• Nenhum resultado encontrado

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

5.6 O(s) Bebê(s) e sua(s) especificidade(s)

A ilusão de estar à espera dos acontecimentos e apenas observar foi desfeita no exato momento em que entramos na sala de referência. Não há como não se render àqueles sorrisos, afagos, choros e necessidades. Não tem como ficar imune, e algumas vezes, a emergência de determinados momentos nos fizeram participar de suas rotinas, como por exemplo, numa ocasião em que a professora havia saído para lanchar e a auxiliar havia ficado só com todo o grupo. Nesse momento um dos bebês precisava ser limpo no banheiro, foi então que nos sentimos na obrigação de velarmos por elas naquele momento.

Outra situação ocorreu quando os bebês solicitavam da professora brincar no gramado, porém uma delas quis permanecer na sala, pois naquele dia estava indisposta. Era o momento do lanche da auxiliar educacional e a professora estava só. Há algum tempo os bebês solicitavam da professora para brincarem na grama. Assim, ela resolveu atendê-los e saiu correndo com eles, com um grande lençol para a brincadeira. Márcia, um dos bebês, não foi, pois estava naquele dia indisposta e ficou na porta olhando todos se divertirem. Outra professora de Infantil II viu a brincadeira e saiu correndo também e se juntou ao grupo, esse foi um momento que não pude fotografar por estar dando atenção a Márcia. Aquela foi outra ocasião em que me senti responsável por aquele bebê.

Figura 15 – As necessidades dos bebês

Fonte: acervo pessoal.

E esses não foram os únicos episódios, aconteceram muitos outros em que uma profissional ficava com todo o grupo, o que nos levou a auxiliar de alguma forma, de modo que não fizemos registro fotográfico, mas propiciou experiências inesquecíveis as quais registramos neste texto.

Esses acontecimentos nos levaram a refletir sobre a quantidade de profissionais numa turma de bebês: Será que dois profissionais para um quantitativo de 16 crianças é suficiente? Atenderíamos a necessidade da maioria das crianças ou atenderíamos apenas uma? Estariam desrespeitando o direito de qual grupo, o do bebê que ficou na porta ou a maioria deles que poderia ter suas necessidades não atendidas? Ou simplesmente de ambos?

Pensando nesse contexto de tantas demandas que um grupo de bebês exige, com tempos e ritmos, singularidades e solicitações tão diversas, um professor e um auxiliar darão conta de atendê-los? Pensamos que em todos os momentos isso não será possível. Foi preciso experenciarmos a realidade daquelas professoras para entender as suas queixas com relação ao quantitativo de profissionais para o atendimento de uma turma de bebês.

A pesquisa de Silvia (2018) e Demétrio (2016) apontam que as necessidades físicas, emocionais e relacionais dos bebês exigem de suas professoras uma grande disposição e desgaste corporal para atendê-las, necessitando, portanto, do compartilhamento da docência com um terceiro profissional. Esses dados confirmam as situações presenciadas tantas vezes por nós.

Ainda sobre a sala de referência, esta dava acesso a um gramado, com uma árvore enorme, em que os bebês adoravam brincar, tomar banho de mangueira e piscina. Observamos que as crianças transitavam livremente tanto pela sala quanto por outros espaços, quando necessitavam. Não percebemos que as crianças eram tolhidas em seus movimentos, pelo contrário, eram incentivadas pela professora, o que se confirma a partir do seguinte relato da professora Utopia:

No final do ano é que eu consigo ver, assim, muita coisa de quando a gente começou e quando a gente tá finalizando o ano. Os que já chegavam bem expressivos não aceitam tudo, vem dizem, perguntam. O Guilherme, por exemplo, essa semana, terça- feira, ele chegou e disse: “Qual é a programação do dia?” E aí eu disse: “É a mesma da segunda.” E aí ele disse: “Ave Maria!” E aí eu disse assim: “Guilherme, eu não estou muito afim hoje!” E é incrível, porque ele só me pergunta isso no dia que eu não estou muito legal. Ele parece que sente, vem me perguntar exatamente nesses dias. E eu sempre dou essa opção pra ele: “Bem se você quiser ver a programação das outras salas, pode.” E ele ficou um pedacinho numa sala para assistir, noutra sala, e aí quando ele viveu todas as programações ele voltou, e eu perguntei se ele estava satisfeito. Ele disse que sim. Eu também tenho esse sentimento, porque eu também sou humana, né!? (Professora Utopia).

Quanto ao sentimento que a professora fala, ela se refere ao cansaço dos finais de semestre, que tanto ela como as crianças vivem e que, portanto, a disposição física e mental já não é mais a mesma, nem das próprias crianças, como demostra a seguinte narrativa:

Então assim... Eu tenho o grupo, agora em dezembro é muito difícil planejar, é difícil viver o dezembro, porque eles já estão fatigados. Segunda-feira Maria estava deitada no chão e eu pensei que ela estivesse desmaiada, aí eu perguntei para ela: “O que é que você tem?” Ela disse: “Tô com preguiça!” Por que não querem! Tem uns que não querem mais, tem uns que ficam chorando na porta... Porque a gente precisa desse tempo para parar, para poder recomeçar. Se a gente tá assim adulto, imagina as crianças! É muito tempo! Então fatiga. Tem dias que, por exemplo, o Guilherme estava perguntando na terça-feira: “O que nós vamos fazer amanhã?” E aí eu olhei para ele e disse: “Então, me dê uma ideia do que a gente pode fazer no final do dia, me dê uma ideia do que a gente pode fazer amanhã!” Ele olhou para mim disse: “Eu não sei, mas vai pensando aí!” Então... assim... Nem eles querem mais dá ideia (Professora Utopia).

