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A presença de temas regionais nos textos literários

5. OS ESCRITORES DA SERRA GAÚCHA: ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

5.2 As entrevistas: escritores no sistema literário da Serra Gaúcha

5.2.4.1 A presença de temas regionais nos textos literários

Muitos dos entrevistados acreditam que há autores que fazem referências especiais à situação história e cultural da região serrana. A grande maioria cita como exemplo o escritor José Clemente Pozenato36, que já publicou diversos textos nesse viés. No entanto, apesar de o número de publicações ter crescido significativamente nos últimos dez anos, os escritores

36 No apêndice desta tese, podem ser encontradas informações biográficas e bibliográficas sobre o escritor, tendo em vista que ele foi um dos autores entrevistados nesta pesquisa.

destacam que textos que façam referências a questões históricas e culturais da região têm sido publicados com cada vez menor frequência. Eles afirmam que já houve na região um apego mais sério em relação à tradição e à cultura regional, que se refere tanto a sua mitificação como a sua desmitificação.

Conforme as informações coletadas, a geração anterior de escritores, à qual pertencem José Clemente Pozenato e Oscar Bertholdo, por exemplo, tinha como foco trazer para a literatura as peculiaridades da região. A tentativa de busca pela universalização da literatura produzida na Serra parece ser uma característica de nossa época.

No que tange às obras que têm sido publicadas e que trazem referências regionais, alguns escritores indicam que muitos desses textos estão voltados para o plano da ficção, sem conseguir estabelecer relação com a realidade. Para esses autores, tais publicações precisam ser melhor trabalhadas (lapidadas), através da leitura e do conhecimento, até que o escritor consiga falar da sua cidade e seus fatos históricos ou fazer alguma referência a eles com fluidez no texto. Caso contrário, continuarão sendo narrativas truncadas e estereotipadas.

Foi possível perceber certa resistência ou falta de conhecimento prévio por parte de alguns (poucos) entrevistados em relação aos textos literários que fazem referência a determinada região, neste caso, a Serra Gaúcha. Comentários como “não dá para ficar só nisso”, “é preciso expandir” e “falar só sobre a região torna o texto maçante” apareceram durante algumas entrevistas. Deve ficar claro que, diferentemente dos dados apresentados no parágrafo anterior, no qual os escritores buscam soluções para melhorar os textos ficcionais que fazem referências à região, aqui, os escritores se mostraram bastante incomodados com essa questão, afirmando que é preciso tratar de temas mais abrangentes.

Observa-se que para esses escritores parece não existir distinção entre literatura regional e literatura regionalista. Para eles, toda a literatura que trata de temas regionais é excludente e busca a idealização da região representada na obra. Segundo Pozenato (2003), o equívoco cometido pelos escritores entrevistados é muito recorrente ao se tratar das relações entre literatura e região. O pesquisador afirma que é necessário analisar a literatura regional sob o viés da regionalidade, ou seja, das particularidades que permitem identificar de terminada região. A partir dessa perspectiva, o regionalismo é identificado “como uma espécie particular de relações de regionalidade” (p. 155) que tem como propósito criar um espaço “simbólico, bem entendido – com base no critério da exclusão, ou pelo menos da exclusividade” (p. 155). Por sua vez, a literatura regional não possui necessariamente um caráter idealizador, mas é configurada a partir de regionalidades que possibilitam o reconhecimento de determinada região que pode aparecer representada no texto literário. A literatura regional não limita-se

apenas a determinadas obras que tratam de temas regionais, mas inclui todo e qualquer texto literário que está vinculado à região por questões temáticas, de produção, circulação e recepção. Atualmente, percebe-se a presença de muitos jovens escritores no cenário literário serrano. Acredita-se que eles escrevem o que consomem enquanto leitores, então, há livros de terror e policiais, por exemplo, ambientados em Caxias do Sul. Para vários dos entrevistados, é uma literatura produzida por escritores que moram em Caxias do Sul e buscam a universalidade37. Hoje em dia, em um mundo globalizado e integrado, é possível ser um escritor caxiense e escrever uma literatura do tipo norte-americana. A cada dia, há uma literatura cada vez mais diversificada na região. Além disso, há um grande número de livros sendo publicados, o que permite concluir que a produção literária serrana está contribuindo para um processo de transformação e ampliação do cenário literário regional ao longo dos próximos anos.

