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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

6.1 Saberes que os professores de bebês consideram pertinentes e necessários às

6.1.2 Os saberes que anunciam as professoras de bebês

6.1.2.5 Desenvolvimento infantil

Outro saber destacado pelas professoras é sobre o desenvolvimento infantil. Tanto nas falas da professora Utopia como nas da professora Glaucinha. Quanta a esta última, fica evidente em toda sua narrativa o desejo de saber o que fazer, o que oferecer, como e por que.

Por sua vez, a professora Utopia assim destaca: “[...] Eu preciso entender sobre desenvolvimento do bebê!”.

Quando Utopia revela seu sentimento de querer compreender sobre desenvolvimento infantil tem como desejo tornar suas práticas mais conscientes, pois é necessário conhecer como as crianças se desenvolvem, como aprendem, para tornar consciente o trabalho que desenvolve com as crianças desse grupo etário.

Utopia reconhece que seu saber sobre o desenvolvimento dos bebês é superficial, e cita a importância da formação de professores no contexto do CEI contar com essa temática.

Na entrevista de Utopia percebemos um grande desejo de compreender o desenvolvimento dos bebês, como uma forma de dar sentido o seu trabalho com eles, compreendendo-os com suas possibilidades e cheios de particularidades. Por isso, destaca ser tão relevante saber sobre o desenvolvimento infantil.

As professoras, ao destacarem a importância desse saber, revelam que a docência com bebês não pode ser de qualquer jeito. É preciso conhecer sobre o desenvolvimento, como essas crianças aprendem e o que fazer para potencializá-los. Ao relatar sobre este saber, percebemos certa angústia nas professoras exatamente por tamanha relevância no desenvolvimento de seu trabalho com os bebês.

Dessa forma, elas reconhecem, ao mesmo tempo, que os aspectos práticos são necessários, mas não bastam para sustentar o seu fazer, é preciso dialogar com as teorias e assim dar cientificidade a sua prática.

Observamos que as professoras sempre planejavam com livros técnicos principalmente a professora Utopia, que geralmente estava com o livro As Cem Linguagens. Glaucinha, por sua vez, planejava muito com o documento da rede de ensino de Fortaleza. Segundo ela, havia aprendido, a partir deste documento muitas coisas relacionadas ao que fazer e como fazer com as crianças de Infantil I, ainda assim reconhece que precisa saber mais, no seguinte relato:

Eu gostaria muito, assim, de ter uma formação sobre o quê a gente pode trabalhar com essas crianças de Infantil I, o que planejar, o que é melhor para eles, por exemplo, quando a gente faz uma oficina, seria muito bom. Seria muito bom se a gente recebesse também algumas coisas prontas. Não é pronta! É assim, desse um norte, tipo, vá por aqui, faça isso. Seria muito interessante [...] então, é um norte. A gente já sabe que é motor, a sensação, a linguagem que a gente fica trabalhando ali na rodinha, na conversa sai músicas que é a linguagem musical [...] (Professora Glaucinha).

Glaucinha não usa o termo desenvolvimento ao falar dos saberes que contribuíram para sua atuação com bebês, no entanto, quando relata que seria necessário saber o que é

importante para usar com os bebês ou o quê é melhor para eles fica subentendido que essa descrição tem uma relação com o desenvolvimento dos bebês, pois compreender o que é melhor para eles passa pelo reconhecimento de que há uma especificidade dos bebês que requer práticas diferenciadas daquelas que permeiam a EI, como a própria contação de história, por exemplo.

Quando Glaucinha diz: “o que é melhor para eles” entendemos que essa fala tem relação com o desenvolvimento dos bebês, ainda que não tenha deixado explícito. A professora compreende que essa é uma fase fundamental do desenvolvimento humano que, portanto, depende também do cuidado responsivo às necessidades de desenvolvimento dos bebês e que devem ser planejadas pela professora.

A necessidade de clareza quanto ao desenvolvimento infantil fica evidente quando ao final do relato da professora ela diz que já sabe o que deve ser trabalhado, mas tem o desejo de saber como, de que forma, pois reconhece que é preciso ter consciência das experiências promovidas aos bebês. Assim, evidencia seu desejo de tornar consciente para si o que oferta e o por quê oferta aos bebês.

A narrativa da professora nos leva a duas observações. A primeira é que as primeiras frases estão relacionadas a um anseio de ordem prático, um saber fazer. A segunda é que a professora demostra que o conhecimento, provavelmente de ordem transmissivo, foi adquirido, pois sabe que é o motor, as sensações que devem ser trabalhadas com os bebês, porém, supomos que o mesmo não acontece com o “como fazer”. O relato nos faz pensar que as formações meramente transmissivas acrescentam elementos conceituais, mas o que fazer com eles ainda deixa a desejar.