Outro momento que demonstra o incentivo e o respeito pelas necessidades dos bebês é descrito a seguir:

O Guilherme trouxe o mapa do tesouro, ele ficou a manhã inteira pedindo para gente procurar o tesouro, então... assim... tinha as outras demandas das outras crianças, e aí às vezes eu negocio com a turma, aí eu digo que: “ A gente pode fazer o banho de bacia das Bonecas amanhã? Às vezes eles dizem que sim, às vezes dizem que não, que querem hoje! E aí eu vou negociando. Então, nesse dia eles queriam brincar de esconde-esconde e de pega-pega no gramado. E aí eu perguntei a eles se a gente podia brincar no final do dia de procurar o tesouro do Guilherme, eles aceitaram. Dormiram e quando acordaram a gente foi. E aí era um mapa no encarte de revista. Aí ele foi dando indicativas: “Tá perto da água!” Então eles foram em todos os lugares onde tinha água, onde a gente toma banho de mangueira, onde tem um chuveirão, onde eles lavam as mãos, e a gente foi procurar o tesouro e ele era o Capitão Gancho, que ele se denominou. E aí ele disse: “Eu mando no navio.” E aí não queria deixar os meninos verem, então eu questionei com ele, fazendo essas mediações: “Como é que os teus piratas companheiros vão te ajudar a procurar o tesouro se tu não deixa eles verem o mapa!” Aí, foi que ele deixou (Professora Utopia).

A professora Utopia deixa claro que atende, sim, as demandas dos bebês, e embora descreva por todas as suas narrativas como se dá à construção desse currículo emergente, ela faz questão de frisar que enquanto profissional, também precisa propor algo às crianças, que não pode ficar apenas a aguardar por esses momentos. A descrição abaixo demonstra nossa reflexão:

Então acontece esse planejamento que é emergente, que vem do dia, mas não é sempre, porque senão a gente fica: “Eu preciso também trazer, promover, eu preciso trazer esse conhecimento para as crianças,” porque eles também não detêm o um conhecimento de tudo. Então eles trazem, eu trago, então a gente mescla, às vezes eu trago só e aí eles participam, às vezes eles me trazem e eu participo e os outros participam, então a gente vai nessas organizações (Professora Utopia).

Acreditamos que o equilíbrio entre saber dosar os momentos de necessidades dos bebês com o que propor, bem como os momentos de atender a uma criança ou ao grupo de

crianças é uma sutileza que requer escolhas, resolução rápida dos problemas que se colocam, poder de negociação com os bebês; enfim, saberes complexos, não tão fáceis que são construídos nas relações diretas com os bebês no cotidiano da profissão.

Dessa forma, corroboramos com Tardif (2014) em considerar que os saberes nos quais os professores se utilizam em seu cotidiano não dependem em sua íntegra de conhecimentos especializados, mas abrangem, portanto, uma diversidade de situações, questões, problemas relacionados ao seu trabalho.

Assim, as pesquisas de Tardif (2014) e Hernandez (2016), em consonância com Formosinho, J. (2009), sobre os saberes que os professores se utilizam para ensinar, apontam que estes consideram como lócus privilegiado de suas origens, também, os saberes advindos no exercício da prática. Portanto, “[...] a experiência de trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber ensinar” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 213).

A partir desta reflexão, não queremos desqualificar o saber teórico, de forma alguma, mas enfatizamos que lidar com os bebês exige sensibilidade, habilidades de saber ouvir, observar as sutilezas dessa relação, para assim estabelecer trocas comunicativas-afetivas que podem definir o percurso das ações para e com os bebês. Acreditamos que as teorias poderão clarificar as situações que se colocam no fazer diário com os bebês. São importantes para também qualificar os docentes que atuam com os bebês; situações as quais definimos aqui de “conteúdos cotidianos”, que, por sua vez, são imprevisíveis, repentinos e que exigem tomadas de decisões rápidas, e conviver com um grupo de bebês diariamente é estar preparado para o inusitado.

Defendemos o saber teórico em um contexto de EI marcado por práticas e concepções do senso comum, e que, portanto, desqualificaram por longos tempos seus professores e as instituições que na sua origem foram meramente assistencialistas. É preciso, portanto, dar cientificidade a essas instituições. Contudo dar cientificidade não significa contraditoriamente desqualificar os saberes docentes oriundos da experiência do trabalho, mas entendemos que todos eles são complementares e que são a base de sustentação às práticas desenvolvidas com os bebês.

Ainda sobre o currículo emergente, a professora Glaucinha, a partir de orientações da CP vem se desafiando em seus fazer cotidiano com os bebês, expresso da seguinte forma em sua narrativa e que também vem dar visibilidade as reflexões acerca dos saberes no exercício da docência:

[...] aqui a gente trabalha muito o protagonismo infantil a criança fala o que quer, a CP sempre deixou claro que a criança fala o que quer. Fala um assunto, por exemplo, a criança fala PIRATA, e a gente vai trabalhar em cima daquilo. Então isso é como se

fosse uma continuidade ela dizia sempre, trabalha assim Gláucia dessa forma, qualquer dúvida você me procura, então foi uma experiência gratificante (Professora Glaucinha).