• Nenhum resultado encontrado

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

2.1 A formação contínua dos professores de bebês em contextos de atuação docente

2.1.3 A relação entre professores e bebês

Na terceira categoria vimos que o trabalho de Demétrio (2016) analisou a compreensão das professoras sobre o lugar que a dimensão corporal ocupa nas relações

educativas em um grupo de bebês, na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Pautado no referencial teórico de Vygotsky, Bakthin e Wallon, o estudo evidenciou que a dimensão corporal compõe a especificidade educativa do grupo de bebês, principalmente nas ações de cuidado, ações de brincadeira e ações de comunicação. Possibilitou, ainda, observar que as relações estabelecidas no grupo de bebês exigem da professora uma disposição corporal para atender às necessidades físicas, emocionais e relacionais dos bebês, ocasionando com isso um desgaste do corpo adulto e uma necessidade de compartilhamento da docência com um terceiro profissional.

Outro aspecto analisado pela pesquisadora, também evidenciado por outros trabalhos, tais como o de Silva (2017), Fochi (2013), Ramos (2010), que analisam as relações sociais dos bebês em espaços coletivos de educação, refere-se à potência presente na ação dos bebês nas relações educativas da creche, especificamente marcadas pelas ações de brincadeira, de interação e de comunicação.

A pesquisa de Schmitt (2014) objetivou analisar as relações sociais constituídas por professoras, bebês e crianças pequenas em uma instituição de educação infantil, a fim de compreender como as estruturas destas relações marcam de maneira específica, a composição da ação docente com crianças de zero a dois anos. A pesquisa, de caráter etnográfico, teve como principais sujeitos, dois grupos etários: um formado por 15 bebês com idade de seis a dez meses; e o outro formado por 15 crianças pequenas, com idade de um ano e oito meses a dois anos e dois meses, e suas respectivas professoras.

A pesquisadora frequentou a instituição durante um ano, no intuito de conhecê-la a partir de suas ações em contexto. Schmitt (2014) chama a atenção para as relações sociais no âmbito da creche a fim de também compreender os contornos da própria docência, de forma situada e atenta às especificidades que contornam aqueles a quem a ação é dirigida, ou seja, aos bebês e crianças pequenas.

O trabalho de Schmitt (2014) revelou que a atenção individual ocorre, sobretudo, nas relações que envolvem o cuidado corpóreo-afetivo, não necessariamente implica em uma atenção singularizada, visto que o contexto coletivo, quando não pensado em sua heterogeneidade, tende a reificar determinadas ações realizadas pelas professoras, dada a sua repetição. Outro fato é que adimensão corporal é central na composição das relações sociais com bebês e crianças pequenas, tanto no que se refere à visibilidade das ações sociais destes, como também, das professoras com quem eles se relacionam fato também apontado na pesquisa de Demétrio (2016). Foi observada, ainda, segundo Schmitt (2014), uma interferência forte da dimensão biológica dos bebês na constituição das dinâmicas relacionais no contexto da creche.

De acordo com Schmitt (2014) esta interferência vai se alterando na composição das relações dentro da instituição, à medida que os bebês vão crescendo e se inserindo nas regras da instituição. Assim, de um lado as professoras estão intensamente envolvidas no atendimento das necessidades de cuidado corpóreo-emocional das crianças e, por outro, o fato destas ações ocuparem grande parte do seu tempo, possibilita aos bebês e crianças pequenas, viverem relações intensas entre si e com o ambiente. Neste sentido a pesquisadora chama a atenção para estas duas composições relacionais: a atenção individualizada e as relações entre os bebês e as crianças pequenas, de forma interconectada. Afirma que ambas precisam ocorrer, enfatizando que as condições de uma interferem na qualidade da outra.

A partir da exposição de Schmitt (2014), percebemos a potencialidade dos bebês e crianças muito pequenas na sua capacidade inventiva, criativa e o estabelecimento de relações, já apontadas nas pesquisas de Silva (2017) e Fochi (2013).

Assim, de acordo com Martins Filho e Prado (2011), embora, as crianças não tenham ainda a linguagem verbal desenvolvida, elas constroem culturas, a partir de suas relações com o outro e com o meio. Isso é possível de ser observado, a partir de expressões, tais como a capacidade de transgressão, de sociabilidade, de invenção e criação de propostas de brincadeiras não sugeridas pela professora, de continuidade de brincadeiras em dias alternados, de escolha de parceiros distintos, maiores ou menores que ele próprio, e tantas outras formas de comunicação e linguagem estabelecida pelos próprios bebês.