As relações prática-teóricas estão na base das discussões da formação de professores dos teóricos, como Imbernón (2010) e Nóvoa (1995), que asseveram serem necessárias formações contínuas que integrem essas duas dimensões, a partir das situações “desafiantes”13 que se colocam no cotidiano dos professores.

Na tentativa de suprir suas lacunas formativas as professoras vão à busca de novos saberes, a partir de um contexto fora das instituições em que desempenham suas funções, como forma de inspiração e, acima de tudo, realizarem um trabalho de qualidade com os bebês:

[...] já me inspirei muito a partir das experiências lá de fora, de outros países, eu já me inspirei há muito tempo! Mas aqui no nosso país é difícil, quando você acha, você se apega naquela escola legal! E vejo nas escolas do Sul e outros lugares. E aí eu fico

13 Definimos o termo “situações desafiantes” para designar as situações problemas que as professoras de bebês se

deparam no seu dia a dia e que necessitam de respostas rápidas ou que demandam mais tempo para seu enfrentamento. Acreditamos que esse termo seja mais adequado e menos impactante que situações problemáticas, que em nossa opinião, nos remetem a situações de difíceis soluções.

olhando o que eles estão fazendo, como é que elas estão proporcionando, como as crianças respondem aquele tipo de experiências [...] (Professora Utopia).

Percebemos assim que, igualmente a Glaucinha, Utopia também reconhece que os anos iniciais da infância são decisivos no processo de desenvolvimento humano.

Percebemos na fala de Utopia sua compreensão sobre o papel ativo e único de cada criança no desenvolvimento humano. Em todo seu discurso, e também de acordo com a observação de suas práticas, percebemos uma professora que concebe o bebê como uma pessoa de muitas potencialidades e que, por isso, necessita de práticas que viabilize e torne visível seu potencial humano. É por concebê-los assim que Utopia reivindica por formações em que sejam difundidos os saberes referentes ao desenvolvimento infantil.

Acreditamos que esse envolvimento e empolgação das professoras por saberes que qualifiquem suas práticas poderiam ser potencializados na própria instituição. No entanto, a discussão acerca de estratégias potencializadoras de reflexão será discutida na próxima subseção.

O que queremos enfatizar aqui é a busca por crescimento profissional, por reconhecer que a docência com bebês se faz a partir de diferentes saberes, práticos, teóricos e, diríamos também, ético-profissionais. Este último, para designar a responsabilidade social, politica e ética com o trabalho a ser desempenhado com os bebês.

A pesquisa de Oliveira, R. P. (2014) tem como resultado de suas análises que a profissionalidade docente se constitui a partir da articulação de aspectos, como saberes passados de geração em geração, crenças, saberes científicos, diretrizes, dentre outros. Fato que nos chamou a atenção nas narrativas de Utopia e Glaucinha é que foi evidenciada uma busca por saberes científicos e práticos (à luz das teorias) de forma articulada e, apesar de reconhecerem que precisam compreender melhor quem é esse bebê, ao falarem de suas atuações com eles, não relataram que sua experiência adivinha de um “saber doméstico” (SILVA, J. R., 2005; CARNEIRO, 2017).

Esse fato nos parece ser animador, no sentido de que o debate acerca dos temas que envolvem os bebês, embora ainda de forma modesta, vem ganhando corpo entre os professores que atuam com esse grupo etário. Exatamente por compreenderem que é uma docência que exige um alargamento de saberes e que, portanto, é necessário atribuir sentidos ao seu fazer pedagógico. Acreditamos também que este fato deve-se a visibilidade que os bebês vêm ganhando nos espaços acadêmicos nos últimos anos.

Os teóricos sociointeracionistas, como Piaget, Vygotsky, Wallon, dentre outros, e pesquisadores, como Emmi Pikler, Bondiolli, Malaguzzi, destacam o papel primordial que o adulto exerce frente ao desenvolvimento infantil, exercendo a função de favorecer experiências enriquecedoras e diversificadas para os bebês. No entanto, acreditamos que para exercer bem essa função, o professor precisa conhecer como e de que maneira os bebês se desenvolvem e como podem aprender.

Esse saber é fundamental para o desenvolvimento de uma prática intencional e consciente, livre de achismos e pautado em uma ética que tem a criança como um sujeito potente, ativo e, portanto, sujeito de direitos.