Destaca-se, ainda, que em torno de 60% dos entrevistados alegam que sua obra não é influenciada por particularidades históricas da região. Alguns autores manifestaram o desejo de produzir textos de ficção dessa natureza, mas admitem que precisarão de muito estudo para conseguir escrever um bom texto. Outros ressaltam que assumem temáticas diferentes e não possuem o desejo de escrever sobre esse tema no momento.

Aproximadamente 40% dos escritores concordam que sua obra é influenciada por particularidades históricas da região. A cultura de imigração italiana é o principal assunto tratado nos textos dos escritores que assumem essa influência histórica. Alguns deles assinalam que sua obra trabalha com a desconstrução de alguns mitos que, muitas vezes, eles consideram um atraso cultural, um engessamento da questão da vinda dos imigrantes italianos.

Ressalta-se, ainda, que muitos autores tratam de temas regionais, mas seus textos abordam as regionalidades da Serra na atualidade, no cotidiano das pessoas que vivem na região. Verifica-se que este é um novo modelo de literatura sendo produzido nesse sistema, que está ganhando espaço na vida de seus leitores. Em contrapartida, cada vez menos romances históricos estão sendo escritos, e as particularidades da região estão sendo tratadas com cada vez menor profundidade, pois muitas obras não entram nos conflitos que estão escondidos nessa cultura. Pode ser que a produção de textos que contemplem questões culturais da Serra na atualidade seja uma porta de entrada para se voltar a pensar a região através da literatura e sob um ponto de vista crítico.

Há diversos temas regionais que os escritores consideram importantes em seus textos, tais como a natureza, a paisagem, a imigração italiana, as cidades de Garibaldi, Bento

37 Ao utilizarem o termo “universalidade”, os escritores se referem ao texto literário que consegue romper as barreiras de circulação e recepção no âmbito regional.

Gonçalves e Caxias do Sul, a vida urbana na região, a Festa da Uva, as particularidades do cotidiano da sociedade serrana, os fatos históricos, o idoso, as questões sobre a mulher, a acumulação de capital na região, o papel da Igreja e os costumes locais.

A tendência é considerar que a cultura regional seja apenas de base rural, mas isso não é verdade. Conforme Berumen (2005), o reconhecimento de determinada cultura regional ocorre, principalmente, através da verificação de um conjunto de valores compartilhados pelos habitantes de um mesmo território, de um passado histórico em comum, de formas de vida que identificam uma comunidade e a distingue das demais. Observa-se que os três fatores apresentados podem ser encontrados tanto em regiões rurais quanto urbanas.

Alguns escritores já possuem a percepção de que a cultura regional também está presente no espaço urbano, o que tem sido revelado em seus textos literários e nas entrevistas realizadas. A Serra Gaúcha já conta com cidades de porte médio, como Caxias do Sul e Bento Gonçalves, por exemplo, o que leva a perceber a presença do fenômeno urbano na vida social da região. De acordo com os dados coletados, há, na região, escritores que têm um olhar especial para a questão do urbano na Serra Gaúcha. Elementos como passar na rua e ver e ouvir as pessoas falando alto, conversando, até mesmo discutindo assuntos do cotidiano, como o trânsito que não funciona, a entonação dos imigrantes ao falar, as pessoas nos celulares etc., tudo isso tem chamado a atenção de alguns autores da Serra Gaúcha, especificamente de Caxias do Sul e Bento Gonçalves. Através da sua produção literária, eles conseguem representar como grande parte da região cresceu em termos de urbanização. Muitas vezes, não há nos textos referências regionais específicas, como nomes ou datas, mas a temática do urbano, que pode ser observada no cotidiano social da Serra, é uma caraterística significativa de alguns autores que estão produzindo na região.

Há, ainda, autores que atrelam a sua produção a acontecimentos históricos da cultura serrana, como a vinda dos imigrantes italianos. Entretanto, segundo os dados coletados, cada vez menos escritores têm feito isso, pois a nova geração de autores tem uma produção bastante diversa, como pôde ser observado anteriormente. Mesmo assim, muitos jovens escritores já fizeram menção a temas regionais em seus textos, ainda que superficialmente, e os julgam importantes, assim como aqueles que nunca trabalharam com a temática regional e têm o desejo de inseri-la em sua obra.

Observa-se que os novos autores estão dispostos a continuar trazendo para a produção literária a temática regional, mas provavelmente ela aparecerá a partir de novas abordagens, sob novos pontos de vista, como a questão do urbano, por exemplo. Esse é um processo que poderá

ser investigado daqui a alguns anos, quando houver o distanciamento temporal para tais constatações.