dedos. Elas vão aprender na medida em que eu também vou trazendo as respostas para ela de como dar certo; tipo hoje, como tá finalizando o ano não, mas até final de novembro eles levam muito para casa. As primeiras vezes que eles levaram teve uma mãe que disse: “Eu não vou levar livro para casa, porque meu filho rasga o livro!” Mas se você não oferta... Aí eu digo: “Leve, vá tentando, vá lendo com ele, vai mostrando como é” Mostrei uma filmagem dele folheando um livro, sem rasgar, e ela ficou impressionada; e hoje ele já tem esse hábito, o desejo da escrita, porque a gente foi cultivando esse hábito com a família, ali mesmo, a mãe muito resistente, mas foi. Eu tenho uma mãe que batia na criança o tempo todo, e eu dizia: “Deixa ele riscar, dá uma parede só pra ele.” Aí hoje a criança não risca mais nenhuma parede de casa, e ela disse que agora vai pintar a parede pro natal. Eu perguntei: “Tu vai pintar a parede que ele riscou?” “Não, a parede que ele riscou agora vai ficar lá, vou deixar de lembrança, deixar até… vai que ele quer riscar de novo né?! Mas aprendi com você.” E aí a gente vai tentando dosar o conhecimento que eu tenho, o que eles trazem e vai tentando organizar com a família (Professora Utopia).

Esta reflexão será retomada novamente quando trataremos dos saberes que as docentes consideram ser valorosos para a sua prática com os bebês.

Durante os momentos de observação em que estivemos em sala não foram raros os momentos em que eles nos apresentaram todos os objetos da sala, até nos presentearam enchendo a bolsa com bobes de cabelo, trazendo conchas do mar para ouvir o seu som, companheiros de escrita e contadores de história, nos sentimos maravilhadas com aqueles bebês. Apesar do pouco tempo, criamos fortes laços afetivos.

Figura 14 – Apresentação dos materiais de sala