É importante compreender o que significa dizer que os bebês se desenvolvem integralmente e conhecer que práticas podem ser promotoras desse desenvolvimento holístico. Se, a partir dos teóricos clássicos do desenvolvimento infantil, defendemos que as crianças devam desenvolver-se integralmente, então acreditamos que aos seus professores deve estar assegurado também um conhecimento holístico sobre como as crianças se conectam com o mundo. Conhecer os teóricos sociointeraconistas, como Piaget, Vygotsky, Wallon, bem como pesquisadores que trazem outras abordagens infantis, como Emmi Pikler, Goldschmied, e outros, se faz necessário.

Um dado importante que Felipe (2001) nos traz sobre as teorias é que estas não devem ser entendidas como verdades definitivas, pois teorias que se pretendem científicas devem ser passíveis de questionamentos, sujeitas a transformações. E acrescentamos a esta reflexão o fato de estarmos lidando com pessoas, a dos bebês e a de seus professores. Pessoas singulares, únicas e que devem ser vistas como tais. Logo, amparados em Piaget (1986), defendemos que os bebês, portanto, em relação ao seu desenvolvimento e aprendizagem precisam ser concebidos como pessoas que tem uma história composta por experiências, interações, desenvolvimento e conhecimento físico.

Assim, se nos concentrarmos no grupo etário dos bebês, vemos em Wallon (2007), dois estágios que se concentram aproximadamente ente o primeiro ao terceiro ano de vida. Este pesquisador assinala que o desenvolvimento ocorre de forma descontínua, por rupturas e retrocessos. Em cada estágio há uma reformulação entre o atual e o posterior.

Desse modo, para o primeiro ano de vida temos o estágio denominado de “impulsivo emocional”, no qual as relações entre emoções e ambientes são predominantes. Atividades cognitiva e afetiva encontram-se indiferenciadas. É um estágio em que o sujeito vai gradativamente desenvolvendo as condições sensórias motoras como olhar, pegar, andar, além de ser um período marcado pela constituição enquanto pessoa. Nesse período há a

predominância da emoção, a qual é o instrumento de interação. Portanto, fase em que o maior interesse da criança é a outra pessoa. Por isso, Wallon (2007) afirma que a criança é um ser social.

Já o segundo estágio, é o sensório motor e poderá ocorrer em torno de um a três anos. Neste período, a exploração do meio ocorre de forma intensa, predominando as relações cognitivas com o meio, ou seja, o ato mental se projeta em atos motores. Os atos exploratórios são um desejo da conquista pela autonomia. É ainda um período em que aparece a função simbólica, por volta do final do segundo ano, aproximadamente.

A relevância no conhecimento das perspectivas sociointeracionistas está ligada ao papel que o adulto exerce frente às crianças, “cabendo-lhes proporcionar experiências diversificadas e enriquecedoras, a fim de que as crianças possam se fortalecer sua autoestima e suas capacidades” (FELIPE, 2001, p. 31).

Compreendemos, assim, a importância do diálogo com estas e outras teorias e abordagens que tratam do desenvolvimento dos bebês, corroborando com as professoras do CEI pesquisado, no sentido de apropriação destes saberes, pois entendemos que acreditar na capacidade dos bebês como pessoas ativas, inteligentes e potentes perpassa pelo conhecimento das concepções que os definem como tal, e não apenas receptores de informações a serem transmitidas pelo meio, mas, ao contrário; é nas interações entre os pares e com os adultos e o meio, que os bebês se apropriam da cultura para transformá-la, e assim, constituir-se enquanto pessoa (FELIPE, 2001).

Acreditamos que o conhecimento das abordagens e teorias acerca do desenvolvimento infantil possibilita aos professores o fortalecimento de uma identidade própria na docência com a primeiríssima infância, e isto está associado diretamente ao trabalho que será desenvolvido com os bebês.

Por último, queremos ressaltar que as teorias que abordam sobre o desenvolvimento infantil não podem estar acima das crianças reais, do bebê real com quem lidamos cotidianamente.

Acreditamos que essas teorias nos ajudam a iluminar na compreensão sobre como os bebês aprendem e se desenvolvem nas interações, nas brincadeiras, na afetividade e outros aspectos relevantes. No entanto, o diálogo com outros autores que trazem uma nova perspectiva sobre a infância precisam chegar às instituições de EI para que possam enxergar os bebês em toda a sua complexidade, como seres únicos e singulares e que, portanto, precisam viver sua infância na integralidade.