A pesquisa de Dias (2010) possui uma característica que se diferencia das demais publicações aqui listadas, por ser um trabalho que se articula entre psicanalise e educação. Sustentada pelo viés da abordagem Freudo-Lacaniana problematizou o lugar que o educador/cuidador na creche pode ocupar na subjetividade do pequeno bebê. Compreendendo a importância dos três primeiros anos de vida para a constituição psíquica do indivíduo, foi necessário um aprofundamento sobre as concepções da função materna e paterna em Lacan. Seguindo a abordagem Freudo-Lacaniana, fez diferença esclarecer se a educadora pelo fato de desempenhar cuidados, mesmo que maternantes, estaria colocada na posição de quem está exercendo uma função materna. Para responder o lugar das professoras junto aos bebês, foi possível concluir a partir da metodologia de observação e entrevistas que, a professora, ao cuidar, desempenha funções básicas para as crianças, no entanto, sem cumprir a função materna, ocupando assim um lugar terceiro.

Os dados trazidos no trabalho de Dias (2010) contrapõem as concepções socialmente construídas sobre a visão de que para ser professora de bebês basta possuir habilidades maternais. No entanto, os próprios bebês fazem muito bem essa distinção entre as

pessoas que lhes cuidam e educam, pois atribuem a eles o lugar de terceiro e não de mãe, segundo a pesquisadora.

Silva (2018) teve como objetivo analisar a composição das dinâmicas corporais na docência com bebês. Para tanto, realizou uma pesquisa de campo etnográfica em um grupo formado por 12 bebês e duas professoras em uma instituição de Educação Infantil pública do município de São José, em Santa Catarina.

Para a organização dos dados Silva (2018) utilizou a Técnica de Análise de Conteúdo de Bardin e Vala, o que resultou em quatro categorias de análise: 1) O corpo da professora no atendimento às singularidades em um contexto coletivo; 2) O corpo da professora que acalma e acalenta; 3) O corpo da professora como possibilidade de relações e; 4) Relações sem pressa, versus movimentação corporal intensa e a influência das materialidades. O referencial teórico que guiou as análises dos dados teve como base os estudos do campo da Antropologia da Criança, da Sociologia da Infância e da Pedagogia da Infância.

Suas análises evidenciaram que os atendimentos às singularidades na docência com bebês ocupam grande parte do tempo das professoras, sendo marcados por intensas relações corporais, por sua vez, intermitentes, pois outros bebês buscam também por essa relação. Os dados revelam ainda que, para dar conta de atender as demandas dos bebês, envolvidas em uma temporalidade, as professoras fazem uso de uma movimentação corporal intensa para agilizar os atendimentos, ao mesmo tempo em que buscam respeitar o corpo e tempo dos bebês. Essa movimentação intensa é resultado das demandas dos bebês em sua temporalidade, bem como imposta pela própria instituição, o que resulta muitas vezes apressar os atendimentos, nem sempre respeitando as singularidades dos bebês.

Por conta dessa agilidade, muitas vezes as professoras não se atentam ao seu corpo, em como realizam os movimentos, revelando um descuido com ele, o que acaba gerando um desgaste físico, um cansaço corporal. Os dados revelam também que esse desgaste e cansaço, ocasionando por esse descuido é intensificado por meio do uso de materiais inadequados.

As pesquisas de Schmitt (2014), Demétrio (2011) e Silva (2018) se entrelaçam ao abordarem as questões da corporeidade das professoras e os bebês como um aspecto forte e presente que demarca a especificidade do trabalho docente. Os dados destas pesquisas nos levam a reflexão de que alguns aspectos no trabalho dos professores com os bebês precisam ser repensados, tanto pelas instituições, quanto pelo poder público, no sentido de ampliar investimentos como compra de mobílias e outros materiais que facilitem a agilidade e movimento do professor, tornando suas ações laborais menos cansativas e disponíveis às crianças. Também nos faz pensar sobre a disponibilidade corporal do professor para o contato

com esse outro, o bebê, a partir do toque, para a entrega aos movimentos como brincadeiras, danças, contato com a natureza, e tantos outros aspectos que possam envolver a corporeidade docente.