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Considerações sobre as publicações regionais em geral

5. OS ESCRITORES DA SERRA GAÚCHA: ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

5.2 As entrevistas: escritores no sistema literário da Serra Gaúcha

5.2.1 Editoras e publicações

5.2.1.3 Considerações sobre as publicações regionais em geral

Os escritores destacam que em diversos aspectos a região está no caminho certo em relação à literatura, ou seja, há muitos textos bons sendo publicados e o cenário literário se mostra em ampliação e desenvolvimento, com público leitor para todos os gostos. Além disso, alguns enfatizam que a literatura que vem sendo produzida está sendo influenciada, principalmente, pela nova literatura fantástica e pela literatura europeia e americana. Isso se deve ao fato de muitos escritores estarem buscando a universalidade na sua produção, por isso optam por tendências/modelos literários que estão em voga no âmbito nacional e internacional. Cada vez menos, os autores serranos estão escrevendo sobre questões regionais, sob o ponto de vista de alguns dos entrevistados. No entanto, isso não quer dizer que, se algum escritor escrever sobre questões regionais, não poderá atingir certa universalidade. Como os próprios autores apontam, um escritor que fez isso e deu certo é José Clemente Pozenato. Apesar de sua trilogia, por exemplo, tratar de questões regionais, em algum momento, nela aparecem conflitos que fazem sentido também para um ambiente maior que o regional, como a questão da imigração, os conflitos da adaptação a um lugar estrangeiro, os questionamentos sobre qual é o lugar do ser humano no mundo, entre outros.

Hoje, a tendência da literatura produzida na Serra Gaúcha não é mais mostrar a realidade da região. Segundo alguns respondentes, há uma inclinação para a self literatura, na

qual o escritor procura se colocar no centro do seu texto. Essa é uma tendência que, talvez, seja motivada pela internet.

Alguns escritores também afirmam que, apesar de haver muitos textos bons sendo publicados, há também muitos textos ruins. Diversos autores reclamam a falta de bons romancistas no cenário literário serrano e destacam que, ao terem contato com alguns textos de ficção, têm a impressão de que os autores dessas obras não leem. Para publicar um bom romance, é preciso ler e estudar o gênero, assim como acontece com a escrita de poesia. Para eles, escrita é técnica, é conhecimento, é leitura. Eles argumentam que o seu posicionamento não é uma questão de burocratização do processo de escrita, mas de busca de uma produção que realmente seja de qualidade. Eles acreditam que a promoção de mais oficinas de produção literária, encontros e bate-papos literários seria um primeiro passo para melhorar a produção desse gênero, que é bastante produzido entre os autores locais e o mais apreciado pelos leitores, conforme informações obtidas junto às editoras serranas.

Um motivo para existirem tantos textos avaliados como ruins no cenário literário serrano, sob o ponto de vista dos escritores, é o fato de as leis de incentivo terem facilitado a publicação, pois normalmente há mais verba do que bons produtos culturais para serem publicados. Dessa maneira, o filtro de seleção de contemplados é praticamente inexistente. A publicação independente possibilitou que tanto livros considerados bons quanto ruins fossem publicados. Talvez, inúmeros escritores que tiveram seus livros publicados no cenário atual, há vinte anos, jamais conseguiriam publicá-los. A publicação independente e os programas de incentivo à publicação abriram portas para que os escritores serranos conseguissem publicar seus textos.

Entretanto, isso trouxe problemas em relação à qualidade do que está sendo publicado, pois, muitas vezes, os autores não têm paciência para deixar o texto no seu “tempo de gaveta”, enviar para outras pessoas lerem e darem a sua opinião, retomar o texto e melhorá-lo. Isso ocorre porque o processo de publicação foi facilitado. Através da publicação independente, os escritores perceberam que o sonho de publicar um livro se tornou realidade e, por esse motivo, imediatamente ao terminarem de escrever, procuram uma editora que tenha um selo de prestação de serviços ou gráfica para editar e imprimir o seu livro. Muitos escritores ficam ansiosos para publicar o seu livro e conseguir alguma visibilidade e, por isso, acabam publicando o trabalho antes do tempo. Até certo ponto, isso é normal: quem tem um trabalho quer publicá-lo e dividi-lo com as pessoas. Porém, os escritores defendem que é preciso ter um cuidado maior antes de publicar, é preciso analisar o trabalho com paciência para tentar melhorar o texto e, até mesmo, trocar ideias com pessoas próximas.

Outra questão apresentada pelos entrevistados é que a produção serrana, no seu conjunto, é bastante isolada, sem apoio estratégico significativo de divulgação e circulação em outros ambientes literários. Talvez, fosse necessária uma articulação entre os escritores e o poder público para divulgar o trabalho dos autores da região. Ao serem questionados, os escritores afirmaram não saber como resolver isso.

Há quem afirme que a literatura de alta qualidade produzida na Serra circula pouco porque a maior parte da população, inclusive serrana, não possui bagagem cultural suficiente para compreendê-la, o que dificulta a identificação do leitor com o texto. Alguns escritores advogam que essa produção atende às necessidades de públicos bem específicos e não do grande público, que seria atendido por uma literatura tida como simples.

Muitos escritores destacam que o material literário serrano considerado bom é de ótima qualidade, o que eles associam à história da literatura no estado, onde há autores de destaque, como Érico Veríssimo, Josué Guimarães e Moacyr Scliar, além de grandes escritores considerados serranos, como os poetas do Grupo Matrícula, Italo Balen, Vivita Cartier, entre outros. Isso, na opinião de alguns escritores, gera uma boa literatura, mas não é toda a literatura produzida na região que é de qualidade. No entanto, é possível encontrar bons autores oriundos da região em função da sua história.

Apesar de muitos escritores terem apresentado opiniões pontuais acerca da qualidade dos textos literários produzidos na Serra, acredita-se que a herança cultural-literária de uma região pode ser mais importante para pensar a literatura regional enquanto prática cultural, do que em termos de qualidade do texto.

Ressalta-se ainda que a existência de uma produção literária considerada de qualidade pelas instituições que compõem o sistema (como a academia, por exemplo), a perspectiva crítica de alguns escritores em relação ao que tem sido produzido na região, a promoção de eventos literários em geral e o grande número de publicações na região evidenciam uma rede de relações que vem se estabelecendo ao longo do tempo e do espaço, colaborando para a renovação e/ou para o fortalecimento não apenas da produção literária local, mas do sistema literário serrano como um todo.